A revolta dos girinos narrada pelo Sapo Cururu
1. prepare-se meu amigo
para o que eu vou contar;
uma história inusitada
de levante popular;
uma revolta discreta
que deu muito o que falar...
2. este fato se passou
no cantinho de uma lagoa
habitada por anfíbios,
uma espécie “muita boa”,
com tipos raros de jias
que nada faziam à toa...
3. “a paz reinava tranqüila
entre sapos, jias e rãs,
num equilíbrio normal
sem disputas vis ou vãs,
um perfeito paraíso
feito de belas manhãs...”
4. os sapos aposentados
ensinavam poesia;
as rãs, em nada covardes,
davam saltos noite e dia;
enquanto as jias doutoras
criavam filosofias...
5. as jias sábias e doutas
logo se organizaram
decretando na lagoa
tudo o que elas ousaram:
educar “jovens girinos”
no saber que elas criaram...
6. os sapos, já quase extintos,
na lagoa minoria,
foram logo ignorados
por só ensinar poesia
a girinos dissidentes
loucos por festa e orgia...
7. as rãs ficaram caladas
indiferentes ao fato,
preferiram o silêncio
e foram viver no mato,
se aposentaram mais cedo
sem remorso, por esse ato...
8. e corria tudo bem
na formação dos girinos
que estudavam com afinco,
verdadeiros sapos finos
instruídos por doutoras
louvadas em nobres hinos...
8.1. (estudavam metafísica,
lógica, moral e ética,
filosofia moderna
com ênfase em bioética,
estudavam com afinco
os conceitos da estética...)
8.2. (estudavam alemão,
grego, latim e francês,
cada língua a seu tempo
cada coisa de uma vez
sem nunca deixar de lado
a sua língua o português...)
8.3. (estudavam Kant, Descartes,
Derrida, Nietzsche e Platão,
Adorno e Maquiavel
eles não gostavam não,
preferiam ler São Tomás
pra evitar contradição...)
8.4. (faziam pesquisa de texto
e em mil grupos de estudo
revisavam todo assunto;
eram aplicados em tudo
olhavam para o futuro
aguardando o seu canudo...)
8.5. (participavam de eventos
pelas jias realizados;
monitores de projetos
eram até elogiados;
alguns girinos ganhavam
prêmios por seus resultados...)
9. na lagoa era uma paz,
um paraíso perfeito;
nenhum sapo reclamava,
ninguém via um só defeito;
somente as jias diziam:
“nosso PAC é imperfeito...”
10. a pequena imperfeição
pelas jias detectada
no Projeto Pedagógico,
foi logo interpretada
como uma oportunidade
de a educação ser mudada...
11. o currículo antigo
(por elas, mesmo criado)
já não atendia ao gosto
e devia ser melhorado,
para que todo girino
nele fosse enquadrado...
12. fizeram reuniões;
comissões foram formadas;
análises foram feitas;
decisões foram tomadas;
matérias foram banidas,
enquanto outras, inventadas...
13. aos olhos das doutas jias
tudo iria melhorar:
os girinos sem talento
logo iriam “se tocar”
e o estudo deixaria
sem direito a reclamar...
14. as jias tinham outro plano
e não queriam perder tempo
dando aula pra girino
ao sabor do contratempo
- um tempo jogado fora
lançando saber ao vento...
15. o currículo mudado
foi protegido em segredo
para que ninguém soubesse
e dele tivesse medo
antes da hora precisa
- a hora do triste degredo...
16. as jias fizeram tudo
como manda o figurino:
davam sempre a sua aula
sem destratar o girino;
alguns mais próximos delas
só bebiam vinho fino...
17. certas do sucesso, as jias
faziam festas todo dia
pra celebrar a vitória
da “nova filosofia”
sobre toda estupidez
oriunda da poesia...
18. os girinos descobriram
a trama das sábias jias
e decidiram, portanto,
num gesto de rebeldia,
peitar conforme o direito
o poder que os oprimia...
19. se organizaram sem medo
e foram para o combate
vestidos como guerreiros
(movidos pelo amor-fati)
lutaram para alcançar,
no jogo, um xeque-mate...
20. girinos de toda espécie
armados até os dentes
se apresentaram pra luta;
alguns menos inocentes
tentavam não demonstrar
seu ódio tão transparente...
21. girinos recém chegados
na lagoa pra estudar
logo foram convocados
sem direito de optar
para aquilo que seria
uma guerra singular...
22. a revolta se espalhou
pelo campus da escola
e ninguém quer aceitar
a mentira que não cola:
“tudo já foi discutido,
deixa disso – ora-bolas!”
