JESUINO BRILHANTE, O CANGACEIRO FANTASMA

Quando se fala em cangaço

Só se lembra de Lampião

Pois só ele fez história

Em todo nosso sertão

Um poderoso bandido

Que se tornou conhecido

Por essa imensa Nação.

Mas antes de Lampião

O cangaço já existia

Muitos viraram bandidos

Nem sempre porque queria

Nesse torrão nordestino

Ele mesmo, Vírgulino

A outro bando pertencia.

Ainda na monarquia

O cangaço começou

Devido a impunidade

Que o Império reinou,

Coronéis, Senhor de Engenho

Exerciam com empenho

O seu papel de opressor.

Mas o instinto traidor

Nem sempre foi triunfante

Daí tornar cangaceiro

Bons e honestos sitiantes

Meia-Noite, Cabeleira

E também Sinhô Pereira

Foram fazendeiros antes

O Cangaceiro Brilhante

Que é dele que eu vou falar

Um homem de bens e posses

Uma família exemplar

E se tornou um bandido

De tanto ser perseguido

No Estado Potiguar.

Quando nasceu e o lugar

Há vários depoimentos

O ano é quarenta e quatro

E o século, Mil e Oitocentos

Janeiro ou Março é o Mês

Dia dois ou vinte e seis

Não se prova em documentos

Entre intrigas e tormentos

Nasceu e foi batizado

Com o nome de Jesuíno

Alves de Melo Calado

Local, Vila de Patú

Na região do Açú

E Rio Grande o Estado

Jesuíno era casado

Tinha bonita família

Dona Maria a esposa

Um filhinho e quatro filhas

Legalmente trabalhavam

E a todos maravilhavam

Por aquelas redondilhas.

Amansador de novilhas

Bom vaqueiro e lavrador

Brilhante era o apelido

Que alguém um dia botou

Por brilhar como vaqueiro

No prado ou no espinheiro

E o apelido pegou.

Como todo agricultor

Amava o campo e a paz

Resignado com a vida

Porém tudo o que se faz

Tendo Deus no coração

Gera inveja e ambição

Dos filhos de satanás.

Por aqueles carrascais

O mal também imperava

Pois Deus mandava a farinha

O Diabo o saco rasgava

E a justiça que é cega

Nem sempre numa refrega

O lado bom acertava.

Onde Brilhante morava

Com toda reputação

Havia na vizinhança

Uma família Limão

Uns pretos arruaceiros

Atrevidos, desordeiros

Que tinham parte com o cão.

Toda aquela perfeição

Da família Jesuíno

Cai por terra num momento

Por causa do desatino

De um Limão assaltante

Que invade o sitio Brilhante

E lhe carrega um caprino.

Não bastando o desatino

Um dia lá em Patú

Honorato, um dos Limão

No meio de um sururú

Dá uma surra num menino

Que era irmão de Jesuíno

Com um relho de couro cru.

Tava formado o angú

Daquela desunião

Honorato a Vangloriar-se

Juntando o insulto à agressão

Ainda manda um recado

Prá Jesuíno ter cuidado

Senão tinha outra lição.

Jesuino vendo o irmão

Com o corpo eslapiado

Chegando em casa chorando

E lhe dando o tal recado

Perde toda a compostura

E se entrega a loucura

Por se ver desafiado.

Em seu cavalo montado

Parte louco em disparada

Encontra o preto Honorato

E dá-lhe uma punhalada

E continua furando

Deixa o negro agonizando

E a guerra declarada.

Foi-se a vida sossegada

Do lavrador e vaqueiro

Em seu lugar aparece

Um terrível cangaceiro

Perseguido da polícia

Condenado da justiça

Virou ele um justiceiro.

Um homem honrado e ordeiro

Tornou-se um fora-da-lei

Dona Maria, perseguida,

Desprovida do seu rei

Evadiu-se sem destino

Foi encontrar Jesuino

Junta com a sua grei.

