Para Glória de Fátima
Coordenadora do PROLER
UESC
1. Antes de qualquer anúncio
Do tema que irei tratar,
Quero logo agradecer
De uma forma exemplar,
Ao convite carinhoso
Que me deixa orgulhoso
De ao PROLER poder voltar...
2. Agradeço a este Programa
De grande envergadura,
Vinculado ao Governo,
Ministério da cultura,
Que desde noventa e dois
Nunca deixou pra depois
O incentivo à leitura...
3. Ao leitor desavisado
(Como eu já fui um dia)
De saída eu aviso logo,
Falarei de poesia,
Do folheto de cordel
Do seu importante papel
Na minha pedagogia...
4. À guisa de introdução
Quero agora me explicar:
Usarei como um caminho
A métrica nada vulgar
E a rima intercalada
Em setilha costurada
Pra palestra ilustrar...
5. Com isso quero dizer
Que usarei do cordel,
Pra desenvolver meu tema,
(Sobre o branco do papel),
Citarei alguns cordelistas,
Estudiosos e artistas,
Para evitar um tropel...
6. Assim, vou logo afirmando
Que esta forma de expressão,
Primeiro tomou o nordeste
Especialmente o sertão,
Da Paraíba querida
Pátria de gente aguerrida
Tomou de assalto a nação...
7. De um ilustre folclorista
De sobrenome Cascudo,
Surgiu bela explicação
Que deixou o povo mudo:
O cordel nasceu na feira
Como espécie de bandeira;
É a conclusão do seu estudo...
8. De uma origem Lusitana
E isso ninguém mais discute,
O cordel é para muitos
Um verdadeiro Mamute,
Que ainda resiste forte
Servindo de base e norte
E quem quiser que o desfrute...
9. De chofre logo notamos
Que o cordel tem uma história,
Ele é um tipo de expressão
Vinculada a uma memória,
Pois pro nobre cantador
Cansado de toda dor
O cordel é a doce glória...
10. Por isso posso afirmar
Sem qualquer preocupação:
O folheto de cordel
Merece toda atenção,
Não é só papel de jornal,
Escrito tosco e banal,
Pendurado num cordão...
11. Para ler como se deve
Um folheto de cordel
É preciso ir mais além
Do escrito no papel,
É preciso mergulhar
Na cultura popular
Como faz um menestrel...
12. Para enxergar, portanto,
No cordel o seu sentido,
É preciso ir mais ao fundo,
Do que soa em todo ouvido,
É preciso conhecer
Aquilo que dá prazer:
O saber adormecido...
13. O cordel mudou meu jeito
De ao mundo interpretar,
Ele até mudou também
Minha forma de pensar,
Minha vida de leitor,
Meu papel de professor,
Tudo eu pude re-pensar...
14. Ao me debruçar calado
Para ler sempre em voz alta
Um folheto de cordel,
Como um menino peralta,
Descubro a cada leitura
A riqueza da cultura
Que a muita gente falta...
15. O folheto de cordel
É um livro bem pequeno,
Feito de papel barato,
Um verdadeiro terreno
Na forma de uma sextilha,
Martelo, oitava ou setilha,
Belo frasco de veneno...
16. Sinto um mistério no texto,
Bela musicalidade,
Fruto de um trabalho árduo,
Técnica e seriedade,
Verdadeira produção,
Repleta de história e ação;
Tesouro da oralidade...
17. O segredo está somente
Na forma como se ler,
Naquilo que se procura
No texto compreender,
Naquilo que o bom leitor
Define como um valor
Pra seu modo de viver...
18. Cada leitor deste modo
Poderá complementar,
Através da sua vivência,
Da sua forma de enxergar,
A sua leitura do mundo
Como quem vai ao profundo
Sem sair do seu lugar...
19. Fábulas, causos e estórias
De gente ou assombração,
Pelejas entre poetas,
Tudo é motivo ou refrão;
Político atrapalhado
Com currículo manchado
É tema comum na nação...
20. Há quem escreva também
Sobre o amor, sobre o pecado,
Sobre tudo o que acontece
Lá no reino mais sagrado,
Sobre a queda do demônio,
A vida num manicômio,
E até homem que é chifrado...
21. Há quem prefira cantar
Histórias de cangaceiros,
Gente simples que trabalha,
Caçadores, catingueiros,
Mulheres de fé e beleza,
Do homem mais pobre, a tristeza,
Da pátria, os seus prisioneiros...
22. Há quem cante a dura sina
De quem trabalha na roça,
Daquele que vai pra feira
Pra manter a sua palhoça,
O homem sem letra ou estudo
Que se acomoda com tudo
Montado na sua carroça...
