OS PROFETAS DO SERTÃO
Salve o Nordeste altaneiro
De crença e de tradição
Das eternas profecias
De fé e religião
Das sertanejas ciências
Que sabem por experiências
Quando chove no sertão.
Faço uma dissertação
Das crenças do interior
Do sertanejo de fibra
Que é bom conhecedor
Dos segredos do sertão
Confiante na oração
A São José protetor.
Todo bom agricultor
Confia na profecia
Baseada nos indícios
Que o tempo lhe propicia
Nas aves, nos animais,
Nas plantas e outros sinais.
Vividos no dia-a-dia.
O sertanejo confia
Nas tranças do seu destino
Vive permanentemente
Na labuta, Sol a pino
Na intempérie do sertão
Mas com a resignação
Que aprende desde menino.
Mas todo bom nordestino
Que habita a zona rural
É um grande experiente
Profeta em potencial
E ainda é bem creditado
Mesmo desvalorizado
Pelo sistema atual.
Desde a barra do Natal
Se sabe se a chuva vem
E outras experiências
Que o homem do campo tem
Fruto de observações
Que passam de gerações
Pelos séculos além.
Há outras datas também
Que servem de experiência
O dezenove de março
É do roceiro a ciência
Se não choce até então
Chega a seca no sertão
E com a seca a inclemência.
Tempo de experiência
É o dia de São José
Plantar milho nesse dia
Pode capinar com fé
Que no tempo de São João
Tem pamonha no fogão
Na noite do arrasta-pé.
Galinha d’Angola, guiné,
Se ela põe fazendo ninho
O ano é bom de inverno
Mas se puser no caminho
Ou mesmo canto espalhado
O ano é atrapalhado
No mato só sobra espinho.
Tetéu quando faz o ninho
Em uma barreira alta
É fartura no sertão
Com muita chuva na pauta
Mas se o ninho é no molhado
Precisa tomar cuidado
Que o inverno logo falta.
Acauã, ave pernalta
Seu canto é de arrepiar
Se ela canta no crespúsculo
Roceiro pode esperar
Que o inverno tá chegando,
Com o inverno se acabando
Ela para de cantar.
Quando a fruta do juá
Fica mais tempo na rama
Indica inverno tardio
O Sol provoca mais chama
O sertão vira um inferno
Pois em ano bom de inverno
O juá só cai na lama.
Já o enchuí de rama
Carregado de filhote
Se ocorrem redemoinhos
Ora fracos, ora fortes,
Se o vento vem do poente
Sinal de chuva eminente
Nas terras secas do Norte.
Se a cigarra canta forte
Quando o sol não está quente
Se arapuá vaz a boca
Voltada para o poente
E o bacurau canta mais
Tudo isto são sinais
De um inverno excelente.
Quando antecipadamente
Malva solta a floração
Se aparece tanajura
Antes do fim do verão
Gavião desaparecer
É sinal que vamos ter
Grande seca no sertão.
Na fogueira de São João
Há ciência comprovada
Se a cinza da fogueira
Amanhece entorroada
É indício soberano
De que no próximo ano
Vamos ter boa invernada.
Uma garrafa enterrada
Com água até as ombreiras
Numa cova de dois palmos
Embaixo de uma fogueira
Com lenha de umburana
É uma ciência bacana
De promessa alvissareira.
Se a garrafa seca inteira
É prenúncio de ano mal
Mas se ficar quase cheia
Anuncia bom sinal
Se a rolha do garrafão
Saltar com muita pressão
Vai ter chuva e temporal.
Profecia natural
No sertão sempre existiu:
Quando o anum tá chorando
Carão cantando no rio
De inverno são sinais
Como tantos outros mais
Nas crendices do Brasil.
Meses e meses a fio
Alimentam a ilusão
Das previsões pelo tempo
Das árvores em floração
Em outubro a craibeira
Em novembro a aroeira
Profecias do sertão.
A jurema em floração
Pode ser um bom sinal
De outubro pra novembro
E de forma natural
Mas se aparecer intensa
Depois de uma chuva imensa
É presságio de ano mal.
Na porteira do curral
Se tem formiga assanhada
É sinal de bom inverno
De parição na boiada
De muita chuva e fartura
Mas quando sai tanajura
Atrapalha a temporada.
Profecia acreditada
Sempre tem muita ciência
Muitas são bem divulgadas
Por terem mais sapiência
Umas têm mais profusão
Outras mais aceitação
Dependendo da evidência.
Não precisa competência
Nem tão pouco maestria
Porque todo sertanejo
Que crê em Deus e confia
Em sua rude ciência
Vê chuva na experiência
Dia de Santa Luzia.
Outras de garnde valia
Presentes na Natureza
Na passagem de Ano Novo
Observe com certeza
Se tem neblina brejeira
Como chuva choradeira,
Ano de muita tristeza.
Formiga tem esperteza
Sabe com proceder
Se faz cova no riacho
Quando é tempo de chover
É porque já descobriu:
No leito seco do rio
A água não vai descer.
Eu deixo aqui pra você
Algumas ciências mais:
Se a primeira lua cheia
Do ano nascer por trás
De uma barra, a chuva desce,
O tejo só aparece
Quando fecha os matagais.
Outras aves e animais
Grande competência tem
Em mostrar experiências
Sobre o inverno que vem
Pau-pedra, fulô-buã
Cumaru, Imbiratã
São evidências também.
A verdade sempre vem
Na flor do mandacaru
Na tourona de rapina
Na florada do umbu
Na resina da aroeira
Do angico, da catingueira
Na vagem do mulungu.
Os sertanejos do sul
Usam tecnologia
Porque não sofre das secas
Que ao nordestino atrofia,
Pra lavoura faz chover
Mas não conhece o prazer
Da nossa sabedoria.
Lembrar como foi um dia
As terras do meu sertão
Causa saudade dos campos
Encrespados de algodão
Recordação que se iguala
Da Mãe Preta da senzala
Ao lendário Pai João.
Série Coisas do Brasil, Vol. XIII