Como se deu eu não sei

Esse encontro casual

O pai e o irmão perseguidos

Fugiram para Natal

Mas foram aprisionados

E ambos trancafiados

Na cidade de Pombal.

Agora no matagal

Jesuíno o cangaceiro

Escondeu sua família

Na Serra do Cajueiro

E na caatinga vagando

Ia passando e formando

Seu bando de desordeiros.

Ficou sendo um justiceiro

Esse terrível bandido

Assaltando os potentados

Distribuindo aos desvalidos

Como o terror da nobreza

E o defensor da pobreza

Ficou sendo conhecido.

Chega-lhe então aos ouvidos

A fatídica informação

Que em Pombal estavam presos

O seu pai e seu irmão

Junta sua cabroeira

Dizima a cidade inteira

E os liberta da prisão.

A seca na região

Começa a matar gado

No ano setenta e sete

E o Governo do Estado

Acudia no momento

Enviando mantimentos

Ao povo necessitado.

Mas tudo era desviado

Para a rica fidalguia

Porque já naquele tempo

A corrupção existia

Jesuíno se emboscava

Os comboios assaltava

E aos pobres distribuía.

A policia perseguia

Mas sua luta era em vão

Jesuíno, agora junto

Com seu pai e seu irmão

E uma grande cabroeira

Se entocavam nas trincheiras

Das serras da região.

Mulher e filhos num vão

Da serra do Cajueiro

Chamado Casa de Pedra

Seguiam o cangaceiro

Nas partilhas ajudavam

Nos combates se esquivavam

Por ordens do bandoleiro.

Já trinta e cinco janeiros

Completara Jesuíno

Fazendo o bem à pobreza

Fazendo o mal a granfino

O sertão o idolatrava

A cidade o condenava

Foi assim o seu destino.

Mas um dia, sol a pino

Jesuíno é emboscado

No ano setenta e nove

No interior do Estado

Da Paraíba do Norte

Por um cerco muito forte

Volantes de três Estados.

Dezembro tinha chegado

Já chovia no sertão

Tomba morto Jesuíno

Seu pai também seu irmão

E quase todo seu bando

Ou correu ou foi tombando

Tingindo de sangue o chão.

Foi a maior danação

De defunto pelo mato

Cidade Brejo do Cruz

Ainda conta esse fato

O sangue formava enchente

De policia um contingente

Era grande o aparato.

Termina o primeiro ato

Da história de Jesuíno

Brilhante, sujeito honrado

Que por força do destino

Se viu marginalizado

E ao cangaço fadado

No interior nordestino.

No solo potiguarino

Outro fato acontecia

Que lembrava Jesuíno

Fosse noite ou fosse dia

E durou mais de dez anos

Segundo interioranos

Que ali tinham moradia.

Primeiro sua montaria

O cavalo Zelação

Que sempre o acompanhou

Nas festas de apartação

E no tempo de cangaceiro

Foi seu fiel escudeiro

Nas caatingas do sertão

Vendo seu amo no chão

Em meio a outros bandidos

Zelação deu um relincho

E pulou enfurecido

Em cima dos policiais

Atingindo uns dez ou mais

Antes de ser atingido.

Cai no chão desfalecido

Se levanta sem demora

Roda feito um redemonho

Dá um estouro e se evapora

Dentro do mato fechado

Nunca mais foi encontrado

A partir daquela hora.

Por este sertão afora

Se crer em assombração

Até mesmo o litoral

É rico em superstição

Casa velha é assombrada

Fantasma é alma penada

Milagre é religião.

O cavalo Zelação

Foi mais um fantasma novo

Que saia nas estradas

Por aqueles sorocôvos

Atropelando animais

Derrubando vegetais

Causando terror no povo

O povo antigo e o novo

Conhecem sua proeza

Durante o mês de Dezembro

Um relinchar com tristeza

Se escuta no arrebol

Do nascer ao por do sol

Enlutando a Natureza.

