Peleja de Gregório de Mattos e Augusto dos Anjos na Cidade do Recife
Salve Deus, Nosso Senhor,
Que nos deu a compaixão
Batizou-nos no amor
Nos rebentou vocação.
Pois aqui nessa peleja
Faço pra quem quer que veja
Minha mais nova lição.
Nesses versos que lhe escrevo
Vou botando arquitetura
Com rima lá seja qual
Mas em tom de formosura
Na redondilha maior
Esse cordel faz melhor
Arte da literatura.
E destrambelhando a reza
Boto verseja nos fatos
Que dão mais de volta e meia
De Bezerros até Patos
Na peleja de oito banjos
Com seu Augusto dos Anjos
E Dom Gregório de Mattos.
Pro bafafá da peleja,
Um lugar foi escolhido:
A sede de Pernambuco,
O meu estado querido.
Pois tendo muito cacife
Numa praça do Recife
Vai se ter tal alarido.
Essa praça é conhecida
Por muita história tida
Mas hoje é point de quengas
Que se venderam na vida
É a praça do Diário
Que o cordel faz relicário,
O lugar dessa partida.
Lá das brenhas paraibanas:
Seu Augusto, bem chochinho.
Do recôncavo baiano:
Gregório, Dom Fanchoninho.
Dois Cavalos de Cão brabo
Que nunca metem o rabo
Sem deixar um toletinho....
Já batia meio-dia
Na catedral de Carminha.
A peleja começou
Sem nem ter as “frescurinha”.
Pois Dom Gregório, o capeta,
Violou verso pra greta
Das donzelas da pracinha:
(Gregório)
Aqui, pois nessa cidade
Tudo é tão mal que me insulta
Vim pra cá sem ter escolha
Queria tomar cicuta.
E tome mote s’Augusto
Que de cantador já custo:
RECIFE É BORDEL DE PUTA!
(Augusto)
Mas que é isso, seu Gregório,
Deu-se muito mal na sorte?
Escarre o muco e cachimbe
Se não pode faltar norte.
Mas meu mote, seu Fanchono,
Canta já Eterno Sono
NAS GALOPADAS DA MORTE.
E nesse leirão de prosa
Dom Gregório de Mattos
Foi no seu jeitinho solto
Danando fala nos atos:
(Gregório)
Alguém me diz: araruta
E só pr’uma rima tenho
Verso nesse meu canhenho:
RECIFE É BORDEL DE PUTA
Que antes de beber cicuta
Sócrates balançou forte
E olhou bem pro seu norte
Quase que se espeidorrando
Pois já estava pensando
NAS GALOPADAS DA MORTE
(Augusto)
Me desculpe minha luta,
Seu energúmeno bardo,
Não concordo com recado:
RECIFE É BORDEL DE PUTA.
Se o detergente lhe escuta,
Se banhar é de bom porte.
Mas não pense que é sorte
Que essa Miséria te espera
Send’ homem, mulher ou fera
NAS GALOPADAS DA MORTE.
(Gregório)
Mas ora que veja só
Nesse mundo de mudança!
Zé mané da Paraíba
Sabe também fazer trança.
Pois lhe chamo pra peleja
Para que o verso bem veja
Quem dele faz a criança.
(Augusto)
Então lance sua vez,
Senhor Gregório de Mattos.
Espero muito ansioso
Pelos seus versos baratos.
Lance seu mote funesto
Que sou muito bom e presto
E já tenho fama em Patos.
(Gregório) Na peleja, recito poesia.
No Recife vou dando meu bocado
Aqui o povo é muito mal criado
E não sabe viver a boemia.
Eu sou é chamegoso da Bahia
Eu mato a cobra, mijo e mostro o pau.
Só saio com viúva pro sarau
Canto lundum e boto minha manha:
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
(Augusto) Na peleja sou feto e sou calouro
No Recife tenho boa morada
Escrevo verso para alma penada
Falo sobre catarro e não de ouro
Meu corpo é dom mortífero de couro
O verme é meu amigo mais leal
Nada de rosas só flores do mal
A dor do morcego nunca é tamanha
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
(Gregório) No Barroco há cinco mil conflitos
Cada um muito mais do piorado
Beijar sem ser casório é pecado
E a carne vai queimar em seus detritos
Mas rezo na capela dos Aflitos
Pra meu Jesus me perdoar do mal.
Mas não dou perdão pro irmão local
- Ele que peça a Deus que dele ganha
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
(Augusto) Estudei o Barroco nos altares
Li Padre Vieira e seu Conceptismo
Mas você, Gregório, é um vil abismo
Pra fazer trocadilho pelos ares
Que ninguém lhe gosta pelos lugares.