23. Há quem cante os fatos bíblicos:
A soberba de Caim,
A vida de João Batista,
O sonho de um Querubim,
A coragem de Abraão,
A idade de Salomão
E os filhos de Enfraim...
24. Há quem cante com prazer
De João Grilo a Malazarte,
A mulher de sete metros,
Tudo com beleza e arte,
Lampião sempre valente,
Padre Cícero imponente;
O sertão é um caso à parte...
25. Até aqui podemos ver
A riqueza do cordel,
O mundo que ele instaura
Num pedaço de papel,
De forma perfeita e bela,
Verdadeira aquarela,
Pro cantador um troféu...
26. Esta forma de expressão
Da cultura popular,
Agora começa a ser
Estudado sem parar
E invade a Academia,
“Reino da sabedoria,”
Exigindo o seu lugar...
27. O cordel é um instrumento
Certamente delicado,
Com uma forma que é própria,
Texto leve e rebuscado,
Ele exige do leitor,
Atenção, tempo e penhor,
Para ser valorizado...
28. Por isso quero avisar:
Cuidado devemos ter
Na posse de algum cordel,
E o leitor deve querer
Ir além do próprio texto
Sem inventar um pretexto,
Um pretexto pra não ler...
29. Vejamos agora um pouco
De alguns exemplos concretos,
De cordelistas famosos
E seus textos mais seletos,
Um exercício de história
Presente para a memória
Que ama até os desafetos...
30. Há um cordel muito bom
De Moreira de Acopiara,
Um cordelista “marrento”
Que canta feito uma arara
A força da educação
Na luta contra a opressão:
Tapa de luva na cara...
31. Eis o que diz o poeta:
“O nosso Brasil possui
Dimensões continentais;
Tudo que se planta dá,
Tem riquezas naturais...
Cidadãos analfabetos
Já não se admite mais.”
32. “E o homem que quer crescer,
Nas mais ricas fontes bebe.
E torna-se tudo ou nada
(É o que a gente percebe)
Conforme a educação
Que no caminho recebe.”
33. “Nós temos infra-estrutura
E um sistema competente,
Escolas direcionadas
À população carente...
Quem sabe ler vê o mundo
Com uma visão diferente.”
34. “O governo federal
Já está determinado:
Disponibilizou verbas
E quer como resultado
Em poucos anos o grande
Brasil alfabetizado.”
35. Fecho aqui as breves aspas
Como quem fecha uma porta,
Guardando a chave no bolso,
Um erro aqui não comporta,
Assim, eu abraço o poeta,
Que no seu texto completa:
“A educação é o que importa...”
36. E aqui o poeta conclui:
“Todo mundo acha bonito
Aquele que sabe ler,
Sabe interpretar um texto,
Se expressar bem e escrever.
Desse modo a vida fica
Muito melhor de viver.”
37. “E você, se agir assim,
Na vida vai render mais;
Leia bons poemas, contos,
Boas revistas, jornais...
Os romances brasileiros
São também fundamentais.”
38. “Mas não bote na cabeça
Que você tem que ler tudo.
Não precisa! Escolha uns temas
Que sejam bom conteúdo
E sobre esses temas faça
Um minucioso estudo.”
39. “O bom leitor é aquele
Que lê um texto e entende;
Já disse Guimarães Rosa:
“Bom guerreiro não se rende.
Mestre não é quem ensina,
Mas quem de repente aprende”.
41. Ponho fim à citação
Como quem põe fim a um jogo,
E na sombra do poeta,
Ao Guimarães Rosa eu rogo,
Grande mestre inspirador
Pra quem brinca com a dor
Como quem brinca com fogo...
42. No cordel não falta nada,
Nem crítica e nem beleza,
Não falta compreensão
Para o que gera tristeza,
O tal do analfabetismo
Fruto de um despotismo
Tão contrário a natureza...
43. Um outro autor de renome
João Martins de Athayde,
Escreve sobre José
Numa forma de revide
A quem não quer aceitar
Seu sofrimento sem par,
Eis aqui a nobre lide:
44. “Jacob foi um patriarca
De uma vida exemplar
Teve Raquel como esposa
Uma jovem singular
Pai de José do Egito
De quem pretendo falar.”
45. “Foram pais de onze filhos
De uma só geração
Não quero falar de todos
Pra não fazer confusão
Falo de José do Egito
Benjamim e Simião.”
46. “José era o mais moço
De Jacob era estimado
Devido essa simpatia
Pelos outros era odiado
Esse ódio aumentou tanto
Que o velho tinha cuidado.”
