Não tem multa que dê jeito> Cordel com trinta e uma estrofes em septilhas>Autor: Damião Metamorfose.
*
Seu Natalino nasceu,
No tempo dos coronéis.
Quando o pai levava o filho,
Com ele para os bordeis.
E a boa cachaça vinha,
Não em garrafa ou latinha,
Mas em barris ou tonéis.
*
Nesse tempo nos quartéis,
Dos pequenos povoados.
Tinha um sargento caduco,
Um cabo e dois soldados,
Que por fugirem de briga,
Só aumentavam a barriga
E pareciam uns cevados.
*
Todos eram indicados,
Pelo chefe do lugar.
Treinados para dormir,
Comer muito e engordar.
-Se houvesse alguma desordem,
Não iam manter á ordem,
Sem o prefeito mandar.
*
A cidade tinha um bar,
Um açougue, uma capela,
Uma pracinha pequena,
Toda na cor amarela.
E uma rua bem comprida,
Que chamavam de avenida,
Mas também só tinha ela.
*
Tinha a pensão da Estela,
A farmácia do Manoel,
A casa do carteado,
Que era perto do bordel.
E o cemitério local,
Que era na zona rural,
Fazenda poço de mel.
*
Também tinha o quartel,
Quase esqueci de falar.
Que era no final da rua
E no começo era o bar.
Que era onde os fazendeiros,
Moradores e tropeiros,
Gostavam de prosear.
*
Falei tanto do lugar,
Quase esqueço o Natalino
Que nasceu ali bem perto
E viveu desde menino.
Limpando mato no eito,
Sem precisar de prefeito,
Pra mandar no seu destino.
*
A fazenda ouro fino,
Que ele herdou dos seus pais.
Tinha açudes e barragens...
Roças e canaviais.
Gado de leite e de corte,
Leste sul, oeste e norte,
Com pasto e com milharais.
*
Moradores, serviçais,
Bom engenho e casa boa.
Bons colégios para os filhos,
Roupas finas pra patroa.
Natalino era direito
E nem mesmo com o prefeito,
Ele gostava de loa.
*
E como qualquer pessoa,
Seja do campo ou cidade.
Que constrói o seu império,
Com ou sem dificuldade.
Quando passa dos setenta,
Entre os amigos lamenta,
Que perdeu a mocidade.
*
Natalino na verdade,
Tinha uma obsessão.
Que pra muitos era até,
Falta de educação.
Mas pra ele era normal,
E já era habitual,
Urinar sempre no oitão.
*
O contato com o chão,
Pra quem sempre foi pacato.
Que lidou com gado e gente,
Sem requinte ou fino trato.
Fez com que o fazendeiro,
Não gostasse de banheiro
e optasse pelo mato.
*
Seu Natalino de fato,
Era homem respeitado.
Seja entre os fazendeiros,
Vizinhos do povoado.
Em toda a zona rural,
Da cidade a capital
E até mesmo no estado.
*
Mas como era acostumado,
A não usar o banheiro.
Quando ia pra cidade,
Tinha que voltar ligeiro.
Pois se sentisse vontade,
De alguma necessidade,
Tinham como baderneiro.
*
Certo dia o fazendeiro,
Tomou umas no bordel.
Bebeu tanto que esqueceu,
Daquela cisma cruel.
E quando veio a vontade,
De fazer necessidade,
Não deu pra ir ao vergel.
*
Parou perto do quartel,
Porque já não aguentava.
Foi pro oitão de uma casa,
Nem olhou se alguém te olhava.
Urinou bem sossegado
E nem viu que o delegado,
Lá do quartel lhe espreitava.
*
Voltou para onde estava,
Com os amigos no barzinho.
Respirando aliviado,
Foi beber mais um pouquinho.
-Enquanto isso o delegado,
Saiu mais que apressado,
Para a casa do vizinho.
*
Com medo de um desalinho,
Perguntou com muito jeito.
Se ele tinha visto o que:
Por Natalino foi feito.
E o homem disse: que não,
Eu o vi em meu oitão,
Mas nem reparei direito.
*
O delega insatisfeito,
Correu para a prefeitura.
A pé mesmo até porque,
Lá não tinha viatura.
Como o prefeito não estava,
Foi lá onde o tal morava
E contou toda a agrura.
*
O defensor da censura,
Que no caso era o prefeito.
Ao ouvir todo o fuxico,
Ficou muito insatisfeito.
E disse pra o delegado...
Natalino é homem honrado,
Mas temos que dar um jeito.
*
É contra as leis, não aceito,
Vou ser desmoralizado.
Mandar prender, eu não posso,
Pois perco o eleitorado.
Pra evitar piores danos,
Temos que traçar uns planos,
Mas com devido cuidado.
*
E chamou o delegado,
Para um particular.
Ordenando ao mesmo que:
Não deixasse se espalhar.
Mas fosse a delegacia,
Baixar uma portaria,
Com multa pra ele pagar.
*
Vamos ter que exemplar,
Senão o seu Natalino.
Vai nos desmoralizar
E nos chamar de mofino.
Na posição de prefeito,
Esse é o único jeito,
Pra barrar esse malino.
*
Assim traçaram o destino,
Do fazendeiro mijão.
Com multa de cem reais,
Será feita a punição.
Se acaso ele se alterar
E resolver não pagar,
Pode dar voz de prisão.
*
O delegado babão,
Voltou pra delegacia.
Datilografou um texto,
Prescreveu como devia.
Chamou todos os soldados
E saíram apressados,
Pra onde o homem bebia.
*
Ao chegar disse: bom dia!
Natalino o respondeu.
E perguntou em seguida,
Diga o que aconteceu?
E o delegado com jeito,
Respondeu, foi um mal feito,
Que há poucas horas se deu.
*
Natalino estremeceu,
Levantou “chei” de razão.
E perguntou em voz alta,
Diga o que eu fiz cidadão?
E o delegado pançudo,
Leu o texto e disse tudo,
Que ele fez no oitão.
*
Posso dar voz de prisão,
Se o senhor se recusar.
A pagar a multa que:
Eu vou ter que aplicar.
A escolha é do senhor,
Mas se avie, por favor,
Não posso me demorar.
*
E quanto é que eu vou pagar?
Falou com gestos boçais.
Pelo xixi no oitão,
Vai ser só uns cem reais.
Mas se o senhor retornar
Ou resolver defecar,
Vai ser cobrado bem mais.
*
Então me passe essas tais,
Multas que tu tens na mão.
Cinco, dez, quantas tiver...
E faça outro talão.
Que eu já estou me enojando
E hoje eu vou sair mijando,
Em tudo que for oitão.
*
Pagou sem ter discussão,
Mas exigiu seu direito.
Tirou onda da policia,
Achincalhou o prefeito.
E hoje em todas as cidades,
Ele faz barbaridades,
- Não tem multa que dê jeito.
*
Fim
04/03/2010