Você é sardônico e sepulcral
E depois pelo perdão faz sinal
Como cordeiro faminto e com manha
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
(Gregório) O Barroco vem de grande conflito
Entre a Igreja e o doido paganismo
De gente do tal antropocentrismo
Que ficou no burro sem ter cambito
Isso porque pecado tem o dito
E muita gente ficou no beiral
E para não morrer nesse sarau
Voltou pra Igreja com fé tamanha
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
(Augusto) O Barroco nada vem responder
Apenas quer lhe encher a cabeça
A vida não é coisa que mereça
Porque tem a morte num escaler
E nele viaja quem bem quiser
O rio que conhece o Bem e o Mal
E quem manda nele é o “Coisa e tal”
Que gosta de beijar mulher aranha
O BARROCO NASCEU NA ESPANHA
E REBENTOU MENINO EM PORTUGAL
Gregório se assustou logo
Com seu Augusto vivo:
- O Paraíba é medonho
Tem estudo e é nocivo.
E ligeiro se danaram
Violadas calejaram
O verso danado e vivo.
Então Augusto gostou
E versejou todo prosa
Os tais versos que virão
No jogo da boa glosa:
A ARCÁDIA SÓ QUER VIDA PACATA
O ROMANTISMO PENSA EM LIBERDADE
O REALISMO PINTA O SOCIAL
O SIMBOLISMO ZOMBA DA VERDADE
Mas Gregório bem traquino
Não deixou nada sair
Meteu verso no seu quengo
Que fez logo escapulir:
GM – O século dezoito foi das luzes
Iluminou o homem com saber
Inventou a ciência sem temer
Que fosse acabar no vão das cruzes.
Porém para evitar que me abuses
Nesse tempo de cor e ouro em nata
A Natureza foi em nada ingrata
Com mitos, liras, versos e paixões.
Pastores, rococó e sem tensões
A ARCÁDIA SÓ QUER VIDA PACATA
AA – A partir do pensamento lustral
A juventude ferveu eclampsia
Quis o amor, turbilhão d’euforia
Em coro de um canto nacional
Depois o homem quis do orco o mal
E da peste, sentimentalidade.
Foi bom, mal, vil e réu da castidade
E à noite lutou por sociais.
Por isso digo sobre meus umbrais
O ROMANTISMO PENSA EM LIBERDADE
GM – A realidade é o que vejo
É o que sinto, é o que faz tudo
O homem é objeto de estudo
Que a ciência sempre deu em lampejo.
Pois há sempre algo atrás de um beijo,
E todo mundo faz como animal:
No coito, na raiva, na fome e tal.
Mas tem gente que gosta de “abaju”.
Por isso falarei de norte a sul
O REALISMO PINTA O SOCIAL
AA – Viajando em órbitas siderais
Num pégaso ebúrneo... evasivo...
A realidade é dom nocivo
Praqueles que dizem saber bem mais
A alma tem veias transcendentais
Que guarda nossa identidade
E só pela religiosidade
Pode ser alcançada nossa vida.
Por isso dou valor nessa jazida:
O SIMBOLISMO ZOMBA DA VERDADE
Então Gregório gritou
Esse bate no esporão.
Vamos, meu caro poeta,
Deleitar esse quadrão:
(Gregório) Eu canto fazendo rima
Eu canto em baixo e em cima
Eu canto pra primo e prima
Eu canto pro coronel
Eu canto pro seu baixel
Eu canto pro maruim
Eu canto pro meu saguim
SONETO NÃO É CORDEL
(Augusto) Noé fez sua tal arca
Aquiles tinh’ uma marca
O soneto é de Petrarca
Bernini tinha cantel
Olavo corre o cinzel
Camões era bardo cego
Dante se lascou do ego
SONETO NÃO É CORDEL
(Gregório) A lua não é o sol
A pipa não é cerol
Noite não é arrebol
Doutor não é bacharel
O balde não é tonel
A pinga não é cachaça
Neblina não é fumaça
SONETO NÃO É CORDEL
(Augusto) Raiva não é solução
Futebol não é paixão
Secura não é tesão
Cortina não é dossel
O jurado não é réu
Socó não é urubu
Ratinho não é timbu
SONETO NÃO É CORDEL
Com a verseja d’Augusto
Gregório ficou risonho
Falou: - Nessa pelejada
O meu dedo não mais ponho!
Seu Augusto também riu
E os dois saíram andando
Dom Gregório bem ligeiro
Foi na rua comentando:
- Mas vixe que o senhor da Paraíba
Fala muito difícil d’entender
E por isso eu quero é mesmo saber
A que horas nós vamos lá pra riba,
Lá pra Olinda do mestre Capiba
Comer tapioca da boa e pura
Porque eu já cansei de tanajura
E dei muito credo nessa peleja
Para que o mundo inteiro também veja
O VALOR DESSA TAL LITERATURA.
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Acróstico
R abisquei nesse folheto
A s rimas que fiz sozinho
F eito galo n’alvorada
A cordando todo ninho
E squeci qu’era de noite...
L á se foi o meu soninho!
Vitória de Santo Antão – Recife, 11 e 12 de Setembro de 2006
VOCABULÁRIO DO FOLHETO
Pracinha do Diário: refere-se à praça da Independência, onde está o prédio histórico do Diário de Pernambuco. Por muito tempo a praça foi entregue a prostituição, parecendo um “puteiro ao vivo”.
Fachoninho: diminutivo de fanchono. Caniço muito fino. Era assim como as pessoas chamavam Gregório de Mattos.