Cante aí que eu canto aqui...
                                In memorian de Patativa de Assaré
 
 
 
 
 
1. Peço desculpa ao leitor
Pra meu canto acompanhar
Inspirado numa obra
- “Cante lá que eu canto cá” -
De um poeta sertanejo
A quem agora festejo
Do Oiapoque ao Chuí;
Patativa do Assaré
A quem eu imito com fé:
Canta ai que eu canto aqui...
 
2. Sou poeta da cidade,
Poeta Universitário,
Vivo em outra realidade,
Do saber sou visionário;
Nunca morei no sertão
E o meu pobre coração
Do mar se tornou refém;
Eu tenho diploma e estudo
Saber pra mim vale tudo,
Só falo do que convém...
 
3. Apesar de ser formado,
Respeito quem não estudou,
Fico também admirado
Com quem nunca se abalou
Por não ter conhecimento
Dormindo até no relento
Como um pobre sem destino;
Nasci pertinho da praia
Num lugar onde a tocaia
Matou de velho a menino...
 
4. Sou da região cacaueira,
Terra de grande fartura,
Onde há flor, onde há palmeira,
A chuva aqui a terra fura,
Beijando o verde sem fim
Que faz dançar o capim
Num balé fenomenal;
Tudo aqui lembra a riqueza
Fruto da mãe natureza
Especialmente o cacau...
 
5. Canto aqui minha cidade,
Itabuna tão querida,
Pois tenho capacidade
De nela fazer guarida;
Terra de escritor famoso,
De poeta talentoso;
O seu nome é Jorge Amado,
Romancista conhecido
Por todo Brasil querido,
Nele me sinto inspirado...
 
6. Prefiro o cheiro gostoso
Da terra sempre molhada,
Do pasto verde e viçoso
Da minha terra amada,
Que produz peixe e cacau,
Gado, mamão, carnaval,
Poeta, café e açaí,
Turismo em todo lugar,
Por isso eu posso rimar:
Cante aí que eu canto aqui...
 
7. Respeito o nobre poeta
Que fala bem do sertão,
Um verdadeiro profeta
Na nossa imensa nação;
Mas aqui tenho valor,
Sou poeta, sim senhor;
Quem sabe um dia no céu
Eu me reencontre contigo
A quem tenho como amigo,
Para quem tiro o chapéu.

8. A minha rima é polida,

Concordo nisso contigo,
Se ela se mostra atrevida
É por que ela é um abrigo
Para as dores que carrego,
Por isso mesmo eu não nego:
Ela é fruto de uma arte,
Muito trabalho e estudo,
Pra mim ela é quase tudo:
Ofício, amor e estandarte.
 
9. Meu tesouro é a poesia
Com cheirinho de cacau,
Regada com fantasia
E temperada com sal;
Sal divino de Olivença
Que faz toda diferença
No verso de um cantador
Repleto de Musa e encanto
Que faz do poema um canto:
Abelha beijando a flor!
 
10. No meu verso não há mistura,
Nele tudo é bem polido,
Trabalho de arquitetura
Escrito como um tecido,
Fruto de muito cuidado,
Benção do que é mais sagrado;
Verso que desceu do céu,
Doce inspiração divina,
“Ouro que brota da mina”
Para ilustrar meu papel...
 
11. Canto os rios da minha terra
Repletos de peixe e vida;
O menino que ainda berra
E a minha gente aguerrida;
O prado verde e molhado
Pelo orvalho delicado
Que cai na noite estrelada;
Canto as garças, os pardais,
A fartura dos currais
E o sorriso de uma amada...

12 Se vivo então a me exaltar,

Por ser jovem e vaidoso,
“Cante lá que eu canto cá”
É seu tesouro valioso;
Feito de rima e esperança
Para velho e pra criança;
Como jóia de um maruí:
Escrito que tem valor,
Por isso “velho doutor”,
Canta aí que eu canto aqui...
 
13. Agora posso escrever
Na forma de uma sentença;
“Entre nós, posso dizer,
Eu não vejo diferença”;
Seu verso me faz sonhar:
“A sua terra é singular
Rica de muita beleza,
Reino da diversidade,
Plena de afetividade
Fruto da mãe natureza!”
 
14. Sou poeta da cidade,
Tenho mais do que preciso;
Não alimento a vaidade,
Não sou filho de Narciso;
“Eu não fumo nem cachimbo,
Tenho o nome num carimbo”,
Coisa que você não tem,
Por isso velho poeta
O seu verso me completa
Dele eu sou simples refém!
 
15. Eu nunca invejei ninguém
Neste mundo de meu Deus,
Se me inspiro em versos seus
É porque sei que eles têm
Um mistério de beleza
Presente da natureza,
Pra poetas cantadores
Que sabem que a vida é dura
E no verso busca a cura
Para suas terríveis dores...

16. Por isso findo a verdade

Também cheio de razão,
Vou cantar minha cidade
Sem me esquecer do sertão,
Aceitarei seu conselho
Farei do seu verso espelho;
Prometo não mexer aí,
Nas belezas do sertão,
Fechando aqui meu refrão:
Cante aí que eu canto aqui!