O ÚLTIMO ABOIO

Lá no ventre do sertão
Aridez, rachado chão
Vivia aquele menino
Tez morena, pés descalços
Enfrentando os percalços
Impostos pelo destino

Um brinquedo improvisado
Pião velho e já quebrado
Um carrinho e uma bola
Desde cedo o pai ajuda
Esforçado, ele estuda
Naquela pequena escola

Sob o sol, c'o genitor
Garoto trabalhador
No seu lar e no roçado
Gostava da plantação
Mas amava a criação
Seu sonho: tanger o gado

Já crescido e mais robusto
Ele aprende a muito custo
Os segredos do ofício
Na primeira montaria
Comemora, que alegria
Seu desejo tinha início

Muito novo, mas valente
Era um cabra competente
Cheio de felicidade
Conduzia seu rebanho
Com destreza sem tamanho
Apesar da pouca idade

Consciente era o rapaz
Pois nunca deixou pra trás
O lápis e seu caderno
Tinha um tempo reservado
Para o seu aprendizado
Sobre esse mundo moderno

O seu "velho" incentiva
Muito esperto ele cultiva
O costume de estudar
Sem se desfazer, porém
Daquilo que lhe faz bem
A tarefa de aboiar

Coisa bonita de ver
No cavalo era prazer
Cantarolar melodia
Precisava ele, contudo
Dar sequência no estudo
De partir chegava o dia

Naquela sua escolinha
Que pena, somente tinha
O ensino fundamental
Para dar continuidade
Ia sair da cidade
Com destino à Capital

Eis que o pai economiza
No futuro visualiza
Para o filho melhor vida
Diz pra ele: filho vai
Com a bênção do seu pai
Assim foi a despedida

Com saudade já no peito
No cavalo, esse sujeito
Vai rever os animais
Desse modo ele fez
Para falar-lhes, talvez
Meus amigos, até mais

Avista a sua boiada
Dispersa, muito cansada
Bem perto dum belo arroio
Lá vai o jovem vaqueiro
Sabendo que é derradeiro
O seu brado em forte aboio...