Conselhos de um avô analfabeto a seu neto

Perdoe-me a simplicidade

De um homem sem estudo

Que desde minha mocidade

Tenho feito de “um tudo”

Trabalhei muito na roça

Em minha humilde palhoça

Só vivi de trabalhar

Foi pouco a oportunidade

Menor foi minha vontade

Que tive para estudar.

A vida foi trabalhosa

E dura com seu avô

Mas tudo enquanto que fiz

Foi com carinho e amor

Mesmo sem ter estudado

Eu sempre tive o cuidado

De a todos respeitar

Dando boa-noite ou bom-dia

Pra todo canto que eu ia

Sabia sair e entrar.

Se eu tivesse estudado

Hoje outro homem eu seria

(Pois sendo bem informado

Um homem tem mais valia.)

Eu teria outra visão

E a minha opinião

Seria muito mais segura

Não precisa ser doutor

Mas se quiser ter valor

Adquira mais cultura.

Por faltar conhecimento

Muitas vezes fui enganado

É triste, e muito lamento

Por meu humilde passado.

Muitas vezes até chorei

Pelas coisas que passei

Por não ler nem escrever

Então lhe digo, menino,

Não quero que meu destino

Amanhã pegue você.

Hoje muito me arrependo

De certas coisas que fiz

São coisas que agora vendo

Sei como fui infeliz

Quantas vezes aqui chegou

O mais distinto doutor

Pra mode nele eu votar

Me dava uma micharia

Eu recebia com alegria

Só faltava lhe beijar.

Mas eu não tinha noção

Do que erro que cometia

Do fundo do coração

Nem sabia o que fazia.

Achava tudo perfeito

E quando vinha outro pleito

Era o mesmo papelão

O meu direito eu vendia

Fazendo uma covardia

Contra minha própria Nação.

Mesmo com todo o direito

Muitas vezes me calei.

Sofri muito preconceito

Por causa de quê, nem sei.

Sendo eu ignorante

Sei que já sofri bastante

Por não ter nenhuma leitura

Por isso sofro calado

Se eu tivesse estudado

A vida num era tão dura.

A gente faz o destino

Basta querer e lutar

Se você desde menino

Quer a vida melhorar

Tem toda oportunidade

Para lutar de verdade

Por aquilo que sonhou

Estude e tenha firmeza

Pois amanhã, com certeza

Não será o que hoje sou.

Muitos homens de leitura

Que transformaram a Nação

Tiveram uma vida dura

Pra poder ganhar o pão

E mesmo assim estudaram

Com certeza se esforçaram

Coisa que talvez não fiz

São no mundo respeitados

Por todos considerados

Benfeitores do país.

Bem sei que a educação

Depende de muita gente

Precisa de muita ação

Pra poder ser diferente

Precisa-se do Senado

De prefeito e deputado

E até de vereador

Mais nós cansamos de ver

Que os homens de poder

Nem sempre dão o valor.

Por isso é que eu lamento

Sei que tenho o meu direito

Mas os “homens” não enfrento

Pois não sei falar perfeito

Portanto digo, meu neto,

Reaja, não fique quieto

Corra atrás do que é seu

Pois como não tive estudo

Fiquei cego, surdo e mudo

Mas não seja como eu.

Quando eu era menino

Eu sonhava com riqueza

E apesar de pequinino

Tinha nos olhos a nobreza

Que toda criança tem

E todo homem de bem

Sabe o que quero dizer

Mas sem o conhecimento

É correr atrás do vento

Ninguém consegue vencer.

No deserto a sarça ardente

Quando Moisés avistou

Bem ali na sua frente

Dela sentiu o calor

Viu que era coisa sagrada

Pela boca escancarada

Quase saiu o coração

Deus disse: “vá ao faraó

Se apresse, mas vá só

Tenho pra ti uma missão”.

Moisés retrucou, “vou não,

Senhor, eu não sei falar”.

“Então vá com seu irmão

Que está vindo lhe encontrar.

Diga o que é pra dizer

Eu falarei por você.

Quem fez o surdo ou o mudo?”

Sei que o assunto é sagrado

Mas estou desconfiado

Que Moisés não tinha estudo.

Parece uma brincadeira

O que agora falei

Mas passei a vida inteira

Fazendo o quê, eu não sei

Pois um livro nunca abri

É claro, então, nunca li

Tudo é de ouvir dizer

Não levo ressentimento

Meu único arrependimento

É por eu não saber ler.

O livro tem uma janela

Prum universo diferente

Só quem lê passa por ela

E do mundo é consciente

Rompe qualquer desventura

Pra ignorância tem cura

Em qualquer ocasião.

Invejo com alegria

A imensa sabedoria

Do grande rei Salomão.

Fico escutando os letrados

É como um livro de história

Não tem assunto complicado

Que beleza de memória!

Então fico pelos cantos

Com meu coração aos prantos

Lastimando meu destino

Só remoendo o passado

Por não ter aproveitado

O meu tempo de menino.

Espero, meu caro neto,

Ter me ouvido com atenção

Procure o caminho certo

Que é o da Educação

Tenha o livro como amigo

Pois o que eu fiz comigo

Nunca faça com você.

Nem que sofra igual a Jó

Pois não há nada pior

Que o homem não saber ler.

Poeta do Riacho
Enviado por Poeta do Riacho em 20/04/2010
Código do texto: T2209136