O SARAU QUE LAMPIÃO FEZ O POVO DANÇAR NU
Histórias de cangaceiro
Eu estou sempre a contar
Quanto mais coisas descubro
Mais gosto de pesquisar
Do jeito que se passou
Mas pra agradar ao leitor
Também gosto de inventar.
Todos devem relembrar
O caso de Lampião
Bem novo entrou pro cangaço
Por causa da opressão
À sua família querida
Quando o pai perdeu a vida
Sem existir punição.
E depois disso o sertão
Do Nordeste brasileiro
Viu Lampião transformar-se
Em temível bandoleiro
Para ao pai fazer vingança
Efetivando a matança
De polícia e fazendeiro.
Quando foi a Juazeiro
Com a sua cabroeira
Uniu os homens do grupo
Com os de Sinhô Pereira
Daí se fortificou
Causando medo e terror
Numa região inteira.
Quando entravam numa feira
Levavam o que havia nela
Matavam policiais
Levavam moça donzela
E saiam satisfeitos
Preparando outros mal feitos
Para a próxima currutela.
Nesse tempo Vila Bela
Ainda era atrasada
Não era como a de hoje
Chamada Serra Talhada
Quando Lampião chegava
Logo ali se preparava
Uma festa muito animada.
Lampião com a cambada
Viviam numa secura
Por não ter mulher no bando
E nem se adotar frescura
Assim as jovens donzelas
Que haviam nas currutelas
Sofriam essa desventura.
Só depois da abertura
Que concedeu Lampião
Ao se juntar com Maria
Que houve a moderação
Pararam de atacar mais
E houve um pouco de paz
Nas famílias do sertão.
Antes dessa decisão
Lampião era solteiro
E como em todo cangaço
Só havia cangaceiro
Na hora da precisão
Se acabavam na mão
Que nem colher de pedreiro.
Saindo de Juazeiro
Em busca de Assaré
Lampião sentiu vontade
De dormir com uma mulher
Antes de entrar no espinheiro
E manda alguns cangaceiros
Procurar um cabaré.
Cobra Choca e Garapé
Zé Matraca e Cora Bora
Testa Funda e Fala Baixo
Dispararam sem demora
Voltando no fim do dia
E disseram, «Tem folia
No cabaré de Teodora.»
Lampião disse: «É agora
Vou tirar o pé da lama!
Chegando no cabaré
Levo Teodora pra cama
Lá eu vou passar três dias
Cachaça, cama e folia
Justificar minha fama.»
Mandou logo em Aratama
Chamar todas raparigas
Deixasse só as casadas
Para não causar intrigas
«Diga que eu tou chamando
Se não vier logo eu mando
Buscar as suas amigas.»
Enfeitaram com bexigas
O salão do cabaré
Lampião disse, «É hoje,
Aqui vai dar de colher.»
Com uma hora passada
Vem Teodora acompanhada
De mais de trinta mulher.
As portas do cabaré
Fechada atrás e na frente
Lampião tomando cana
Já tava de cuca quente
Corpo bambo e perna torta
Quando bateram na porta
E ele abriu de repente.
Com o que viu à sua frente
Lampião ficou pasmado,
Acabava de chegar
Um cabo mais dois soldados
Que afastados do comando
Pela caatinga vagando
Estavam desorientados.
Foram logo convidados
Porém quiseram correr
Tinha gente à retaguarda
Forçaram a obedecer
«Entrando logo é melhor
Se não entrar é pior,
Com certeza vão morrer.»
Sem nada poder fazer
Entraram para o salão
Deram cachaça pra eles
Tira gosto era sabão
E depois de desarmados
Ainda foram forçados
Tomar bença a Lampião.
Depois dessa gozação
Lampião foi se deitar
Mas mandou seus cangaceiros
Os soldados amarrar
E continuasse o folguedo
Que só de manhã bem cedo
Ele ia retornar.
Antes do dia raiar
Lampião se levantou
Com a cara de selvagem
Que nem pra ninguém olhou
Abraçado com Teodora
Dizendo, «Só vou embora
Quando pifar o motor.
Para seus homens gritou:
«Não deixe a carne faltar
Bote lenha na fogueira
Pra o fogo não apagar
Que já tá rompendo a aurora
E daqui a meia hora
O forró vai começar.
Lampião mandou chamar
Os homens do povoado
No cabaré de Teodora
Foi grande o aglomerado
Tudo preto de suor
Diz Corisco: «Esse forró
Vai ficar mais arretado!
Lampião embriagado
Não parava na cadeira
Mandou Teodora trazer
Um copo cheio de brejeira
A cara toda babada
Bebeu de uma talagada
Depois cuspiu na fogueira.
Com aquela bebedeira
Lampião já tava azul
Chamou Corisco e falou:
«Tenho um trabalho pra tu.
Tá tudo de sangue quente
Pois desta hora pra frente
É pra dançar tudo nu.
Diga a esses papangu
Pra não ficar enxirido
Se lembrem que eu tou aqui
Tou bebo, doido barrido,
Pra ninguém sair da linha,
Quem fizer uma gracinha
Eu corto seus pissuido!»
Daí começa o muido
Era grande a agonia
Tinha cabra que suava
E outros que se tremia
Tinha gente pelos cantos
Rezando pra todos santos
Que amanhecesse o dia.
No meio da ingrisia
Lampião olha Teodora
E lhe diz, «Tu vai também
Mostrar tua bunda agora
Pra mostrar a meus amigos
Que a mulher que tá comigo
É gostosa toda hora.
O sol queimava lá fora
Às oito horas do dia
Lampião disse, «Tá bom
Acabou toda folia.»
Todos foram dispensados
E ele mandou os soldados
Nus para a delegacia.
A Corisco chamaria
E disse, «Preste atenção
Vá também e solte os presos
Sem nenhuma alteração
E diga pro delegado,
Pode ficar descansado,
Quem mandou foi Lampião.»
Quem se livrou da prisão
Da pena no espinhaço
Falaram pra Lampião
Sem ter nenhum embaraço
Que agradecidos ficava
Se o capitão aceitava
Eles entrar pro cangaço.
Lampião disse: «O que eu faço
Aqui dá pra mais alguém
Cada um cuida de si
E não se escora em ninguém.
Reune a tropa, cambada!
Devore os passos na estrada
Amando e querendo bem!
Série Cangaceiros, Vol. XXVI