JARARACA, O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO

Trecho do Cordel

O nosso sertão é cheio

De histórias naturais

Lembranças de outros séculos

E de povos ancestrais

Do tempo do banditismo

Escravidão, carrancismo

Coisas que não voltam mais.

Mas nos tempos atuais,

Fazendo a comparação

Em pouca coisa se nota

De mudanças no sertão

É quase do mesmo jeito

O médico, o padre e o prefeito

Comanda a população.

Do tempo de Lampião

No sertão pelas quebradas

Hoje é grande o repertório

De estórias engraçadas

O cantador de repente

Contando ainda assusta a gente

Com as coisas reveladas.

E entre essas coisas guardadas

Do tempo de Lampião

Há um baú de verdades

E um armazém de invenção

O enfeite da saudade

Abre o crédito da verdade

Recriando a criação.

Mesmo longe do sertão

Vou contar o desatino

De um valente sertanejo

Ainda quase menino

Que por inexperiente

Se envolve com um prepotente

E tranforma seu destino.

Se tornou um assassino

Dos ferozes do cangaço

Seu corpo magro e mofino

Transformou-se num corpaço

Lutava por brincadeira

Na caatinga ou na trincheira

Na luta armada ou no braço.

Ninguém ocupa o espaço

Onde ele se destaca

Pois se alguém lhe faz cerca

Ele lhe quebra a estaca

Seu nome, se não me engana,

José Leite de Santana

No cangaço Jararaca.

Conhecido o rei da faca

Pois do aço era um perito

Na bala também brigava

No gatilho era um proscrito

Mas solto na capoeira

Era armado de peixeira

Que ele brigava bonito.

E como já fora dito

Redito, lido e relido

Muitos homens do cangaço

Antes não eram bandidos

Numa dessas circunstâncias

De autoridade e arrogância

Jararaca é envolvido.

Vaqueiro bem sucedido

Ele sempre trabalhou

Com sua pobre família

Seu pai era agricultor

Santana tinha paixão

Pela filha do patrão

De quem era morador.

O coronel, sabedor,

E com instinto ferino

Mandou três mal encarados

Dar uma surra no menino

O pobre jovem indefeso

Pelos três capangas preso

Apanhou de cagar fino.

Completando o desatino

Levaram pro coronel

Que na presença da moça

Deu-lhe uma surra de chapéu

Mandou que ele debandasse

Nunca mais ali voltasse

E o chamou de cascavel.

Insensível e infiel

A moça assistia rindo

Enquanto o jovem apanhava

Com a família assistindo

A mãe e os irmãos em pranto

O pai tristonho em um canto

E a jagunçada aplaudindo.

Sai Santana se esvaindo

Em sangue barro e suor

Se embrenha na caatinga

Queimando na luz do sol

Sem gibão, chapéu, sem nada,

Somente a marca estampada

Do ruim, do mau, do pior.

Faminto, cansado e só

Vai curar suas feridas

Do corpo e do coração

Jurando uma contra partida

Pensando em fazer vingança

Com a família na lembrança

E sua mamãe querida.

Na caatinga ressequida

Das quebradas do sertão

O cangaço era operante

Por aquela região

Injustiça, desatino,

Finais de Antonio Silvino

Começo de Lampião.

Essa guerra no sertão

Anos e anos durou

Do episódio de Santana

Muito tempo se passou

Dele ninguém mais lembrava

Somente o que se escutava

Eram histórias de horror.

Por todo interior

Quem mandava era o cangaço

Gente com perna quebrada

E outros faltando um braço

A polícia perseguia

Mas quanto mais investia

Mais voltava com fracasso.

Agora eu abro um espaço

Para falar do rapaz

Que sofreu o desafeto

E caiu nos matagais

Sofrendo no desabrigo

Jurou vingança consigo

E não voltou nunca mais.

Se embrenhou nos carrascais

Deste sertão severino

Prá curar suas feridas

E seguir no seu destino

Sozinho pelas piçarras

Sem querer caiu nas garras

Do bando de «Antõe Silvino.»

