Matuto na Capital

MATUTO NA CAPITAL

Autor: Zé Saldanha

Vim morar na capital, seu moço

Mas num me acustumo não.

Vivo danado ruendo

Pelas coisa do sertão.

Para mim, era um regalo,

Andá nus campo a cavalo,

De guarda peito e gibão.

De madrugada, no currá, seu moço,

Tirando leite das vaca,

Arriando o meu cavalo,

De sela, brida e ataca.

Visto meu gibão na hora,

Caço meu pá de espora

Infio no braço a macaca.

Mas capital seu moço! Capital

Num é lugar pra matuto morar não.

Acho muito deferente

Das coisa do meu sertão:

Em todo canto que esbarro,

Só tem danado de carro

Me fazendo confusão.

Pra todo canto que vou, seu moço

Os danado tão ali,

Parece que pra castigo,

Ou é pra mim persseguir:

Tudo naquele aperreio,

Eu fico imprensado no meio

Qui só peixe no Jiquí.

Os oimbus da capital, seu moço

Também me faz confusão –

Sé dá gente entrar na frente,

Entra atrás pelo purão,

A gente com a meleta

Passa numa carrapeta,

Que ver os dentes do cão!

Outra coisa, aqui seu moço,

Que num tô podendo ver!

Essas mulheres de novela,

Botando as outras a perder,

Dizendo que é casada,

Beijando outro camarada –

Isso num dá pra fazer!

Outra coisa aqui seu moço,

Que matuto num agüenta:

Vê esse povo namorando,

Emendando venta a venta

E fazendo: bilu, bilu.

Se matuto fizer aquilo,

Esquenta mais que pimenta!

Me levaram até as praias, seu moço,

Mas lá num vou nunca mais.

Só vi moça e mulher nua,

Misturada com rapaz.

Seu moço, essa tá de praia,

Aquilo ali é canaia,

Do gango do satanás.

AUTOR: José Saldanha Sobrinho ( Zé Saldanha) – nascido em 1918, é o Cordelista mais velho do Rio Grande do Norte e talvez do Brasil, em Plena Atividade, atualmente com 92 anos.

ENDEREÇO: Recanto do Poeta ( zesaldanha@hotmail.com )

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