ZÉ LIMEIRA - O POETA DO ABSURDO
Trecho do Cordel:
Pouca gente ouviu falar
No nome de ZÈ LIMEIRA
Um poeta repentista
Lá da Serra do Teixeira
Que no seu abecedário
Com um próprio vocabulário
Cantava à sua maneira.
Um pouco louco ou vidente
Sua figura encarnava
Misto de excentricidade
Que a todos impressionava
Alto, forte, sorridente,
Tornava-se diferente
Pelas roupas que usava.
Indumentária completa
De mescla azul verdadeira
Lenço vermelho ao pescoço,
Destabocadas maneiras,
Sua rede matulão,
Quinze anéis em suas mãos
E a bengala de aroeira.
Andador de sete fôlegos
Mas de destino obscuro
Pra ele, só o presente,
Não pensava no futuro.
Linguajar descomedido
E o rosto sempre escondido
Por grandes óculos escuros.
No século mil e oitocentos
E oitenta e seis o ano
Desdenhoso veio ao mundo
No solo paraibano
Meia oito anos de mato,
No ano cinqüenta e quatro
Desencarnou deste mundo.
Estatura avantajada
Desinibido, abusado,
Um misto de menestrel,
De jagunço e educado
Rosário grosso, maciço,
Que ganhou do “Padim Ciço”,
No peito dependurado
Nunca andou em automóvel
Ou outro transporte qualquer
A vocação de andarilho
Para ele era um mister
O mapa da Paraiba
Venceu de baixo prá riba,
Porém, sempre andando a pé.
Deslocou-se ao Pernambuco,
Alagoas, Ceará,
No Rio Grande do Norte
Gostava de passear
De feras e de ladrões
Se livrava com orações
Guardadas num patuá.
Ainda quase menino
Deixou a enxada de lado
E abraçou a viola
Obedecendo a um chamado
Que vinha do seu intento
Porque tinha o pensamento
Protegido por bons fados.
Perlustraria as planuras
Da vida de homem ditoso
Com sua voz trovejante
Sorriso espalhafatoso
O seu linguajar simplório
Conquistava os auditórios
Era sempre vitorioso.
Dominava como poucos
Rima e metrificação
Desde a simplória sextilha
Ao mais difícil quadrão
Ninguém passava rasteira
No GRAÚNA DE TEIXEIRA
Numa improvisação.
Estudiosos tentavam
Decifrar suas charadas
Ligavam filosomia
Às coisas relacionadas
Com a Sagrada Escritura
Pela frase ou estrutura
Onde era pronunciada:
“...Pra escrever filosomia
Sobre a vida de Jesus...”
Filanlumia sería
A paz, a mansuetude,
Pilogamia exprimía
Vastidão e plenitude:
“...Canto debaixo da terra
Na santa pilogamia...”
“...Oceano desdobrado
No véu da pilogamia...”
Pretendo agora mostrar
Um pouco das cantorias
Ou trechos mais pitorescos
Que Zé Limeira escrevia
Com suas frases rompantes
Deixando os desafiantes
Sem saber o que fazia.
Cantoria em Lagoa Seca-PB,
na casa do poeta HELENO
FIRMINO. Zé Limeira começa
cantando sozinho, saudando
a dona da casa.
“Cantá pra Dona Zefinha
É só isso que me aumenta
Pois conheço a muié boa
Pelo buraco da venta.
Porém gosta duma briga...
Muié da venta comprida
Quase toda é ciumenta.
Seu Heleno eu já conheço,
Não preciso mais falá
Que da família de peba
É quase um tamanduá.
Grande poeta e pachola
Quando pega na viola
É da tampa pipocá.
Eu me chamo Zé Limeira
Cantor de sabedoria,
Peço licença primeiro
Pra cantar filosomia
Sobre a vida de Jesus,
O home que deu a luz
A Pedro e Santa Luzia.
Filosomia descreve
A vida desses vivente
Do sordado de poliça
Do juiz e do tenente
Do cavalo e do vaqueiro
Do peba no tabuleiro
Da viuva na vertente.
A santa filanlumia
Descreve os peixes do mar
As sereias do sertão,
Mula preta e mangangá
Muié de saia rendada
Moça branca misturada
Carro de boi, jatobá.
Zé Limeira quando canta
Credo em Cruz, Ave Maria,
Canto debaixo da terra
Na santa filanlumia
No arrecife, na roça,
Três muié da perna grossa
Três bigode, três Luzia.
Lagoa Seca parece
Uma moça no cinema
Viva o Pico do Tendó,
Papa de bico de ema,
Convido Dona Zefinha
Pra ir á minha terrinha
Conhecer o meu sistema.
Pra ver o Pico do Jabre
Com três mil metro de artura
Chupar laranja tão doce
Que é ver uma rapadura...
Parece que eu me arrescordo:
Alencar morreu a bordo
Do vapor da desventura.
Cantoria com ANTONINO GUERREIRO
de Campina Grande e Zé Limeira,
em Teixeira-PB.
ANTONINO:
Limeira, meu caro amigo,
Eu não lhe levo surpresa,
Pois acho ser necessário
Falar sobre a Natureza,
Sendo na vegetação
O seu todo de beleza.
LIMEIRA:
Vala-me Santa tereza
Eu e minha violinha,
Ogivá, quedicedeque,
Na tua estrada e na minha.
