História de Anacleto, o coronel e a jumenta
Dizem que nas brenhas soltas
Tudo que se mexe é bicho.
Mas se homem tem secura,
Gruda mais que carrapicho,
Bem mais que o diabo tenta
Imagine com jumenta
Que dá sem fazer cochicho?
Anacleto tinha noiva
E no dedo tinha anel.
O seu nome era Judite,
A filha do coronel.
Já fazia seis anos
E não juntavam os panos
Sem ninguém provar do mel.
Ele, nela só pensava
Mais que tudo toda vida
Queria logo casar
Pra ter sua fé cumprida.
Só queria ver dinheiro
E ela era moedeiro
Para salvar sua vida.
Todo dia, Anacleto
Ia ver sua Judite
Sentava lá no sofá
E estalava dinamite.
Mas num troço desgraçado
Quando ela ficou de lado
Lhe soltou “três bite-bite”.
Anacleto viu aquilo
E ficou todo cabreiro.
Judite toda mofina
Escondeu o candeeiro.
Mas Anacleto deu nojo
Que foi vomitar no bojo,
No sovaco do banheiro.
O coronel era brabo
Mais brabo que onça amarela.
Não gostava do danoso
Nem da sua cabidela.
Pois era um cabra safado
Que já tinha enganado
Toda sua cidadela.
Porém o tal senhor
Ficava todo calado.
Afinal, a sua cria
Tinha rapaz prendado.
Mesmo que fosse cretino
Mas por causa do menino
Ele estava aliviado.
Só que de ter muita fome
Anacleto foi pra zona.
Se remexeu feito ganso
Só queria galegona.
Mas chegando no quartinho
O seu futuro sogrinho
Estava só de carona.
O coronel se fechou
E acabou com o galope
Olhou pro genro medonho
Abaixando seu IBOPE.
Se já não era do bom
Com esse fato no tom
Ele virou robocop
Com uma mão na ceroula
Outra no chincho-mirrincho,
O coronel pegou ele
Do jeito que pega o guincho
Olhou nos olhos do pobre
Mostrou os dentes de cobre
E danou tapa no lincho.
Anacleto saiu tronxo
E pensou desesperado:
- Sem me casar já apanho
Inda mais quando casado!
Pegou seus trapos ligeiro
Foi se vestir no banheiro
Dali saiu apressado.
O coronel comeu fumo
Arretou-se c’a disgrama.
Agora a filha no choro
Vai soltar uma derrama.
Disse: - Vou pegar o peste
Porque nesse meu Agreste
Só tem ele qu’ela ama.
O pai da pobre caçando
Procurou por toda vila
Achou Anacleto tonto
Desmaiado de tequila
E acordando assustado
Anacleto foi prendado
Com um tubo de montilla.
O coronel meteu prosa
Todo cabreiro pro moço
Esquecer do acontecido
Não ficar um genro insosso.
Mas foi então que Anacleto
Se cantou de predileto:
- Cão de raça não quer osso.
Mas o velho não notou
A ópera do malandro
O genro queria carne
Antes de Deus o seu mando
O coronel se danou
Que quase o leso matou
Com facada lhe cortando
Anacleto feridinho
Foi falando bem mofino:
- Seu coronel, me trate bem
Se não, não lhe dou menino
Não me caso com Judite
Pois ela tem “bite-bite”
Inda solta peido fino.
E o coronel lhe pediu
Amolengado e sem vida:
- Por favor, seu Anacleto
Case com minha querida!
Mas Anacleto fanhoso
Completou todo garboso:
- Antes quero a “prissiguida”
O seu sogro ficou brabo
E apressou suas canelas
Disse vinte nomes feios
Que aprendeu lá em Panelas
Mas Anacleto na seca
Não “moleceu” a munheca
E se foi pras cabidelas
Quando chegou lá na zona
Estava tudo fechado
Porque naquele tal dia
Ali era feriado.
Anacleto ficou frio
Danado do arrepio
Dizendo: - Estou lascado!
Correu para o mato dentro
E num pé-de-manga viu
Uma linda jumentinha
Que do matagal saiu
Ele nem pensou direito
Pegou a pobre de jeito
No galope do funil.
Anacleto foi ficando
Todo de chamego quente
A jumenta tão manhosa
Adorou seu pretendente
Que ficou apaixonada
Pois nessa benta tacada
Jurou que era parente.
Mas na hora do chamego
Anacleto só gemendo
O barulho foi ligeiro
Naquela vila crescendo
Foi quando de uma janela
Um alguém de sentinela
Pra ele foi maldizendo:
- Seu malandro sem vergonha!
Anacleto se avexou
Foi levantando as caçolas
Que sequer desconfiou
Que um coração por ali
No sereno de Jaci
Como flor desabrochou
Mas o grito da janela
Lascou a lua-de-mel
Foi um grito de brabeza
Que veio do coronel
Anacleto se mijou
Que por pouco não “funfou”
A zorba do carretel.
O Coronel pegou rifle
Judite ficou vermelha
Viu seu noivo, Anacleto,
Picando que nem abelha.
E o Coronel deu no aço:
- A jumenta era cabaço
Das patas à sobrancelha!
Anacleto se tremendo
Acabou paralisado
O Coronel fez barulho
Prum homem apaixonado.
Dizendo: - Tem que casar
Senão eu vou lhe levar
Pra falar co’o delegado.
Anacleto ficou mudo
Sem saber o que fazer.
O coronel foi dizendo:
- Mas posso lhe dar comer.
Case logo com Judite
Esqueça seus “bite-bite”
E mais ela vá viver.
Só que o malandro deu mote
E depois cuspiu no chão.
- Não me caso com Judite
Eu não sou donzelo não!
Meu negócio c’a jumenta
É conversa que me tenta
E não dá falência não.
O dono da noiva logo
Concordou com a verseja.
Pegou a filha com pena
E a levou pr’uma Igreja.
Deu suas posses pra Rose,
Que só foi fazendo pose
Pra que o mundo todo veja.
Rose era o nome dela,
A esposa de Anacleto.
Pois se casaram num cocho,
Que ficava aqui por perto.
De cá, os dois se mudaram,
Em Feira Nova chegaram
Hoje têm futuro certo.
Já me disseram que logo
Um menino Deus lhes deu.
Moacir foi nomeado
Em honra de Boi-lambeu.
Nasceu de coice do brabo
Tendo uma marca no rabo
Assim o Urso nasceu
Essa foi uma verseja
Que contei com lealdade.
Eu nunca menti na vida,
Sempre falei a verdade.
Pois quem duvidar de mim
Vai dar luz a um sagüim,
Que peida sem ter maldade.
Recife, 25 de setembro de 2006.