Quando qualquer esperteza

Se fazia no sertão

Contra agricultores pobres

Já surgia Zelação

Expulsando os opressores

Causando terríveis dores

Ao autor da opressão.

Depois a aparição

Do dono do animal

Começou ser percebida

Por toda zona rural

Como um raio reluzente

Defendendo sua gente

De quem lhe fizesse mal.

No cinturão um punhal

Um bacamarte de prata

Um gibão todo vermelho

Uma potente chibata

Um fantasma cangaceiro

Atacando os fazendeiros

Que cruzasse aquelas matas.

Ou ficção ou bravata

Em qualquer ocasião

Quem praticasse injustiça

Nos caminhos do sertão

Onde estivesse morria

Somente os tiros se ouvia

E o tropéu de Zelação.

Encerrando a narração

Desse fantasma bisonho

Que foi na vida um fiel

Devoto de Santo Antonio

E perdeu sua liberdade

Por impetuosidade

Das trapaças do Demônio.

Ver a terra era seu sonho

Nobre terra do sertão

Com o povo repartida

Pelo sol da partição

Seu sonho foi destruído

E o transformou num bandido,

Um perigoso ladrão.

Os pobres do meu sertão

Muito se beneficiaram

Com Jesuíno Brilhante

E muitos lhe acompanharam

Em sua luta cangaceira

Até a hora derradeira

Em que o assassinaram

Pois os ricos se juntaram

Com o governo da Nação

Lhe botaram emboscada

E ele morre à traição

A sua luta fenece

Mas o povo não esquece

Sonha com ele o sertão.

O desmando, a corrupção

Não inventaram hoje em dia

Essas chagas sociais

É herança da monarquia

Negro e bicho de curral

Pobre, índio e marginal

Tinham a mesma valia.

Deus nos deu soberania

Prá viver em Santa Paz

Mas quem junta mais um pouco

Sempre quer um pouco mais

Ao pobre prejudicando

Vai mais e mais se aliando

Aos filhos de Satanás.

Está escrito nos anais

Do velho Matusalém

Quem trabalha e mata a fome

Não come o pão de ninguém

Quem junta fama e renome

E ganha mais do que come

Sempre come o pão de alguém.

Vem do tempo do vintém

O ditado popular:

Quem quiser ser bom que morra

Ou acerte no milhar.

Porque pobre vivo e peste

É coisa que no nordeste

Só serve prá atrapalhar.

Não adianta negar

Que Deus faz nosso destino

De acordo com nossas posses

Como fez com Jesuíno

Que era honrado na pobreza

Por não possuir riqueza

Transformou-se em assassino

Assim como Antônio Silvino

Vítima de um coronel

Lucas da Feira era um negro

Escravo de um infiel

Sinhô Pereira era nobre

Meia Noite, sobrinho pobre

De um senhor rico e cruel.

Neste antigo carrossel

Cada vez mais viciado

Ainda tem gente que diz

Que o mundo está virado

Desaprovo a peito aberto

Pois acho que o mundo é certo

O povo é quem está errado.

Sei que a muitos desagrado

Com esta conjeturação

Mas acho que o cangaço

Acabou-se no sertão

Prá surgir mais reforçado

Nos gabinetes dourados

Dos poderes da Nação.

Se cangaceiro é ladrão

Só uma diferença há

O antigo roubava os ricos

Para a pobreza ajudar

O de hoje, engravatado

Tira do necessitado

Prá se beneficiar.

Lampião no seu lugar

Foi um homem alvissareiro

Saturnino um satanás

Vestido de fazendeiro

Tramou, urdiu, só parou

Quando viu que transformou

Vírgulino em cangaceiro.

Hoje pelo mundo inteiro

Em tudo há corrupção

No lugar das carabinas

Tem gravata e jaquetão

Também no nosso Brasil

Com caneta e sem fuzil

Ta cheio de Lampião!!!

Série Cangaceiros, Vol. IV

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Reeditado em 01/02/2011
Código do texto: T1981112
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