As aventuras de Chicó

O poeta é como o vento

Pois viaja em todo o mundo

Vai pra perto, vai pra longe

Do mais raso ao mais profundo

Vai aonde não imagina

E do Brasil para a China

Faz em menos de um segundo.

E foi nessas aventuras

Que fui parar no sertão

Terra de Maria Bonita

Padim Ciço e Lampião

Para escrever a trajetória

De um Cabra cheio de glória

Valente e cheio de razão.

No dia dois de novembro

Do outro século passado

No ano cinquenta e oito

Num minúsculo povoado

Nasceu um pequeno bruguelo

Magro, feio e amarelo

Feito joelho amassado.

Antes de raiar o sol

Gritou na baixa o Socó

Na vazante a jaçanã

Cantava num ritmo só

E logo a lua se escondeu

E assim que o sol nasceu

Também nasceu o Chicó.

Nesse momento a parteira

Correu no mato, assustada

Mesmo sendo feiticeira

Ficou a velha assombrada

Com o bebê que nascia

E depois daquele dia

Nunca mais foi encontrada.

O sol, que havia nascido

Cuidou de se esconder

A Terra ficou escura

Nem gato conseguia ver

Rasga-mortalha gritou

O menino se assustou

Parecia que ia morrer.

Ficou roxo e todo inchado

Faltou a respiração

Trouxeram uma lamparina

Pra afastar a escuridão

Mas quando viram o coitado

Correu o povo, assombrado

Deixando Chicó no chão.

Só ficou mesmo a mãe dele

E começou a chorar

Se valeu de São Francisco

Para o menino salvar

Mas a Morte veio primeiro

Porém chegando ao terreiro

Não quis o bebê levar.

Botou a foice no ombro

Dali desapareceu

O menino retornou

E a mãe agradeceu

Ao santo do Canindé

Dizendo alto a mulher:

“São Francisco me atendeu”.

Passadas duas semanas

O menino se ajeitou

Tinha jeito de galã

E postura de doutor

Agora estava corado

De cabelinho dourado

E o povo se admirou.

Logo chamaram o vigário

Pra fazer o batizado

Que quando viu o menino

Ficou muito admirado

Pois parecia um encanto

Botaram o nome do Santo

E de Chicó foi chamado.

Por onde Chicó passava

Chamava logo atenção

Nem parecia o menino

Que fez tanta confusão

Agora as menininhas

Bonitas e assanhadinhas

Queriam o seu coração.

E assim Chicó cresceu

Galante e namorador

Arrasando corações

Da mulherada era o amor

Mas dos “cabra enciumado”

Dos “cabôco apaixonado”

O Chicó foi o terror.

Arranjou muito inimigo

Mas nunca temeu um não

Fosse na perna ou no braço

Na peixeira ou no Oitão

Chicó tava preparado

E muito cabra safado

Chicó sacudiu no chão.

Filhos de todas as horas

Não temia escuridão

Andava aonde queria

Fosse na serra ou sertão

Por estradas assombradas

Cheias de almas penadas

Passava por diversão.

Numa de suas andanças

Encontrou um amortalhado

E quis agarrar Chicó

Que deu um salto pro lado

E Chicó puxou o Oitão

E disse: “Senta no chão,

Amortalhado safado!”

Pensando que ia morrer

O amortalhado sentou

Chicó puxou a mortalha

Então quase desmaiou

Era uma linda morena

Com cheiro de açucena

De olhar encantador.

Chicó guardou o revólver

E à jovem pediu perdão

Dizendo: “Minha princesa,

Não foi essa a intenção.

Se você quer ir comigo

Pode vir, não tem perigo.

Você tem meu coração”.

E ali naquele momento

Os dois jovens se abraçaram

Entre beijos e abraços

No meio do beco se amaram

A cama foi mesmo o chão

E uma bonita canção

Os anjos do céu cantaram.

Após terminarem o ato

A moça disse: “Amor,

Me leve pra minha casa

Me faça esse favor.

Se meia-noite eu não chegar

Não me deixam mais entrar,

Pois você me atrasou.”

Disse Chicó: “Não esquente,

Eu vou lhe deixar, amor.”

A lua logo se escondeu

Rasga-mortalha gritou.

Chegando num cemitério

Ele entendeu o mistério

E a moça ali ficou.

Apesar de corajoso

Chicó se arrepiou

Logo o Chorão- da-meia-noite

Na sua frente gritou

Chicó disse: “Tá danado!”

É Chorão e Amortalhado

Só o Diabo que faltou!”

Nisso escutou uma voz:

“Agora não falta mais!”

Chicou pulou para o lado

E quando olhou para trás

Viu que a noite num era boa

No meio da estrada em pessoa,

Estava ali o Satanás.

Valeu-se de São Francisco

Seu padin de batizado

O Diabo deu um espirro

Fedendo a chifre queimado

E saiu em disparada

Chicó pegou a estrada

Quase que fica assombrado.

Noutra de suas andanças

Que fazia de madrugada

Andando de bicicleta

Passou numa encruzilhada

A bicicleta pesou

Pois na garupa sentou

Uma velha alma penada.

A velha quando era viva

Era gorda feito o cão

Tinha morrido atropelada

Debaixo de um caminhão

Como era coisa ruim

Vivia com esse fim

De fazer assombração.

A velha se acostumou

Toda vez que ele passava

Ela pegava carona

Lá na frente ela saltava

Um dia Chicó no escuro,

Gritou: “Eu te esconjuro!

Vai pro inferno, safada!”

A velha então deu um grito

Que Chicó se arrepiou

O chão ali se abriu

O véu do céu se rasgou

Logo apareceu o Cão

Pegou a velha pela mão

E pro inferno levou.

Chico de tudo já viu

Lobisomem, assombração

Sereia , boto, caipora

Alma penada e Chorão

E como ele mesmo diz

Andou por todo o país

E não faltou confusão.

Andou pelas Amazonas

Acre e Rio de Janeiro

São Paulo e até Alagoas

A terra dos cangaceiros

Andou por todo lugar

Rondônia, Goiás, Pará

Só não foi no estrangeiro.

Fugiu com moça donzela

Deixou noiva no altar

Já amou mulher casada

Fez casal se separar

Já fugiu com empregada

Sumiram na madrugada

Só voltou ao sol raiar.

Se eu fosse escrever tudo

De nosso herói, afinal

Dava pra escrever livros

Encher páginas de jornal

Mas aqui finda o cordel

Pra Chicó tiro o chapéu,

Figura sensacional!

João Félix

(Este cordel é em homenagem ao meu amigo Chicó, figura pitoresca do município de Reriutaba, bem-humorada e uma grande figura humana).

Poeta do Riacho
Enviado por Poeta do Riacho em 23/07/2010
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