23. tem girino revoltado
com a falta de respeito;
tem girino exigindo
na justiça o seu direito;
tem girino que já disse
que o reitor vai dar um jeito!
24. a coisa está se espalhando
como uma “revolução”
nunca vista na lagoa
nem em tempo de eleição;
os girinos querem guerra
contra o saber da opressão!
25. as jias, indiferentes,
parecem não perceber
a conseqüência nefasta
e o que pode acontecer
se os girinos se unirem
contra elas e o seu poder...
26. a “lagoa da paz eterna”
se transformou num inferno
e ninguém mais conseguiu
do verão até o inverno
produzir conhecimento
- seja antigo ou até moderno...
27. eu ouvi de um girino
que “ninguém vai aceitar
ser tratado como um nada
um ovinho pobre e vulgar
que jamais vai conseguir
ser uma jia exemplar...”
28. muitos deles, inclusive,
vêem nos sapos mais nobreza,
pois os sapos não desejam
nem poder e nem beleza,
eles querem só cantar
na lagoa a sua tristeza...
29. disse assim, outro girino
sem ter nada a esconder:
“só porque somos girinos
elas querem nos manter
no lugar de simples nada
frente ao seu vazio saber”...
30. a lagoa está fervendo
pois nenhum girino antigo
quer saber dos argumentos
ou onde mora o perigo
da mudança de currículo
para ele um mau abrigo...
31. muitos falam de maldade,
negligência ou coisa e tal;
“a verdade é que o problema”
diz alguém: “é bem real
e os girinos têm direito
- um direito natural...”
32. já se ouve pelos cantos
conversas de desistência;
mas também se ouve muito
discurso de resistência
frente ao poder soberano
das jias sem paciência...
33. “os girinos sabem sim
a força que eles detém
por isso somente aguardam
o momento de também
fazer das jias “escravas”
ou quem sabe até reféns...”
34. “vamos tomar providência
segundo o regimento;
e se isso não funcionar
escrevemos documento
e enviamos ao reitor
sem piedade ou lamento...”
35. “é preciso muita calma”
disse outro girino esperto,
“afinal nesta lagoa
tem sapinho que é, por certo,
amigo de jia doutora
e é por ela encoberto...”
36. “o certo” – disse um girino
de um partido comunista –
“é a gente se organizar
de uma forma marxista
pregando nesta lagoa
o ideal socialista...”
37. o líder do movimento,
um girino engajado,
sugeriu outra estratégia:
“esperar o resultado
de tudo o que já foi feito
e também negociado...”
38. “ninguém aqui vai aceitar
ser tratado sem respeito”
disse outro girino novo
que já estudou direito,
usando bem a retórica
batendo forte no peito...
39. o fato é que a revolta
se espalhou pela lagoa
e ninguém sabe dizer
o que é que agora soa
nos ouvidos dos girinos
que não estão lutando à toa...
40. “dizem que o resultado
é de todos conhecido:
‘girino só faz barulho
e em mais nada é temido,
aceita tudo calado
vira sapo e é esquecido...’”
41. pelo menos é o que fala
cada jia a toda gente:
“um girino que é girino
(um girino “inteligente”)
aceita tudo calado
e vira sapo contente...”
42. a quem diga na lagoa
que tudo isso é brincadeira
fogo de palha e algo assim:
“girino dizendo asneira,
coisa certa para as jias
que não temem voz brejeira...”
43. precisamos assistir
o processo terminar,
afinal numa lagoa
onde jia só quer mandar,
girino que é inteligente
é o último a reclamar...
44. ...anda com roupa de jia
e age conforme o roteiro,
assume lugar de girino
e escuta e ouve primeiro,
“depois com tudo nas mãos”
luta como um bom guerreiro...”
45. eu ouvi de um velho sapo
um ditado interessante:
“em lagoa onde jia
é a maioria pensante
girino fica de molho
tomando refrigerante...”
46. ao meu querido leitor
deixo aqui neste cordel
um recado bem discreto
registrado no papel
na certeza de que um verso
vale mais do que tropel...
47. a revolta dos girinos
teve aqui um tratamento
na forma de um simples prólogo
ou até de documento
registrado com carinho
em nome de um sentimento...
48. quiçá, talvez algum dia,
alguém volte a se lembrar
dos fatos inusitados
que me fizeram cantar
a revolta dos girinos
de um modo tão singular...
49. quiçá, talvez algum dia,
isso possa revelar
que eu também fui um girino
um girino que fez par
com outros girinos loucos,
decididos a lutar...
50. quiçá, talvez algum dia,
este cordel singular
transforme-se no motivo
de uma luta exemplar
em nome da liberdade
liberdade de optar!
