A História de Biá
A História de Biá (cordel)
Neemias Félix
Leitores, eu vou contar
Uma história interessante
De um menino que nasceu
Num lar pobre e aconchegante,
Mas, com Deus, venceu na vida,
Sendo exemplo edificante,
Mostrando que estudo e luta
Fazem o homem triunfante.
Nascido em Vazante Grande,
Interior de Colatina,
No norte do Espírito Santo,
Sua mãe se chamava Alvina,
Seu pai era José Félix,
Bom cidadão, gente fina,
Que mal podia sonhar
Com qual seria sua sina.
O nome desse menino
Vou revelar só no fim
Destes versos tão modestos,
Que são escritos por mim;
Porém o seu apelido
Eu posso dizer, enfim:
É Biá, que ele ganhou
Quando pequenino assim.
Ainda muito pequeno,
Em Linhares foi morar,
Mas aos cinco anos de idade
Teve logo que mudar;
Indo pra Rio do Norte,
A família acompanhou,
Já que seu pai, José Félix,
Um novo emprego arranjou.
Para lá também seguiram
Três irmãos que muito amava:
Um deles era o Maninho,
Que muitos filmes contava,
O outro irmão, o Guerrinha,
Era grande seresteiro;
O mais novo era o Missias,
Pequenininho e arteiro.
Em Rio do Norte, a família
Tinha até certa fartura;
O pai conseguindo emprego
De fiscal da Prefeitura,
Trabalhava com afinco
E com muita honestidade,
Mas o prefeito que entrou
Fez-lhe uma grande maldade.
Por razões politiqueiras,
Seu José foi demitido,
O velho sofreu com isso
Ficou muito deprimido;
Mais tarde a tuberculose
Arruinou a sua vida,
Mas o que mais o arrasava
Era a sua alma ferida.
Nessa época o Biá
Já começara a estudar
Lá no “Bartouvino Costa”,
Que era uma escola exemplar.
Apesar da timidez,
Tirava nota excelente.
Todo mundo assim dizia:
“Ele é muito inteligente”.
A escola pública então
Tinha fama e qualidade.
Pobre e rico lá estavam
Lado a lado, em igualdade;
Escola particular
Era coisa muito rara,
Além de desnecessária,
Era também muito cara.
Biá ali estudou
Até o terceiro ano,
Mas não terminou o primário,
Como então era o seu plano;
Teve que mudar de novo,
Porque seu pai já partira
Pra um lugar do interior
Que se chamava Japira.
Começou nesse lugar
O seu maior sofrimento;
Seu José, muito doente,
Já não tinha mais alento;
A tal da tuberculose
Tomou todo o seu pulmão;
Alvina e os filhos choravam,
E tinham toda a razão.
Seu pai tinha uma vendinha
Que nunca fez progredir;
O capital sendo pouco,
Logo ele veio a falir;
A pobreza só aumentava
E a família a sofrer,
Quase não se tinha mais
Algo para se comer.
Na mesa o que se achava
Era feijão e farinha;
Para engolir o bocado,
Só uma salgada sardinha;
Ela vinha em lata grande
E era até saborosa,
Mas o que tinha de espinhas
Era uma coisa horrorosa!
A pouca grana que havia
Vinha por meio de um irmão,
Que morava em Linhares,
Em melhor situação;
Vizinho era o apelido
Desse que os ajudava,
E o pai, uma vez por mês,
Ao médico encaminhava.
Nesse tempo, o irmão Maninho,
Que chegava à adolescência,
Abandonou os estudos
Pra trabalhar com urgência;
Voltou então pra Linhares
Com certa disposição,
Mas o “emprego” era duro:
Quebrar pedra em construção.
Dona Alvina, mulher forte,
Não ficou parada, não;
Além do trabalho em casa,
Achou de plantar feijão;
Fez ela uma boa roça
Num terreninho emprestado,
Plantando e colhendo à meia
-- Serviço duro e pesado.
Aqui é que vamos ver
O valor da educação;
Seu José nunca negou
Aos seus filhos a instrução;
Mesmo com toda a pobreza
Na sua célula mater,
Esse homem enfatizou
A importância do caráter.
Embora de poucas letras
E com seu jeito sisudo,
Esse pai sabia dar
Real valor ao estudo;
E assim, o Biazinho,
Como o filho era chamado,
Terminou a quarta série
Lá mesmo, no povoado.
As circunstâncias que rondam
A vida desse menino
Eram as mais desfavoráveis,
Quase de perder o tino;
Para ajudar a família
A cobrir tal avaria,
Biá arranjou trabalho
Numa simples padaria.
