Um herói em decadência> Autor: Damião Metamorfose.

*

Andando pelo sertão,

Certa vez me deparei.

Com uma cena muito triste,

Covarde e fora da lei.

Que me deixou comovido,

Pois vi um herói caído,

Não resisti e parei...

*

Parei e me aproximei,

A cena me comoveu.

Perguntei qual o porquê,

Como tudo aconteceu?

E ele sem poder falar,

Fitou em mim seu olhar

E com o olhar respondeu.

*

A minha família e eu,

Fomos heróis do sertão.

Por mais de quinhentos anos,

Mas com a modernização.

Veio à era dos motores,

Perdemos nossos valores,

Pra nós sobrou à exclusão.

*

Antes eu tinha um patrão,

Trabalhava no pesado.

Muitas vezes reclamava,

Sentindo-me escravizado.

Mas meu nome tinha zelo,

Não era esse pesadelo,

Que hoje eu tenho passado.

*

Por todos sou desprezado,

Meu nome virou piada.

Não tenho mais endereço,

Moro em beira de estrada.

Antes eu pastava em roça

E mesmo puxando carroça,

Tinha a prole bem cuidada.

*

Aqui, uns me dão pedrada,

Canto de carroceria.

Tenho que pastar a noite,

Não posso dormir ao dia.

Com o barulho dos motores,

Meus dias são de horrores,

As noites de agonia.

*

Quando a noite está mais fria,

Deito na margem do asfalto.

Tento dormir, mas acordo,

Tomado de sobressalto.

Com o perigo me rondando,

Carro ou moto atropelando,

Com buzina e farol alto.

*

Foi tomada de assalto,

A nossa dignidade.

Eu não tenho mais valor,

Também por ser de idade.

Fecharam cancela e porta

E a minha esposa foi morta,

Com requintes de maldade.

*

Pra que serve a liberdade,

Sem eu não posso nem viver?

Meu dono é tão ingrato,

Que nunca veio me ver.

Logo eu que ajudei tanto,

Vivo sem dono e sem canto

Para pernoitar ou morrer.

*

Já não posso mais correr,

Porque fui atropelado.

Um homem com sua máquina,

Deixou-me encandeando.

Pensei que era o meu fim

E hoje eu ando assim,

Troncho, manco e alienado.

*

Por ser assim, aleijado,

Se eu tentar atravessar,

Pro outro lado do asfalto,

Podem me atropelar.

Às vezes nas madrugadas,

Arrisco algumas passadas,

Se eu vou, não posso voltar.

*

Não posso mais trabalhar,

Se me tratassem, eu podia.

Bastava que alguém me desse,

Capim verde e água fria.

Mas como não tenho dono,

Pereço no abandono,

Definhando a cada dia.

*

Com semblante de agonia,

O herói ainda contou.

Da saudade que sentia,

De quem lhe abandonou.

Do trabalho e do roçado,

De quando foi “batizado”

E do primeiro que o montou.

*

Depois deitou, suspirou,

Fechou os olhos, dormiu.

Aproximei-me e toquei-o,

Mas ele não reagiu.

E eu de coração partido,

Vi que tinha falecido

Quem tanto a pátria serviu.

*

Morreu e o dono não viu,

O quanto o herói sofreu.

Por falta de compaixão,

Agiu pior que um ateu.

Portanto fique ciente,

Que esse herói decadente,

Pode ser você ou eu.

*

D-e um jumento falo eu,

A- ele eu rendo oferenda.

M-as podia ser você,

I-mplorando uma fazenda.

A-bandonado e com fome,

O- que não for jegue, entenda.

*

Fim

*

20/05/2010

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 20/05/2010
Código do texto: T2269460
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