Romance do Padre Apaixonado

1

Para quem aqui esteja

Uma estória vou contar

Contanto que a Madre Igreja

Não me vá excomungar

2

Havia um padre na aldeia

Onde vim e fui criado

Que não via coisa feia

Nem enxergava pecado.

3

Esse ser da Natureza

Tinha uma grande inocência

E olhos só pra a Beleza

Sem ver a maledicência.

4

Estava nos anos vinte

Mas sua sabedoria

Parecia um acinte

Pras velhas da sacristia.

5

Usava a batina santa

Mas com tal jovialidade

Que agora parece branca

Na memória da cidade.

6

Vivia sempre sorrindo

Com um ar iluminado

Mas logo se descobrindo

Que ele estava apaixonado.

7

Por quem ?... era o mistério.

Já que nunca foi flagrado

Com ninguém no batistério

Muito menos no sobrado.

8

Moças bonitas havia

Que lhe punham bom olhado

Não crendo a beataria

Que ele tivesse notado.

9

Mas havia quem notasse

Uma moça, sem alarde

Que teimava em confessar-se

Todo dia às três da tarde.

10

Deixando o confessionário

Seus olhos, como mormaços

Aqueciam o Calvário

Do Nosso Senhor dos Passos.

11

Esse namoro simplório

Se passava tão somente

Naquele genuflexório

Não podendo ir em frente.

12

O que falavam é mistério,

Não saberemos tão cedo

Que confissão é segredo

Que se leva ao cemitério,

13

Mas o olhar apaixonado

Não se pode esconder

Não passa sem ser notado

E costuma comover.

14

Como era seu destino

(que a Igreja não nos ouça )

O padre num desatino

Resolveu fugir com a moça.

15

Não chegaram muito longe

Pois não tinham condução

E no meio daquele sertão

O hábito faz o monge.

16

Corriam pelo cerrado

Onde ninguém se esgueira

Pois é tudo avistado

Por mais que não se queira.

17

Um povo de invejosos

Chefiado por beatas

Cercaram os amorosos

Bem perto das cataratas,

18

Numa zona de restinga

Sem que pudessem escapar:

De um lado havia a caatinga

De outro gente a espumar.

19

Só restando a outra espuma

Que se pudesse optar,

Procuraram de uma em uma

Complacência num olhar.

20

Mas, ai, que aquelas megeras

Brandiam foices no ar,

Acuando-os como feras

Não permitindo hesitar.

21

E como quem desatina,

Resolveram então saltar

De mãos dadas na neblina

Que havia no lugar.

22

Viu-se o sinal da Cruz Santa

Que o padre fez num momento

Depois o beijo que espanta

E que sela aquele evento.

23

Essa cascata do Norte

Ainda faz gente chorar,

Lembrando o salto pra Morte

Do desventurado par.

FIM

Cordel de autoria de Guilherme de Faria

Elen Paiva
Enviado por Elen Paiva em 10/01/2010
Código do texto: T2022368