Acordava bem cedinho,
Quatro horas da manhã,
E ia realizar
Essa tarefa malsã,
Porque por esse trabalho
Paga em dinheiro não havia;
Alguns pães, açúcar, trigo
Era só o que recebia.
Hoje ele agradece a Deus,
A ajuda dessa gente
Que, apesar de pequena,
Levava a seu pai doente;
Mas a gratidão maior
É a um simples empregado
O bom padeiro Carlinhos
Por quem foi sempre ajudado.
Não pode esquecer, porém,
O duro que ali dava,
Tocar aquele cilindro
Quase que o arrebentava;
Quando a massa era pesada,
E o rolo estava engatado,
Chegava a sair do chão
E ficar dependurado.
Quando o ano terminou,
Finalmente uma alegria;
Biá se aprecatou
Pra receber a honraria.
Por ser primeiro da turma,
Com uma nota excelente,
Lá estava o magricela
Pra receber o presente.
Mas para ir à tal festa,
No dia da premiação,
Biá tomou emprestada
A calça do seu irmão;
E quem olhasse o seu pé
Com olho mais aguçado,
Veria a sandália velha
Com um preguinho atravessado.
Era um recurso comum
Muito usado pelos pobres
Quando a sandália quebrava
E lhes faltavam os cobres;
O prego prendia a tira,
Deixando-a firme e segura,
Porém nem sempre escondia
Da alma a sua amargura.
Pra completar a mistura
De riso e dor nesse dia,
A sorte lhe reservava
Mais uma grande ironia:
O presente recebido
Deixou-o feliz, de fato,
Mas como usar essas meias
Se ele não tinha sapato?
Uma certeza ficou,
Porém, para toda a vida:
Do pobre podem roubar
Dinheiro, roupa e comida,
Mas o saber que se junta
Na mente e no coração
Esse só Deus é quem tira,
Homem nenhum tira, não!
Na volta para Linhares,
A vida não é menos dura,
Mas o menino Biá
Persiste em sua aventura:
Exame de admissão,
Ginásio logo em seguida
São degraus da caminhada,
Vitórias na sua vida.
Até o segundo grau
O estudo é dificultoso,
Trabalho duro de dia,
Colégio à noite, penoso;
Estofador de poltronas,
Mecânico e desenhista,
Sem falar nos oito anos
Em que ele foi balconista.
Um mal terrível, porém,
Insidioso, nocivo,
Tentou destruir, aos poucos,
Esse jovem tão sofrido;
Essa doença atroz,
Cruel como um cataclismo
Aprisiona e destrói,
Seu nome é alcoolismo.
Foi assim que por dez anos
Esse rapaz padeceu
Horrores de uma doença
Que por um tempo o abateu;
Mas Deus, na sua bondade,
Dessa tristeza o livrou
Da prisão da dependência
Finalmente o libertou.
Pra cumprir o seu propósito,
Deus usou uma irmandade
Conhecida por A.A.
Que trabalha sem alarde;
Por ajudar muita gente
Com tanta dedicação,
O A.A. tem granjeado
Ótima reputação.
Em meio a essa tormenta,
Finalmente a faculdade;
Letras, o curso escolhido,
E grande dificuldade:
Viajar nos fins de semana,
Estudar em Colatina,
Trabalhar duro em Linhares,
Essa era a árdua rotina.
Mas depois de muita luta,
Biá cresceu, prosperou,
Concluiu a faculdade,
E professor se tornou;
Até pós-graduação
Conseguiu acrescentar,
Casou com uma professora,
Pra outras lutas enfrentar.
O casal tem dois bons filhos,
Que em Direito são formados;
O Gibran e a Ludmila
Deixam seus pais encantados.
Após mais de trinta anos
De labor tão desprendido,
São agora aposentados
- Um prêmio bem merecido.
Acho que posso encerrar
A saga desse menino,
Que veio de berço humilde,
Mas nunca fez desatino;
Lutou, batalhou na vida
Com grande dignidade,
Honrou o nome dos pais
Com sua honestidade.
Só me falta revelar
Como havia prometido,
Quem é esse tal Biá,
Pois isso é só um apelido
A quem possa interessar
O seu prenome é Neemias,
O seu sobrenome, Félix,
Reflete seus novos dias.
Costuma-se, hoje em dia,
Atribuir os fracassos
Aos problemas sociais,
Que nos prendem com seus laços;
Outros reclamam da sorte,
Da vida e até do destino;
A esses, o meu recado,
Assim, em forma de ensino:
Se a tempestade da vida
Sobre você se abater,
Reme forte, não desista,
Lute até mais não poder;
Mas se, no esforço ingente,
O seu braço se cansar,
Solte o remo, creia em Deus,
Deixe a Ele o seu cuidar.