1. prepare-se meu amigo
para o que eu vou contar;
uma história inusitada
de levante popular;
uma revolta discreta
que deu muito o que falar...
2. este fato se passou
no cantinho de uma lagoa
habitada por anfíbios,
uma espécie “muita boa”,
com tipos raros de jias
que nada faziam à toa...
3. “a paz reinava tranqüila
entre sapos, jias e rãs,
num equilíbrio normal
sem disputas vis ou vãs,
um perfeito paraíso
feito de belas manhãs...”
4. os sapos aposentados
ensinavam poesia;
as rãs, em nada covardes,
davam saltos noite e dia;
enquanto as jias doutoras
criavam filosofias...
5. as jias sábias e doutas
logo se organizaram
decretando na lagoa
tudo o que elas ousaram:
educar “jovens girinos”
no saber que elas criaram...
6. os sapos, já quase extintos,
na lagoa minoria,
foram logo ignorados
por só ensinar poesia
a girinos dissidentes
loucos por festa e orgia...
7. as rãs ficaram caladas
indiferentes ao fato,
preferiram o silêncio
e foram viver no mato,
se aposentaram mais cedo
sem remorso, por esse ato...
8. e corria tudo bem
na formação dos girinos
que estudavam com afinco,
verdadeiros sapos finos
instruídos por doutoras
louvadas em nobres hinos...
8.1. (estudavam metafísica,
lógica, moral e ética,
filosofia moderna
com ênfase em bioética,
estudavam com afinco
os conceitos da estética...)
8.2. (estudavam alemão,
grego, latim e francês,
cada língua a seu tempo
cada coisa de uma vez
sem nunca deixar de lado
a sua língua o português...)
8.3. (estudavam Kant, Descartes,
Derrida, Nietzsche e Platão,
Adorno e Maquiavel
eles não gostavam não,
preferiam ler São Tomás
pra evitar contradição...)
8.4. (faziam pesquisa de texto
e em mil grupos de estudo
revisavam todo assunto;
eram aplicados em tudo
olhavam para o futuro
aguardando o seu canudo...)
8.5. (participavam de eventos
pelas jias realizados;
monitores de projetos
eram até elogiados;
alguns girinos ganhavam
prêmios por seus resultados...)
9. na lagoa era uma paz,
um paraíso perfeito;
nenhum sapo reclamava,
ninguém via um só defeito;
somente as jias diziam:
“nosso PAC é imperfeito...”
10. a pequena imperfeição
pelas jias detectada
no Projeto Pedagógico,
foi logo interpretada
como uma oportunidade
de a educação ser mudada...
11. o currículo antigo
(por elas, mesmo criado)
já não atendia ao gosto
e devia ser melhorado,
para que todo girino
nele fosse enquadrado...
12. fizeram reuniões;
comissões foram formadas;
análises foram feitas;
decisões foram tomadas;
matérias foram banidas,
enquanto outras, inventadas...
13. aos olhos das doutas jias
tudo iria melhorar:
os girinos sem talento
logo iriam “se tocar”
e o estudo deixaria
sem direito a reclamar...
14. as jias tinham outro plano
e não queriam perder tempo
dando aula pra girino
ao sabor do contratempo
- um tempo jogado fora
lançando saber ao vento...
15. o currículo mudado
foi protegido em segredo
para que ninguém soubesse
e dele tivesse medo
antes da hora precisa
- a hora do triste degredo...
16. as jias fizeram tudo
como manda o figurino:
davam sempre a sua aula
sem destratar o girino;
alguns mais próximos delas
só bebiam vinho fino...
17. certas do sucesso, as jias
faziam festas todo dia
pra celebrar a vitória
da “nova filosofia”
sobre toda estupidez
oriunda da poesia...
18. os girinos descobriram
a trama das sábias jias
e decidiram, portanto,
num gesto de rebeldia,
peitar conforme o direito
o poder que os oprimia...
19. se organizaram sem medo
e foram para o combate
vestidos como guerreiros
(movidos pelo amor-fati)
lutaram para alcançar,
no jogo, um xeque-mate...
20. girinos de toda espécie
armados até os dentes
se apresentaram pra luta;
alguns menos inocentes
tentavam não demonstrar
seu ódio tão transparente...
21. girinos recém chegados
na lagoa pra estudar
logo foram convocados
sem direito de optar
para aquilo que seria
uma guerra singular...
22. a revolta se espalhou
pelo campus da escola
e ninguém quer aceitar
a mentira que não cola:
“tudo já foi discutido,
deixa disso – ora-bolas!”