47. “José conhecendo isso
A todos ele temia
A intriga aumentou mais
Porque José disse um dia
Um crime que tinham feito
De cujo ninguém sabia.“
48. “Eles pensavam consigo
O que deviam fazer
Para dar fim a José
Sem o velho conhecer
Vivia o pobre menino
Sentenciado a morrer.”
49. “Disse José aos irmãos:
- Eu essa noite sonhei
Que nós andávamos juntos
E por um lugar passei
Vi onze adorando um
Quem era, também não sei.”
50. “Disse José outra vez:
- Eu tive outro sonho assim
Que me achava no deserto
Dum oceano sem fim
O sol, a lua, onze estrelas
Estavam adorando a mim.”
51. “Ficaram encolerizados
De inveja e de paixão
Vendo que aqueles sonhos
Eram a predestinação
Entre si todos juraram
De assassinar o irmão.”
52. “Eles pastoravam gado
Distante da moradia
Já o velho impaciente
Por não vê-los todo dia
Mandou José saber deles
Sem se lembrar da porfia.”
53. “Quando avistaram José
Criaram tanto rancor
Olhavam uns para os outros
Com olhos de traidor
Dizendo: - Vamos matá-lo
Porque ele é um sonhador.”
54. “Disse Rubens aos outros:
- Cá na minha opinião
Eu acho uma cousa triste
Assassinar um irmão
Botem ele na cisterna
Não lhe dê água nem pão.”
55. “Assim mesmo eles fizeram
Quando o menino chegou
Tiraram a roupa toda
Ele despido ficou
Botaram ele na cisterna
Ali mais ninguém passou.”
56. “Depois que José estava
Naquela horrenda prisão
Passaram uns ismaelitas
E tiveram compaixão
E chamaram os assassinos
Para comprar-lhes o irmão.”
57. “Por vinte moedas de prata
Foi o menino vendido
Todos que assistiram a venda
Consideravam perdido
Numa nação estrangeira
Como escravo desvalido.”
58. Interrompo aqui o relato
Da história do bom José
Para mostrar ao ouvinte
Que o verso não é da ralé,
Pois narra com precisão
O drama, a trama e a ação
De um homem de pura fé...
59. Eis a força do cordel,
Da sua mais nobre função,
Narrar com paixão a história
Crivada de fé e emoção
Fazendo o leitor viajar
Pelo mundo e acompanhar
No verso a própria nação...
60. Ao ler um belo cordel
A gente aprende a sonhar,
Mergulha no céu, no enredo,
Na trama sempre exemplar,
Feito criança feliz
Que desenha com um giz
Sua alma na areia do mar...
61. Volto outra vez ao poema,
Ao cordel interrompido,
Para ilustrar a palestra
Com fundamento e sentido,
Fechando a história de fé,
O martírio de José,
Com certeza, dolorido...
62. Eis o que diz o poeta:
“Jacob, o pai de José
Vendo o tempo muito ruim
Mandou os filhos ao Egito
Naquelas estradas sem fim
Mandou os outros mais velhos
E ficou com Benjamim.”
63. “Chegando eles no Egito
Depressa foram levados
À presença de José
Para serem interrogados
José conheceu bem eles
Logo que foram chegados”
64. “José fingiu-se inimigos
Vendo aquelas condições
Que os irmãos se achavam
Sabendo que eram bons
Lhes disse: de onde vêm
Que me parecem uns ladrões?
65. “Responderam com espanto:
É horrível a nossa sina
Somos filhos de Jacob
Natural da Palestina
Viemos comprar legumes
Que a fome lá é canina.”
66. “José ficou comovido
Porque tinha compaixão
Apesar de ter sofrido
Deles aquela traição
Então perguntou a eles:
Sua irmandade quais são?”
67. “- Nós éramos 12 irmãos
O caçula não quis vir
Porque meu pai já é velho
Só ele o pode servir
Quanto ao nosso irmão José
Esse deixou de existir.”
68. “Disse José para eles:
Eu só posso acreditar
Desse seu irmão mais novo
Se vocês forem buscar
Ficando um de vós preso
Até o outro chegar.”
69. “Disseram: rei meu senhor
Nós não fazemos questão
Nos venda um pouco de trigo
Temos muita precisão
Quanto ao que fica preso
Deixo ficar Simião.”
70. “José mostrou-se contente
Deu a resposta que sim
Mas disse a eles depois:
O tempo inda está ruim
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim.”
