Subterraneidade
(Pesqueira, Pe, 2007)
1-Muita gente fugiu do sertão
Indo pra grande cidade,
Pensando que daria certo,
Veria o filho amado,
Estudando na faculdade!
A maioria de seus filhinhos
Fez outra irmandade:
Da droga, da cocaína,
Da vida sem qualidade.
É preferível nós enfrentarmos
Nossa subterraneidade!
2-Existem águas subterrâneas,
Como sub são os sertanejos,
Considerados por aí;
Mas se sou nordestino,
Se sou cabra de qualidade,
Prefiro lutar aqui
Nesta subterraneidade,
Furar este chão duro,
E trazer o que está embaixo
Para nossa realidade.
3-O governo quando ajuda
Ao que tem necessidade
Não está dando nada
E se assim pensa e diz
É pura falsidade;
Pois sei que pago tributos
Desde tenra idade;
Pago chupando picolé
Ou andando pela cidade.
4-Quando compro arroz na feira
Ou sabão pra minha tia,
Ou no campo compro a cabra,
Tou pagando o embutido
Seja noite ou seja dia;
Meus avós pagavam
Pois na nota sempre se lia:
Dezessete por cento - e é muito
Para o pouco que se fazia;
Pagamos quando tem chuva
Ou a malandra se estia.
5-Fome zero, seja o que for,
Renda básica ou mínima,
Se vem distribuição
O povo pula bem alegre;
A multidão se anima
E nem quer mais trabalhar;
Nem fura mais cacimba,
Pula cada qual na rede,
Ficam todos de catimba
E com o carimbo da preguiça
Cada um se carimba.
6-Pensam: "é de graça,
Vamos logo aproveitando",
Não é assim meu povo,
Se alguém pensa e diz
Tá muito é se enganando;
Esse dinheiro é suado
Que cidadão vai pagando,
Se trabalha ou se compra,
Tá o governo descontando;
Uns ganham mais e pagam
Muito mais nos ajudando.
7-Se há o paliativo
Dado assim pelo governo,
Muito mais tem a ser feito
e se alguém não acredita
Até dá no meu nervo!
Na biblioteca do sertão,
Nas palmas juntas em acervo,
Até analfabeto lê,
Vê de noite até morcego,
QUE É NA ÁGUA A SOLUÇÃO,
Aí está o segredo.
8-Vamos aproveitar a oferta
Que é dada com uma mão;
Mas, vamos cobrar da outra,
E cobrar com ousadia,
Uma perene solução.
Enquanto isto vamos parar
De ficar assim sem ação,
De fazer greve de fome,
Só comer bem no São João
De algum ano por aí
Que chova até com trovão.
9-Vamos minha gente buscar
A água que Deus já deu;
Se não sabe que assim é,
Se não quer desmerecer,
Pare de olhar pro céu;
Pois Deus já deu a água,
Ele não é nosso réu;
A água caiu na terra,
Tá funda pra dedéu;
Só num tem água no barreiro,
Pra fazer cantar tetéu!
10-Várias coisas deverão ser
Unidas pra nossa aragem,
Primeiro, é cisterna para beber,
Da chuva acumulando,
Pra tomar na estiagem;
Segundo, vem no baixio
Umas baitas de barragem;
E, terceiro, aprendamos,
É pras pessoas que certas agem,
Furarmos milhares de poços,
Irrigando toda a paragem.
11-Se nosso pensamento
Logo nos traz que é salobra
A água do sertão,
Vem o contentamento:
Em assentamentos por aí
Jeito está se dando
Com a dessalinização,
Depois de um investimento,
Pois basta termos união
Porque uma máquina destas
Não se compra com um tostão.
12- O que vi na política
Da dessalinização,
Foi da vontade a corrosão:
Máquinas estão paradas
Por falta de manutenção!
Homem simples não faz nada,
Fica com cara de bobão;
Prefeitos ganham na parada,
Fazendo só pra votação;
Os filtros novos só chegam
Na nossa imaginação.
13- E criaram este tabu
Que dessalinizar é só pra beber;
É melhor virar tatu,
Quem assim pensa pra valer;
Se o povo até faz a hora
Outras coisas há de fazer
Pelo menos para a horta,
No fundo do quintal,
Esta água não está morta,
Um jeito haverá de ter!
14-Irrigação, eis a proposta,
Em cada cinco ou seis fazendas,
Um poço já bastará;
Um bomba boa pra chuchu
Dando água sem contendas,
Muita força de vontade,
Muitos canos com suas emendas,
Criando gado, cabras e galinhas,
Dando pras casas as merendas.
15-Quando a chuva do céu faltar,
Lembremos que Deus já deu,
Furando a terra vamos ver,
Se não querem acreditar,
Subir a chuva que já desceu;
Deus fez a Sua parte,
É o homem que se perdeu,
Quem furou esta terra,
Desta água já bebeu,
Para quem quer trabalhar,
Um jeito sempre se deu!
16- O Governo do município,
O Estadual e o Federal,
Muito, muito mais,
Poderia estar fazendo
Para sanar este mal.
É um esforço pequenino
Comparando ao descomunal
Do sertanejo esquecido;
É luta do bem contra o mal,
De quem não tem esperança
De passar mais um Natal.
17-Enquanto esses milionários,
Da corrupta politicagem
Ficam lá com os mensalões,
Nas laias dos mafiosos,
Com as malas da malandragem,
Vamos correr contra o tempo,
Nos unir na aragem,
De nossa subterraneidade,
Furando com cara e coragem,
Muitos poços neste sertão,
Combatendo a vadiagem.
18-Tu ó homem és valente,
Deus te deu tanto talento,
Entendes tudo da roça
De plantação e criação,
De carroça e de jumento,
De boi bravo, de arar a terra,
Ou quando uma vaca tem aumento,
De tirar leite, de fazer queijo,
És no sertão um instrumento
19-Tu talvez diga, ó cabra
Dinheiro é que num existe.
Sim, esta é a realidade
Dura e Cruel, eu sei,
E é também muito triste.
Mas, quando se unem as varas,
Da jurema, faxina em riste,
As varas, sendo finas,
Da força não há despiste:
Aguenta boi bravo,
Sei que tudo isto já viste.
20-Sendo assim vamos unir
Nossas forças, cada mão.
Não sé esperar ganhar
Mas trabalhar para valer
Com meiguice no coração.
Vamos furar os poços,
Procurando a solução;
Cem homens unindo
Força de capitalização
Compramos até máquina
De fazer um buracão.
21-Fiquemos aqui
E aqui finquemos
Nossas estacas em união;
Em nossa espontaneidade
Peguemos nas ferramentas,
Construamos agro-vila,
Fábrica e cidade;
Vamos trazer para o sertão
Vida com qualidade;
É preferível nós enfrentarmos
Nossa subterraneidade!