Zé Limeira no olimpo.

Autor: Daniel Fiúza.

31/01/2005

Zé limeira um certo dia

Resolveu ir para o olimpo

Queria tirar a limpo

Sobre os deuses que havia

Saber de tudo queria

Para contar pros filisteus

Foi logo peitando Zeus

Na viola mostrou o dom

Desafiou o Posseidon

Que se queixou aos aqueus.

Hades em baixo da terra

Hefesto deus da abundância

Percebendo a importância

Cortou seu chifre com serra

Enquanto o Aires berra

No desespero sofria

Querendo entrar na porfia

Entre Apolo e o deus do amor

Exalando um fedor

Que dava grande agonia.

Nisso Hermes marechal

Que era neto do Titã

Desse conjunto era fã

Tal Hera nesse sarau

E Jonny Métis o vagal

Na tv botou Atenas

Bem no meio das helenas

Um deus novo apareceu

Chamado de Erecteu

Que deu o nome a Alfenas.

Júpiter sofrendo de artrite

Perséfone vendia éter

Com seu marido Demeter

Sobrinho de Afrodite

Neto da bela Anfitrite

E Phoebe o sabonete

Coeus vendia leite

Junto com Delfos o ator

Leto sua harpa tocou

E Thétis trouxe o sorvete.

Aglaea tinha um parente

Que se chamava Vulcano

Zé limeira com seu mano

Que tinha grande patente

Era mais deus do que gente

Confiando no seu taco

Muito amigo de Baco

Com seu capacete alado

Foi na ilíada achado

Por mercúrio dendum saco.

Zé Limeira, o mais mitológico dentre todos os repentistas surgidos no Brasil. Tem gente que até hoje acha que ele nunca existiu. “Vai ver foi um personagem criado pela cabeça fantasiosa de outros repentistas”, diriam os incautos. O compêndio poético de sua obra só chegou ao conhecimento das novas gerações graças ao abnegado trabalho de pesquisa realizado pelo advogado e escritor Orlando Tejo, que resultou no livro "Zé Limeira, poeta do absurdo". Os dois se conheceram em 1950 e o encontro entre narrador e narrado é assim descrito pelo primeiro: “Foi numa nublada tarde de sábado que ouvi pela primeira vez José Limeira. Cantava em sombrio casarão da Rua Manuel Pereira de Araújo, movimentado centro do baixo meretrício, em Campina Grande. Chamou-me a atenção a dimensão do óculo (sic) exageradamente escuro que, havia 20 anos, inspirara este espirituoso repente de Severino Pinto Seu legado ainda sobrevive no contexto da música brasileira, devido ao registro de sua faixa Martelo Alagoano, gravada por Lula Côrtes e Zé Ramalho no LP "Nordeste, Cordel, Repente e Canção", coletânea de repentes com vários poetas populares lançada pela Tapecar, em 1975.

Outra homenagem de Ramalho viria anos mais tarde com a faixa Visões de Zé Limeira sobre o final do século XX do seu LP, "Força Verde”, de 82. O Quinteto Violado também o citaria, na contracapa de seu LP "Pilogamia do Baião", de 1978. A mais recente homenagem viria do grupo oriundo da cena mangue beat do Recife, Mestre Ambrósio que emplacou um hit sobre o mote pop "Se Zé Limeira sambasse maracatu".

Uma décima cantada aqui, um mourão alí, mais um martelo alagoano registrado pela pena de um padre acolá , Orlando Tejo foi catando no fecundo campo da tradição oral o legado de Zé Limeira. Analfabeto de pai e mãe e iniciado no cristianismo como a maioria dos sertanejos, Limeira forjou seu catolicismo místico e bárbaro de porralouca, distorcendo os enredos bíblicos em sua mente decolante. No poético tacho de Limeira, os mitos do Nordeste, da política nacional, ou mesmo o dono da casa são todos cozinhados na sua borbulhante cachola.

Na construção dos repentes os poetas em geral se utilizam de um recurso muito comum que é o sacríficio da coerência discursiva em prol da métrica, mola mestra da poesia popular nordestina. Inventam palavras e expressões para que a estrofe acabe rimando no final. Limeira é diferente. Como legítima expressâo da barbárie vernácula, o caboclo já saia cuspindo seus disparates do primeiro ao último verso. As sílabas , escravas submissas do seu bordão, não tinham direito a tonicidade. Oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas sempre foram idéias bambas. Se algum dia ouviu estas palavras, provavelmente perguntiou: “é algum tipo de verme que eu não conheço ?”

Aqui uma perola de Zé Limeira.

Casemo no ano de 15

Na seca de 23

A mulher era donzela

Viúva de sete mês

Mais não me alembro que tenha

Um dia ficado prenha,/

Estado de gravidez.

Domfiuza
Enviado por Domfiuza em 30/07/2006
Código do texto: T205273