71.“Aí voltaram os outros
Porém sem consolação
Chegaram na Palestina
O patriarca ancião
Foi perguntando aos filhos:
Onde ficou Simião?”
72.“- Simião ficou lá preso
Agora é que está ruim
Porque quando nós saímos
O rei nos disse assim:
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim.”
73.“Dizia o velho chorando:
Chegou o meu triste fim
Porque é esse um dos filhos
Que não se aparta de mim
Como viverei no mundo
Ficando sem Benjamim?!”
74. A história aqui interrompo
Outra vez para explicar,
O tom dramático e sério
Que o poeta soube dar,
Ao enredo bem escrito
Sobre José no Egito,
Texto claro e exemplar...
75. O drama agora caminha
Para o seu grande final,
De forma simples e bela
De maneira natural,
O poeta mostra assim
Que a história terá um fim
Simplesmente genial...
76. E aqui eu retorno ao texto:
“Judá insistiu com ele
Contando o que foi passado
- Eu tomo conta de tudo
Meu pai, não tenha cuidado;
Dizia o velho: ele indo
Para mim foi sepultado!”
77. “- Se eu digo estas palavras
É porque tenho razão
José os bichos comeram
Nas brenhas da solidão
Agora sem haver crime
Ficou preso Simião!”
78.“Judá pelejou com ele
Até o velho aceitar
Se Benjamim lá não fosse
Nada podia arranjar
Só no Egito é que tinha
O que eles iam comprar.”
79.“Eles seguiram viagem
O velho ficou sentido
Judá chegou no Egito
Foi muito bem recebido
Porque levou Benjamim
Que José tinha pedido.”
80.“José vendo Benjamim
Conheceu logo também
Perguntou com cara feia
(Porém os tratando bem):
É este o irmão mais novo
Que vocês dizem que têm?”
81.“Judá lhe disse que sim
Partido de comoção
Dizendo: - Rei, meu senhor
Nos conceda a permissão
Para que possamos ir
Aonde está Simião?”
82.“Disse José: podem ir
Visitar o seu irmão
Ele até aqui não teve
Nenhuma perturbação;
José só tinha ele preso
Fazendo a comparação.”
83.“José diante essas coisas
Não podia se conter
Chorava em seu aposento
Que só faltava morrer
Pois inda não era tempo
De se dar a conhecer.”
84.“Todos irmãos de José
De nada tinha sabido
Vendo José como rei
Dum país desconhecido
Sendo ele o tal irmão
Que eles tinham vendido.”
85.“Depois José chamou eles
Dando plena liberdade
Dizendo: vão passear
Pelas ruas da cidade;
Só assim José podia
Fazer a sua vontade.”
86. As aspas fecho outra vez
Para agora comentar:
Esta história de José
É de fato singular,
Narrada com precisão,
Amor, carinho e emoção
Por poeta popular...
87. Depois de pregar um susto
Nos irmãos desavisados,
Aqueles que há muito tempo
Os venderam no passado,
José se reconcilia
Sem mais ligar pra porfia
- E os irmãos são perdoados...
88. E assim conclui o poeta:
“José partido de pena
Não podendo resistir
Disse ao seu intendente:
Mande este povo sair
Basta ficar estes homens
A quem preciso eu ouvir.”
89.“Quando saiu todo povo
Inda mais se comoveram
José lhes disse chorando:
- Inda não me conheceram?
Eu sou vosso irmão José
O tal que vocês venderam.”
90.“Que hora amarga e feliz
Para quem compreender!
Toda tristeza que havia
Foi transformar-se em prazer
Ficaram todos felizes
Dessa data até morrer.”
91.“José mandou vir também
O seu pai idolatrado
Quem trouxe foi seu irmão
Com muito zelo e cuidado
Jacob findou os seus dias
Vivendo sempre ao seu lado.”
92. Este fim comove a todos
Até quem não é cristão,
Pois José se mostra sempre
Como amigo e como irmão,
Mesmo por quem causou mal,
Ao seu pai, pobre mortal,
Homem de bom coração...
93. O talento do poeta,
Do cantador popular,
Reside em algo bem simples:
Na arte de reinventar
Com leveza de artesão
O que causa comoção
Naquilo que vai narrar...
94. Por isso parece fácil,
Remédio para o estresse,
Mas o poeta preciso,
Como aranha a teia tece
Uma armadilha discreta
Artimanha de poeta
- E o fácil desaparece...
95. Para escrever um cordel
É preciso muito estudo,
Treinar como um artesão
Colhendo um verso de tudo,
Mas, com cuidado e exercício,
Fazendo da rima ofício,
Trabalho duro e cascudo...