Famintos, em desatino,

Perdidos pelo sertão

Sem rumo, sem resistência,

Com Silvino na prisão

O tal bando dizimado

Andava pelo cerrado

Com armas sem munição.

Procuraram Lampião

Na fazenda de Sinhô

Um coronel cangaceiro

Que grande bando formou

E foi nessa debandada

Que a fugida cãozoada

Com Santana se encontrou.

Tão logo o jovem explicou

Os motivos que o levara

A andar só pelo mato

E a surra que levara

A chefia do comando

O convidou para o bando

E ele logo aceitara.

O bando continuara

Assaltando desarmado

Somente faca e cacete

Nos saques eram usados

Mas mesmo assim atacava

E muita gente matava

Ao longo de quatro Estados.

Ficaram impressionados

Como ele usava a faca

Lhe deram nome de cobra

Pois como ela se destaca

Lembrando a moça infiel

Não aceitou cascavel

Mas adotou Jararaca.

E assim o “homem da faca”

Na caatinga desfilava

Enfrentando até a morte

No lugar onde passava

Tornou-se o pior bandido

Da polícia perseguido

Mas a ninguém se dobrava.

De vez em quando lembrava

Da mãe e do lar querido

Sem saber que todos eles

Da roça haviam saido

E morando na cidade

Todos sentiam saudade

Daquele ente querido.

No cangaço o destemido

Seguia o grupo assassino

Resquício do que sobrou

Do cabra Antonio Silvino

Naquele quente quadrante

Acertava alvo distante

Corpo ágil, faro fino.

E sempre teve domínio

Das peripécias da vida

Destemido como fera

E sua maior guarida

Foi mesmo junto ao cangaço

Findou sendo seu espaço,

Lampião veio em seguida.

Saiu então pela vida

Com Lampião e Sinhô

Nas lutas que enfrentava

Nunca ninguém lhe tocou

Dentro do seu natural

Nunca quis fazer o mal

Mas disso não escapou.

Nas andanças que enfrentou

Usava bem o punhal

Garimpava nos assaltos

Protegendo seu bornal

Sonhando um dia voltar

E a vingança efetuar

A quem tanto lhe fez mal.

A sua terra natal

Não pôde mais visitar

A cidade de Buíque

Onde ficava o seu lar

Mas o cangaço é volante

Não dava chance um instante

De Jararaca voltar.

Na Serra Jabitacá

O bando estava acoitado

No Vale do Pajeú

Pernambuco era o Estado

Com Lampião no comando

Estavam se preparando

Para atender um chamado.

Lampião foi contratado

Pra fazer uma vingança

No Estado da Paraiba

Atendendo a ordenança

De um chefe da região

De Souza, bem no sertão

Do Rio Grande a vizinhança.

Pra Jararaca a esperança

Ficou ainda menor

De visitar a família

E rever seu cafundó

Mas o trato foi quebrado

E o bando foi desviado

Pras terras do Piancó.

De assaltar Mossoró

Surgiu a cogitação

O que fez tremer nas bases

O bandido Lampião

Porque Mossoró seria

Terra de Santa Luzia

Santa de sua devoção.

Mesmo porque o sertão

Tinha muita “currutela”

Nunca tinham invadido

Uma do porte daquela

Lampião ficou arisco

De enfrentar esse risco

E cair na esparrela.

Foi então nessa querela

Que o bando se fracionou

Esse ataque não deu certo

E muita gente tombou,

Civil, polícia, ladrão,

O bando de Lampião

Quase se desmoronou.

Mossoró se entrincheirou

Entre fardos de algodão

Tiro no céu estrondava

Sangue corria no chão

Muitas vidas pereceram

E cinco dos morreram

Pertenciam a Lampião.

Os que perderam a razão

Da vida nessa fusaca,

Fala Baixo, Fedegoso,

Manué Barriga de Jaca,

E dois eram conhecidos,

Do chefe muito queridos

O Colchete e Jararaca.

Aí começa a matraca

Do povo a tagarelar

Uns chorando suas mortes,

Outros a comemorar,

Dessa Lampião safou-se

Mas nunca mais cogitou-se

De Mossoró atacar.

