DIVAGAÇÕES DE UM ANJO
Um dia pensei ser grande
Para o mundo conquistar
Apelei pra São Benedito
Que estava a facear
Num velho carro de boi
Com Pedro a cantarolar
Disse-me aborrecido
Vá procurar satanás
Hitler o ditador
Ou vá buscar Barrabás
Aqui só falo em amor
E tudo que ele trás.
Corri dali apressado
Retirei-me tão furioso
Fui procurar o maldito
Com nome de tinhoso
Mas, na porta do cemitério
Encontrei o venturoso,
Disse-me que eu não entrasse
Naquele mundo infeliz
Era o último aviso
Pra escapar por um triz
Que naquela hora o perdão
Era o desejo da sua matriz
A mãe de Deus aconselha
Até na hora derradeira
Não gosta que o homem erre
Nem que seja por brincadeira
Mas, eu “cavucava” o intento.
E fui me encontrar com a caveira
Vi meu corpo descer
Nas profundezas do inferno
Fui vendo almas malditas
Com castigos tão eternos
Mas o medo não chegou
Com a visão do hodierno
Vi políticos brasileiros
Com a alma empenhada
Vi freira correndo nua
E padre na empreitada
Maria Bonita lá não vi
Na certa foi perdoada.
Tinha uma fila de romeiro
Pagando por devoção
Cantando uma ladainha
Em um poema pagão
No espelho refletido
As terras do meu sertão
Parei um só minuto
Para ter e imaginar
Pra quem gosta de sofrimento
Aqui é o seu lugar
Vou logo me acostumando
Já querendo ficar.
Naquele momento pensante
Me falou o satanás
Quem procura não acha
Quem acha não dá pra traz
Tá enganado querendo
Saia daqui meu rapaz.
Então naquela palavra
Encontrei minha lição
Não tem lugar mais perdido
Que a terra desse sertão
Mas pra entrar no inferno
Só se for bom cristão
Voltei arrependido
Correndo daquele lugar
Fui procurar padre Cícero
Pra logo me confessar
Na romaria de domingo
Pra ele me perdoar
Acorda anjo menino
Ouço frei Damião me falar
Abre a porteira do céu
Deixa a boiada passar
Avisa lá lampião
Que eu estou a chegar.