SER MATUTO

Para um homem poder ser
considerado matuto
é preciso ele nascer
no sertão e ser astuto;
é ser homem destemido,
e, mesmo sendo ofendido,
não ligar para insulto.

Ser matuto é ser devoto
do Padre Ciço Romão;
é andar no mato, à noite,
sem temer escuridão;
é bicho brabo enfrentar
sem ter medo do azar
nem medo de assombração.

É trazer água do açude
ou da cacimba distante;
é ver a terra molhada
e sorrir a todo instante;
é preparar o roçado,
mesmo que dotô formado
diga a ele que não plante.

É nascer sendo herdeiro
de uma rede furada;
de um par de esporas velhas;
de um caco velho de enxada;
de um quadro de São Francisco,
de um retrato com um risco
feito pela criançada.

Ser matuto é ser bem forte
numa seca ou na enchente;
é tomar uma bicada
para ficar mais contente;
matuto que diz: “vambora!”
depois que bota a espora
pra pegar touro valente.

É não perder um forró,
até mesmo sem dinheiro;
é ficar de olhar comprido
pra filha do fazendeiro;
é ficar aborrecido
por sempre ser iludido
por dotô politiqueiro.

Ser matuto é sorri
com chuva que cai do céu;
é ver santo no andor
e tirar o seu chapéu;
é não ter medo de grito,
não saber falar bonito
como dotô de anel.

É acordar bem cedinho
com um galo cantador;
é em cima do cavalo
ser um grande aboiador;
é ver o céu estrelado
bem juntinho agasalhado
nos braços do seu amor.