*** CORAÇÃO DE MERETRIZ ***
Lá na Rua do Ouvidor
Morava a “Jararaca”
Rameira do cabelo duro
Andava armada de faca...!
Não aturava marmanjo
Que tinha cara de anjo...!
Negra de fina feição
Abocanhou coração
De muito caboclo da Vila
Que pre´la faziam fila...!
Vivia de casa cheia
Lua nova ou lua cheia...!
Em sua casa chegou
Certo dia de manhã
U´a moça de bela tez
Sua afilhada se fez
Com seus olhos cor de mel
E as faces de maçã...!
Num dia muito chuvoso
“Jararaca” viajou
Para um negócio acertado
Bem longe daquele lugar
E a afilhada deixou
Recomendando cuidado...!
Dois dias se demorou
Pr´á dar conta do recado
Era um fazendeiro rico
Que lhe tinha contratado...
Quando em sua casa chegou
O silêncio ela estranhou...!
No centro do seu salão
Havia um negro caixão
E as velas iluminavam
O rosto sereno de fada
Daquela sua afilhada
Cujas feições encantavam...!
_ Mas o que tinha ocorrido...?
Por que havia morrido
Este anjo de candura
Que tinha a alma pura
E somente se entregava
A quem lhe tinha ternura...?!
Vizinhos tinham ouvido
Depois que ela havia partido
Gritos na madrugada
Mas não sabiam de nada
Que pudesse ajudar
E o caso elucidar...!
A polícia alertada
Da morte da afilhada
O local foi revistado
A perícia então se fez
E tudo foi revelado
O corpo fora estuprado...!
Com o coração doente
“Jararaca” ensimesmou
O culpado procurou
Juntamente co´a polícia
Mas não se teve notícia
De culpado ou inocente...!
Um dia se revelou
Que uma pessoa passara
Na Vila onde morara
A afilhada querida
Que nunca fora esquecida
Pela mãe que lhe adotara...!
Novamente “Jararaca”
Afivelou sua faca
E partiu com esta sina
De encontrar o estuprador
Que lhe causara a dor
Da perda de sua menina...!
Procurou em todo canto
Em bares e em bordéis
Apesar do desencanto
Não usurava seus réis
Gastava ali sua vida
A noite era seu manto...!
E tanta foi à procura
(Em loucura se tornava)
Que uma alma bendita
Mandou-lhe uma escrita:
_ “O homem que procurava
Era o marido da “Dita”...!”
Esse homem tinha fama
De grande galanteador
Mas quando ia pr´á cama
Se tornava estuprador
“Jararaca” se informou
De quantas moças matou...!
Os crimes acobertados
De corpos tão mutilados
E o marido da “Dita”
Com sua sina maldita
Prosseguia estuprando
Mas o fim estava chegando...!
“Jararaca” trabalhando
Num bordel bem conhecido
Era negra de beleza
E num tom reconhecido
Elogiavam a realeza
Do seu rosto de princesa...!
E finalmente chegou
O dia tão esperado
Quando o marido da “Dita”
Adentrou o seu reinado
Que com tanto paciência
O cerco tinha formado...!
Esperou que o dito cujo
Fizesse o convite sujo
Para ao quarto subir
E ali lhe seduzir...!
Teria que ter muita calma
Mesmo com revolta d´alma...!
E assim aconteceu
O assassino se rendeu
E para se vangloriar
Contou que esteve na Vila
Onde estuprou a menina
Deixando a agonizar...!
“Jararaca” a muito custo
Conteve-se de tanto susto
Da frieza do bandido
E lhe fazendo querido
Convidou-o a um encontro
Ele que marcasse o ponto...!
Combinaram o local
Em uma cidade vizinha
E para ser bem convincente
“Jararaca” então se faz
De uma vítima inocente
Da paixão que a ele tinha...!
No dia certo ela foi
Ao encontro demarcado
Vestida de capa e touca
Disfarçada em seu intento
Com seu punhal afiado
Pronto para imolar o “boi”...!
Chegou então o “Zé Galo”
(Que era o marido da “Dita”)
Veio faceiro e rompante
Partiu pr´á cima da amante
Querendo lhe estuprar
Naquele mesmo instante...!
“Jararaca” se esquivou
Do primeiro ataque da fera
“Zé Galo” estava ansioso
E por isso se descuidou
Daquela que estava à espera
Do momento precioso...!
O golpe que recebeu
Furou-lhe o sangrador
E o malvado estuprador
Caiu no chão poeirento
Da miserável cabana
Onde estava no momento...!
Tirando a capa e a touca
“Jararaca” lhe explicou
Com sua própria boca
Que aquilo era vingança
Da morte da sua criança
Que friamente estuprou...!
O corpo, quando encontraram,
Deixou muita gente assustada
A lista de moça estuprada
Foi uma correria louca
“Zé Galo” fora capado
Tinha o falo em sua boca...!
Essa estória não invento!
De fato se sucedeu...
“Jararaca” neste mundo
Com sua dor se perdeu
Mas é certo: em um convento
Vive a irmã Maria de Deus...!
*** Minha singela homenagem aos maravilhosos poetas cordelistas
que encantaram a minha infância com suas estórias contadas
por um cearense analfabeto de pai e mãe (já falecido), mas que tinha uma inteligência e memória fora do comum...! Mais tarde vim conhecer e admirar as poesias de cordel por escrito...! ***