Soterramento em Ribeirão Pires
Passei tantas nesta vida,
coriscos cortando o céu,
abelhas na defesa do mel,
muita bomba explodida.
Passei até muita emoção,
com o enfarto do coração,
tudo dentro da medida...
Hoje, isso ficou para trás.
Nosso povo tão guerreiro,
não merecia o aguaceiro,
tirando deles a sua paz.
Numa noite que foi horror,
para muitos de muita dor,
deixando a gente incapaz.
Choveu pela noite inteira.
Com o dia, deu amainada,
parecendo chuva acabada.
A terra veio numa esteira,
num estrondo tão horrível,
numa forma indescritível,
não deu tempo para nada.
Terra pelo morro escorria,
Trazendo a água barrenta,
por onde passa, arrebenta,
(coisa que nunca se via).
fazendo, à força, caminho,
deixando atrás, só espinho...
O povo olhando. Letargia.
Nessa hora cresce emoção.
Qualquer coisa, ou pessoa,
isso eu digo, é não é à toa,
quer cavar buraco no chão,
procurando o ente querido.
O gesto, por todos, oferecido,
o grande valor da população.
Na hora, nada ali é irrisório.
Povo junto com autoridade,
dos cantos de toda cidade,
unidos no mesmo ofertório.
Cada momento tão sofrido,
mesmo o corpo, combalido,
descansar? Isso será ilusório.
Pelos lados é muita tristeza.
Para muitos, tudo acabado,
vida perdida, tudo inundado,
roupa suja pela correnteza.
Perdido, tudo que tem valor,
comprado com muito suor.
Na lama, toda a sua riqueza...
O povo junto não desanima.
Um pega o outro pela mão,
dá seu amor, dá o seu pão,
a palavra que cria o clima,
para quem tem fome, medo,
ter, quem sabe, o sossego,
e, seu astral, mais pra cima...
Nesse trabalho incansável,
Logo, vem sempre decepção,
lágrimas juntas com emoção,
uma notícia nada agradável:
debaixo da lama molhada,
a menina sem vida, achada.
Em todos, o choro inevitável.
Da menina, a vida perdida,
junto aos outros infelizes,
deixará em nós cicatrizes,
do jeito que foi interrompida.
Na certa, serão lembrados,
e, nos corações, guardados,
por tanta emoção sentida...
Oswaldo Genofre