A FORROZEIRA

A filha do Seu Gabão,

dono de banca, na feira,

foi, lá no Morro das Almas,

a mais grada forrozeira;

inda nova botou corpo,

fez e deu muita bobeira.

De nascença espevitada,

pé de valsa, tão sambista

que aos sete já rebolava

como fosse grande artista,

à frente da bateria

da Sapucaí na pista.

Aos treze, fez-se mulher,

essa, de nome Netinha

– dona de belas cadeiras,

ela, chuchu de gatinha,

tanto aprontava nos sambas,

como afeita à camarinha.

Pariu do seu primo Doca

um mimoso de um menino,

mas não topou casamento

e amigou-se com Firmino,

um fugido da Polícia,

que só lhe fez desatino.

O tal Firmino na filha

de Seu Gabão só batia;

dava-lhe surras tremendas,

de homéricas sovas cobria

a bonitona festeira,

que para os forrós fugia.

Para a surrada mulher,

uma vez, sorriu-lhe a sorte;

ela ganhou liberdade,

pois Firmino teve morte

numa favela distante,

lá nos chãos da zona norte.

Netinha seguiu sambando,

e, de emprego no comércio,

somente aos fins de semana

ela saía com o Tércio

e alternava com Jorginho,

já que o gari era um néscio.

Antes de vir carnaval,

a filha de Seu Gabão

ensaiava numa quadra,

onde rolava o festão

– noite não e noite sim,

já com outro marmanjão.

Como dizia a Candinha,

nas terras do antigamente,

era uma rede de arrasto

a forrozeira, e não mente

este dizer popular

das bocas da nossa gente.

Desde que nascido foi,

da Netinha o filho veio

para a casa dos pais dela,

donde a criança, a passeio,

saía para um parquinho

com suas tias – eu creio.

E Netinha, a forrozeira,

desde que pariu do primo,

buscou barraco arredio,

bem mais do morro no cimo,

sem dar às irmãs má fama

de que gostava de mimo.

A moça namoriscava

e se quedava de antena

em todo o Morro das Almas,

dos homens roubando a cena,

pegando de cada o fone,

pra ver se valia a pena.

Até que, morando longe,

isto lhe dava o direito

de ter total liberdade

de não proceder com jeito

e, assim, pintava e bordava,

indo ao que lhe dava ao peito.

Um, dois, dez, e mais de cento

de namorados Netinha

já tivera pelos matos,

mas também na camarinha

e de transar não parava,

disto fez roçado e vinha.

Na sua escola de samba,

tão fêmea, tão boazona,

a filha de Seu Gabão

dava por todas da zona,

porém só não dava mais,

vez que dos bois era a dona.

Ora, se a sorte bafeja

quem sorte tem, nesta vida,

um dia à Netinha trouxe

a sorte grande a pedida:

ela num forró bateu

com paixão jamais sentida.

Era um gajo sarará,

um tipo bem para gringo,

desses que não há no jogo,

nem nas pedrinhas do bingo,

altas horas da madruga,

já nas horas de um domingo.

Deu-se, pois, que a forrozeira

atracou-se com o galego,

largou seu mero empreguinho

e, sonhando ter sossego,

voou com o gringo às Arábias,

indo lá ter mais chamego.

Fort., 15/05/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 15/05/2010
Reeditado em 16/05/2010
Código do texto: T2258500
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