23. tem girino revoltado
com a falta de respeito;
tem girino exigindo
na justiça o seu direito;
tem girino que já disse
que o reitor vai dar um jeito!
24. a coisa está se espalhando
como uma “revolução”
nunca vista na lagoa
nem em tempo de eleição;
os girinos querem guerra
contra o saber da opressão!
25. as jias, indiferentes,
parecem não perceber
a conseqüência nefasta
e o que pode acontecer
se os girinos se unirem
contra elas e o seu poder...
26. a “lagoa da paz eterna”
se transformou num inferno
e ninguém mais conseguiu
do verão até o inverno
produzir conhecimento
- seja antigo ou até moderno...
27. eu ouvi de um girino
que “ninguém vai aceitar
ser tratado como um nada
um ovinho pobre e vulgar
que jamais vai conseguir
ser uma jia exemplar...”
28. muitos deles, inclusive,
vêem nos sapos mais nobreza,
pois os sapos não desejam
nem poder e nem beleza,
eles querem só cantar
na lagoa a sua tristeza...
29. disse assim, outro girino
sem ter nada a esconder:
“só porque somos girinos
elas querem nos manter
no lugar de simples nada
frente ao seu vazio saber”...
30. a lagoa está fervendo
pois nenhum girino antigo
quer saber dos argumentos
ou onde mora o perigo
da mudança de currículo
para ele um mau abrigo...
31. muitos falam de maldade,
negligência ou coisa e tal;
“a verdade é que o problema”
diz alguém: “é bem real
e os girinos têm direito
- um direito natural...”
32. já se ouve pelos cantos
conversas de desistência;
mas também se ouve muito
discurso de resistência
frente ao poder soberano
das jias sem paciência...
33. “os girinos sabem sim
a força que eles detém
por isso somente aguardam
o momento de também
fazer das jias “escravas”
ou quem sabe até reféns...”
34. “vamos tomar providência
segundo o regimento;
e se isso não funcionar
escrevemos documento
e enviamos ao reitor
sem piedade ou lamento...”
35. “é preciso muita calma”
disse outro girino esperto,
“afinal nesta lagoa
tem sapinho que é, por certo,
amigo de jia doutora
e é por ela encoberto...”
36. “o certo” – disse um girino
de um partido comunista –
“é a gente se organizar
de uma forma marxista
pregando nesta lagoa
o ideal socialista...”
37. o líder do movimento,
um girino engajado,
sugeriu outra estratégia:
“esperar o resultado
de tudo o que já foi feito
e também negociado...”
38. “ninguém aqui vai aceitar
ser tratado sem respeito”
disse outro girino novo
que já estudou direito,
usando bem a retórica
batendo forte no peito...
39. o fato é que a revolta
se espalhou pela lagoa
e ninguém sabe dizer
o que é que agora soa
nos ouvidos dos girinos
que não estão lutando à toa...
40. “dizem que o resultado
é de todos conhecido:
‘girino só faz barulho
e em mais nada é temido,
aceita tudo calado
vira sapo e é esquecido...’”
41. pelo menos é o que fala
cada jia a toda gente:
“um girino que é girino
(um girino “inteligente”)
aceita tudo calado
e vira sapo contente...”
42. a quem diga na lagoa
que tudo isso é brincadeira
fogo de palha e algo assim:
“girino dizendo asneira,
coisa certa para as jias
que não temem voz brejeira...”
43. precisamos assistir
o processo terminar,
afinal numa lagoa
onde jia só quer mandar,
girino que é inteligente
é o último a reclamar...
44. ...anda com roupa de jia
e age conforme o roteiro,
assume lugar de girino
e escuta e ouve primeiro,
“depois com tudo nas mãos”
luta como um bom guerreiro...”
45. eu ouvi de um velho sapo
um ditado interessante:
“em lagoa onde jia
é a maioria pensante
girino fica de molho
tomando refrigerante...”
46. ao meu querido leitor
deixo aqui neste cordel
um recado bem discreto
registrado no papel
na certeza de que um verso
vale mais do que tropel...
47. a revolta dos girinos
teve aqui um tratamento
na forma de um simples prólogo
ou até de documento
registrado com carinho
em nome de um sentimento...
48. quiçá, talvez algum dia,
alguém volte a se lembrar
dos fatos inusitados
que me fizeram cantar
a revolta dos girinos
de um modo tão singular...
49. quiçá, talvez algum dia,
isso possa revelar
que eu também fui um girino
um girino que fez par
com outros girinos loucos,
decididos a lutar...
50. quiçá, talvez algum dia,
este cordel singular
transforme-se no motivo
de uma luta exemplar
em nome da liberdade
liberdade de optar!