96. Digo aqui para vocês:
Ao folheto eu tenho apreço,
Sei o quanto que é difícil
E do trabalho padeço,
Leio como um desvalido
E tento encontrar sentido
- No cordel sempre tropeço...
97. Tento aqui dar testemunho
Da importância do cordel,
Sei que como um mau ator
Faço aqui triste papel,
Poeta embrionário,
Palestrante quase hilário,
Sonhando que está no céu...
98. Que Deus tenha piedade
Dos poetas como eu,
Que insistem em fazer verso
Daquilo que se perdeu,
O talento verdadeiro
De um poeta cancioneiro
Que cantou o povo Hebreu...
99. Permitam-me neste ponto
Outra vez complementar
Esta palestra rimada,
E outra história contar,
De um homem de grande fé,
Patativa do Assaré,
Poeta, enfim, singular...
100. Homem frágil e franzino
Sem estudo e sem dinheiro,
Pequeno na estatura,
Mas também um bom vaqueiro,
Um senhor agricultor
Que colheu da própria dor,
O verso belo e brejeiro...
101. Seus versos foram parar
Na França bela e querida,
Traduzido em outras línguas,
Revelando a dura lida
Da vida sem regalia
Em que o poeta vivia
- O sertão foi sua guarida...
102. Leitor das coisas da vida,
Homem que a Deus respeitou,
De movimentos rebeldes
Ele até participou,
Mas jamais saiu de perto
Do sertão, doce deserto,
De onde tudo ele tirou...
103. Abro aqui outro parêntesis
Para poder dividir
Com vocês um belo texto,
Que vai fazer gente rir
Do saber da Academia
Que despreza a poesia,
Vale a pena conferir...
104. “Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.”
105. “Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.”
106. “No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.”
107. Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.”
108. Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.”
109. Este texto é apaixonante
Eu preciso registrar,
A beleza que ele guarda,
Em língua dita vulgar,
É algo de grande e belo,
Um verdadeiro castelo
Da poesia popular...
110. Por isso a você que escuta
Esta minha falação,
Sugiro se dedicar
Com arte e muita paixão
A leitura do cordel
Presente que veio do céu
Para nossa educação...
111. Volto outra vez ao poeta,
Este nobre cantador,
Homem que conhece a vida
De Jesus nosso Senhor,
Um exemplo de bondade,
De coragem e lealdade
Ao bom Deus, o Salvador...
“112. Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.”
113. “Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.”
114. “Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.”
115. “Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a erva
Pintadinha de fulô.”
116. “Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.”
117. “Dêste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.”
118. O que mais posso dizer
Ou até mesmo completar,
Se o velho Patativa
Conseguiu sintetizar
Tudo aqui o que eu queria,
Com verso, fé e poesia
Aqui agora comentar...
119. Um homem sem muito estudo
Com toda dificuldade,
Pessoa simples, sem letra,
Alma sofrida, é verdade,
Mas alguém que fez do verso
Chave pra ler o Universo,
Porta para a eternidade...
120. Eu poderia aqui, citar
Mais uns cinqüenta poetas,
Homens que são grandes arcos
Vibrando no ar como setas
Lançadas no alvo do tempo
Contra todo contra-tempo,
Letras sem destino ou metas...
121. Neste ponto da palestra
Posso agora até sorrir,
Preparando outro caminho
Para o texto concluir,
Mas antes de fazer isso
Dizer algo é bem preciso
Soube o que me trouxe aqui...
122. Sou de família carente
Filho de uma costureira,
Estudei o tempo todo
Sofrendo trote e rasteira
Sempre chamado de louco
O que pra mim é bem pouco,
Venci nesta vida inteira...
123. Estou aqui como vocês
Para também aprender
Pois a cada dia que passa
Eu percebo o meu não-ser,
Mas é num momento assim
Que Deus murmura pra mim:
“Poeta se faz no sofrer...”
124. Por isso eu peço desculpa
Se falei qualquer besteira,
Quando menino maroto
Trabalhei foi lá na feira,
Mas neste instante, esta hora,
Algo em minha alma implora
Para eu não falar asneira...
125. Agradeço a paciência
E os olhares carinhosos,
Se eu não consegui ser bom
Dispenso aplausos raivosos,
Mas se no fim fui feliz
Sem riscar na lousa o giz
Me perdoem os curiosos...
126. Que Deus abençoe a todos,
Digo isso com cuidado,
Afinal nunca se sabe
Se um ateu aqui velado
Não sorri da minha fala;
E aqui o palestrante cala
- Dizendo: Muito Obrigado...!