PARA GOSTAR DE LER

Miguezim de Princesa

Trabalho premiado no Projeto Mais Cultura de Literatura Popular, do Ministério da Cultura. O autor receberá R$ 7 mil e publicará 5 mil exemplares do poema.

I

Se o dinheiro está curto

Até pra comprar cueca

E nem de longe imagino

Visitar um sítio asteca,

Posso em sonhos viajar

Nos livros que encontrar

Dentro da biblioteca.

II

Pego um avião moderno

E saio rasgando o céu,

Entre cortinas de nuvens

Que mais se parecem um véu

Da noiva da esperança,

E vou me parar na França

Conhecendo a Torre Eiffel.

III

Num banquinho de madeira,

Sem tirar os pés da terra,

Nas letras do livro-sonho,

Que tanta grandeza encerra,

Com algumas páginas lidas

Vejo todas as batidas

Do Big Ben da Inglaterra.

IV

Num distante pé de serra

Alguém ouvirá meu grito

A saudar a Palestina,

Seus pastores com cabritos,

Em meio a tanta incerteza,

E mais à frente as belezas

Das pirâmides do Egito.

V

Viajo também nos braços

Do romanceiro de cá,

Das lendas e das estórias

Do povo do meu lugar,

Vou dormir com um poema

E me acordo com Iracema

De José de Alencar.

VI

Cante lá, que eu canto cá,

Dizia com firmeza e fé

O menestrel popular

Patativa do Assaré.

É estudado na França,

Seu livro é luta e esperança,

Mostra a vida como é.

VII

No Rio Grande do Norte,

Prosseguindo meu estudo,

Vou conhecendo a Iara

De belo corpo desnudo.

Pro sonho ficar mais quente,

Ela eu ganhei de presente

Do grande Câmara Cascudo.

VIII

Na vizinha Paraíba,

Vi João Grilo na subida;

Fui ao céu e ao inferno,

Que era um beco sem saída

Por Ariano criado

No enredo bem bolado

Auto da Compadecida.

IX

Nas páginas paraibanas,

Vi quanto Augusto sofreu

Ao escrever Versos Íntimos

No eterno Livro do EU;

Apurando o meu empenho,

De Zé Lins vi o Engenho

Cujo fogo já morreu.

X

Dancei frevo em Pernambuco

Em terreiro, praça e sala,

Maracatu, caboclinho,

Fiquei em ponto de bala,

Gilberto Freire, gentil,

Me apresentou o Brasil

Em Casa Grande e Senzala.

XI

Pelo século 19

Me enfurnei no sertão:

Conheci Maria Moura,

A valentia e a paixão

Que dobravam coronel.

Quem me contou foi Rachel

Na porteira do mourão.

XII

Com Aluizio Azevedo,

Numa Casa de Pensão,

Vi mulato de Cortiço

(Nossa miscigenação),

Andei com Gonçalves Dias,

Indianista da poesia,

Nas terras do Maranhão.

XIII

Fui parar nas Alagoas,

Terra de Graciliano,

Onde a cachorra baleia

Foi atrás de Fabiano,

Vidas Secas de lamentos,

Batalhas e sofrimentos,

Sem rumo, esperança e plano.

XIV

Vi o Sargento Getúlio

Tomado de valentia,

De posse de uma lazarina,

Caminhar de noite e dia,

Conduzindo sem clemência

Um preso na diligência

Entre Sergipe e Bahia.

XV

Quem contou foi João Ubaldo,

E o fez com maestria,

Bem depois de Jorge Amado,

Escritor-mor da Bahia,

Que soube falar de amores,

Crenças, culturas e dores

Com cheiros de maresia.

XVI

Vejo a Tenda dos Milagres,

Em noite de lua cheia;

Gabriela cheira a cravo

No fogo que incendeia;

Na Cidade Baixa a farra,

Molecagem e algazarra

Dos Capitães da Areia.

XVII

O Nordeste é muito rico

Em termos de criação:

Aqui servimos banquete

De puríssima inspiração.

Só porque nunca fui jeca,

Estou numa biblioteca

Com o mundo em minhas mãos.

Miguezim de Princesa
Enviado por Miguezim de Princesa em 15/03/2010
Reeditado em 30/10/2014
Código do texto: T2140461
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