AS IRMÃS DE PUXINANÃ E O DRAMA DE ZÉ DA LUZ

Trecho do Cordel:

Zé da Luz era um matuto

Da vila de Itabaiana

Engraxador de sapato

Também cortador de cana

E entre tudo que fazia

Frequentava cantoria

Todo final de semana.

Da terra paraibana

Visitava grande parte

Ora engraxando sapato

Ora praticando a arte

Da poesia declamada

Pois sem ler e escrever nada

Na rima era um baluarte.

Pra atirar de bacamarte

Nos festejos de São João

Zé era requisitado

Pois nisso era campeão

Esse caboclo, afinal

Era um multifuncional

Do litoral ao sertão.

Em uma ocasião

De sua vida aventureira

Zé da Luz foi convidado

Pra ir declamar na feira

Da vila Puxinanã

Num Domingo de manhã

Onde havia uma brincadeira.

As cantorias de feira

Eram chamadas folguedo

Zé recebendo o convite

Rumou pra vila sem medo

Todo garboso e pachola

Pois trazia na cachola

Ser a atração do folguedo.

E no Domingo bem cedo

Em Puxinanã chegava

A natureza ajudando

Linda manhã desenhava

Com um céu de brigadeiro

Um vento brando, maneiro

E um sol que não queimava.

O comércio ja estava

Repleto por toda via

Gente da vila e do campo

Só chegava e não saía

Uns passeando na praça

Outros bebendo cachaça

Esperando a cantoria.

O locutor anuncia

Que a festa vai começar

Uma dupla de violeiros

Na viola a pontear

O povo se aglomerando

Pacientemente esperando

O Zé da Luz declamar.

E foi ele começar

A animação aumentou

Quando surge três donzelas

Perto do Zé se postou

Ele desembaraçado

Rodopiava animado

Na roda que se formou.

Mas quando ele avistou

As moças alé de lado

Quis falar, tremeu a fala

Ficou todo encabulado

Na poesia foi fracasso

Foi errando passo a passo

Andando desengonçado.

E as moças do seu lado

Faziam insinuação

Deixando o pobre matuto

Fora de concentração

Olhando para as donzelas

Nas sem atinar qual delas

Tentava o seu coração.

Fazendo a apresentação

Das meninas do folguedo

Eram três irmãs donzelas

Do sítio Pé do Lagedo

Filhas de Chico Fainha

Moravam numa casinha

Embaixo de um arvoredo.

Dia de feira bem cedo

Chegavam na currutela

Pra vender maxixe fresco

Quiabo, couve, favela

Garrafada pra lombriga

E chá pra dor de barriga

De quebra-faca e macela.

Augusta, a irmã mais velha

Era a mais alta das tres

Vaqueira de profissão

Derrubava qualquer res

Mas seu jeitinho galante

E seu olhar provocante

Apaixonava o freguês.

Conta-se que certa vez

Um caboclo bem disposto

Só porque essa cabocla

Lhe deu um beijo no rosto

Depois um chega pra lá

O cabra garrou chorar

Quase morre de desgosto.

A cabocla, por seu posto,

Gostava de atracação

Usando de artimanha

Fez lá sua reinação

Deixando Zé na esparrela

Sentindo frio na espinhela

E cosca no coração.

A Segunda, a Conceição,

Era outra formosura

Com cada tronco de coxa

Quase da minha grossura

Quando ela caminhava

Com seu gingado levava

Qualquer marmanjo à loucura.

Era a gentil criatura

Uma atraente donzela

Trajava um vestido branco

De palma, véu e capela

Olhos azuis rutilados

Como brilhantes cravados

Na face cor de canela.

Zé da Luz olhou pra ela

E quase perde o sentido

Tentou fazer-lhe um agrado

Ela não lhe deu ouvido

Deixando o pobre coitado

Com o coração magoado

Por querer sem ser querido.

Mas não se deu por vencido

Prosseguindo a brincadeira

Tentando puxar conversa

Com a morena gingadeira

E quando seu insucesso

Já fazia algum progresso

Foi que ele viu a terceira.

Essa morena faceira

Era a maior tentação

Redonda como uma bola

Cabelo cor de carvão

E um olhar de quem seduz

Que fez com que Zé da Luz

Desse com a cara no chão.

Na quentura da paixão

Ele viu no corpo dela

Dois melões avantajados

Na sua pele amarela

Parecendo dois cuscuz

Zé vendo seus ombros nus

Quase enlouquece por ela.

Mas não caiu na esparrela

Começou a versejar

Praquela moça morena

Dos olhos da cor do mar

Ela lhe agradeceu

E até correspondeu

Com um sorriso e um olhar.

Começaram a namorar

Ali no meio da feira

Causando inveja e ciume

À Segunda e à primeira

Que antes foram cortejadas

E fingindo ou disfarçadas

Levaram na brincadeira.

Principalmente a primeira

Que mais conquista e seduz

Vendo o progresso da mana

Pra o mancebo se conduz

Toda dengosa e exibida

Deixando quase fundida

A cuca de Zé da Luz.

A outra, de olhos azuis,

Também quis tirar proveito

Da confusão que gerou-se

Mas já não tinha mais jeito

Augusta, a irmã vaqueira,

Pôs um fim na brincadeira

Levando tudo de eito.

Zé da Luz insatisfeito

Com o clima ali gerado

Pondo fim na situação

Perguntou determinado:

- Por que voce não me quis

Me fazendo um infeliz

Quando eu lhe fiz um agrado?

E voce, do rebolado?

A coisa não é assim.

Por que me desprezou antes

E agora está afim?

Vão vender mangai na feira,

Que eu gostei foi da terceira

E ela gostou de mim!

A festa chegou ao fim

A feira foi se acabando

Zé da Luz continuou

Com a Maroca namorando

Antes ninguém lhe queria

E no fim da ingrisia

Escolheu a sua cruz

Pra sair desse embaraço

Desejou cair nos braços

Da dona dos dois cuscuz!

Recife, 14/05/2010

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/05/2010
Reeditado em 22/07/2014
Código do texto: T2269273
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