Besouro fazendo cósca
No fiofó da rainha.
Não podendo acompanhá-
lo no seu estilo, Guerreiro
desistiu. Porém um dia en-
contraram-se em Campina
Grande.
GUERREIRO:
Meu colega Zé limeira
Vamos já cantar um tema
Com relação a Campina
Esta cidade-poema
Que tem por nome sagrado
Rainha da Borborema.
LIMEIRA:
Antonino, a Borborema
É cidade muito boa
Toda prodologicada
Que o vivente mais à toa
Fuma cigarro de fumo
Com cabelo de leoa.
GUERREIRO:
Campina Grande é a coroa
De Asfora, rei da tribuna
A musa de Orlando Tejo
De Ramirez, Mauro Luna,
O mestre Anésio Leão
Fortes da mesma coluna.
LIMEIRA;
Dois pombo na baraúna
Três naví no meu sertão
Quatro fivela de prata,
Cinco vultos do alcorão,
Seis trem roncando na serra
Do cariri do sertão.
GUERREIRO:
Não entendo, meu irmão,
O que você quer dizer,
Se falo em cinco poetas
Você finge nem os ver
E vem com um trem roncador
Que eu nem sei o que vem ser.
LIMEIRA:
Pois agora eu vou dizer
A história desse trem:
Ele começou roncando
Perto de Betelelém
Conduziu Nossa Senhora
Com São José prá Belém.
Cantoria em Campina Grande em
1950, com a presença dos poetas
EDUARDO RAMIREZ, CÍCERO
(MOCÓ) VIEIRA, ORLANDO TEJO
e ZÉ LIMEIRA.
Zé Limeira abre a cantoria:
O poeta Orlando Tejo
Eu já conheço de mais
É filho de Santo Antonio,
Sobrinho de São Tomás
Neto de Pedro Primeiro
Ediceta e cois e tais.
Seu Ramiro me adiscuipe
Fazer a prosopopança
Eu gostei de vosmicês
O terno de roupa mansa,
A flor da pilogamia
Na testa do reis de França.
Por solicitação dos cantadores,
Eduardo Ramirez redigiu este mote,
às primeiras horas da madrugada;
ESCREVI O NOME DELA
NO LEVE DO AZUL DO CÉU.
Zé Limeira nem pestanejou:
A minha póica maluca
Brigou com setenta burro
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca
Deu-lhe um bofete na nuca
Que derrubou seu chapéu,
Vai chegando seu Miguel
Montado numa cadela
ESCREVI O NOME DELA
COM O LEVE DO AZUL DO CÉU.
Eu me chamo Zé limeira,
Cantador do meu sertão,
O Sino de Salomão
Tocando na laranjeira
Crepusco de fim de feira
Museu de São Rafael.
O Juiz prendeu o réu
Depois fechou a cancela,
ESCREVI O NOME DELA
COM O LEVE DO AZUL DO CÉU
Quando Abel matou Caim
No Rio Grande do Sul
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as beiradas de capim
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumóde prender Abel
Dois pedaço de costela,
ESCREVÍ O NOME DELA
COM O LEVE DO AZUL DO CÉU.
Outra cantoria num bar do mercado
central em Campina Grande.
Zé Limeira cantava sozinho.
Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraiba falada
Cantando nas escritura
Saudando o pai da coalhada
A lua branca alumia
Jesus, José e Maria
Tres anjos na farinhada.
Napoleão era um
Bom capitão de navio
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.
Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco
Boa semente de gado
Bom criatóro de porco,
Dizia Pedro Segundo
Que a coisa melhor do mundo
É cheiro de arroto choco.
Quando Jesus veio ao mundo
Foi só prá fazer justiça
Com treze anos de idade
Discutiu com a doutoriça
Com trinta anos depois
Sentou praça na poliça.
Cantoria com Anastácio Dantas
e Zé Limeira, no Sítio Pitombeiras,
de Sumé-PB, em 1940.
Cantam OITO A QUADRÃO.
ANASTÁCIO:
Eu sou um cantador novo
Que agrada bem ao povo
Com saudade me comovo
Sinto mesmo uma aflição.
A flor que rola no chão
Deixa o aroma somente
Na hora do sol póente
Lá vão meus oito a quadrão.
LIMEIRA:
Sou um nêgo do cangaço
Brigo de perna e de braço
Com a ingrizia que eu faço
Assombro qualquer cristão.
Eu vou cantar no Japão
Lá dos Estados Unido
Dá quarenta e três gemido
Nos oito pés de quadrão.
Seus principais contendores
Em termos de poesia
Começava por Teixeira
O berço da cantoria
Monteiro, Taperoá,
Pernambuco, Ceará
Seu domínio se expandia.
Tinha Romano em Teixeira
Taperoá, Canhotinho
Monteiro tinha um dupla:
Pinto e Diniz Vitorino
Várzea Alegra com Zezito
E em São José do Egito
Surrava Antônio Marinho.
Porém nunca teve acesso
A uma carta de ABC
Seu ambiente rural
O impedia de aprender
Trocar era sua lavra
E inventava palavra
Para ninguém entender:
Fulupafilatopéia
Prodologicalidade
Falava em filosomia
Na maior simplicidade
Usava filanlumia
Mostrava godosopria
Com mais naturalidade.,
Série Cantadores, Vol. II