Jararaca ficou lá

Morando no cemitério

Muitas histórias se contam

Cada um a seu critério

Para uns sendo bandido

Por uns sendo absolvido

Prá outros levado a sério.

Sua cova no cemitério

É alvo de bons cuidados

E a que consome mais velas

Quando é dia de finados

Tem missa, tem romaria,

Da cidade e cercania

E até de outros Estados.

Muitos fatos infundados

São ditos a seu respeito

Como pegar uma moça

Cortar os bicos dos peitos

Matar criança espetada

São estórias comentadas

Que esse cabra tinha feito.

Médico, padre e prefeito

Imperam no meu sertão

Quanto menor a cidade

Mais cresce essa opinião

É o folclore nativo

Que tem de continuar vivo

E mantida a tradição.

Mas em uma região

De muita fama e renome

A espiritualidade

Alimenta e mata a fome,

Tem padre, médico e prefeito

Mas dentro desse conceito

Devoção tem outro nome.

A fé que a todos consome

Naquele sertão ordeiro

Atribuiu-se aos milagres

De um extinto cangaceiro

Que antes de ser bandido

Foi um soldado querido

Do Exército Brasileiro.

Agricultor e vaqueiro

Com vinte anos de idade

Veste a farda do Exército

Pleno de felicidade

Por todos muito querido

Até se ver envolvido

Nas garras da falsidade.

O amor, seis anos mais tarde

Lhe jogou no banditismo

Um ano e pouco no cangaço

Depois o profundo abismo

Morreu sem ter se vingado

Tornando mais ampliado

Nos fiéis o fanatismo.

Dentro desse idealismo

No dia de Santo Antonio

Ele foi assassinado

Tornando santo um demônio

Prá o Nordeste uma contenda

Prá Mossoró uma lenda

Prá Buíque um patrimônio.

Um santo, um anjo, um demônio

Fazem parte da vidinha

Desse povo sertanejo

Que acredita em, meisinha

Não se dobra a sacrifício

cura qualquer malefício

Com bendito e ladainha.

Infeliz de quem caminha

Sem uma meta, sem um tino,

Crendo ou descrendo da sorte

Ninguém foge ao seu destino.

Deus é constante presença

Ná fé, na vida, na crença

Do matuto nordestino.

Comandante virgolino

Imperador do sertão

Conselheiro, o Bom Senhor,

Vitalino o artezão

Padim Ciço o milagreiro,

Jararaca, o cangaceiro,

O Santo de devoção.

Sr. José Medeiros

Parabéns pelos ótimos versos do seu

cordel Os Direitos dos Animais. são

poucas as pessoas que se preocupam

com a sorte dos nossos irmãos na

natureza.

Fiquei admirada que o Senhor houvesse

escolhido esse tema para um cordel, mas

acredito que a aceitação esteja sendo boa,

especialmente da parte de quem gosta de

bichos.

Vemos muitas injustiças feitas contra esses

seres sem que se levantem vozes dispostas

a proteger. Injustiças as mais diver-

sas, sem ter quem se interesse real-

mente pela condição dos animais.

Tudo isso são problemas que o escla-

recimento deve vir em socorro, mas

como eu disse, são poucas as pes-

soas preocupadas com a sorte dos

infelizes.

Graças a deus já estão surgindo enti-

dades que vem agindo em socorro da

condição animal, tanto no Brasil quanto

fora daqui.

O Sr. está parabenizado pelo seu

cordel, pois é uma forma de esclareci-

mento, de aconselhamento no trato com

a fauna.

Peço que continue usando sua literatura

em benefício dos animais, pois se não

conseguir reconhecimento aqui na terra,

ao invés, até dissabores, Deus o irá re-

compensar por sua atitude de bondade.

Sou funcionária pública, trabalho no Hos-

pital Universitário de Campina Grande.

Busco organizações que ajudem com

medicamentos, alimentos, panfletos,

ajuda financeira. Caso o Sr. se interesse,

enviarei alguns, para que o Sr. procure

ajuda para continuar publicando

seus cordéis.

Disponibilizo meu endereço para contato.

Edileuza Franco Vega

Série Cangaceiros, Vol. XIV

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T1981488
Classificação de conteúdo: seguro
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