LAMPIÃO, O REI DO CANGAÇO - PARTE 1

Existem muitas histórias

Sobre este bandoleiro

Eu também tenho direito,

Baseado no roteiro

De fazer minha versão

Da vida de Lampião

O maior dos cangaceiros

Trabalhadores ordeiros

Família conceituada

Quatro irmãos, com ele cinco

Irmãs tinha uma cambada

Sua vida se revela

Num sítio de Vila Bela

Que hoje é Serra Talhada

O melhor na Vaquejada

Famoso em todo sertão

Foi vaqueiro e almocreve

Caçador e artesão

O filho de Zé Ferreira

Dos vaqueiros da ribeira

Vinha sendo o campeão.

Como diz a certidão

Numa tarde alviçareira

De um dia sete de outubro

Sem dar trabalho a parteira

A sua mãe consciente

Deu a luz a esse vivente

Filho do casal Ferreira.

Cresceu naquela ribeira

Com muita vivacidade

Revelando inteligência

Logo aos seis anos de idade

Traído pelo destino

Não tivera Virgulino

A luz da civilidade.

Com nove anos de idade

Foi prá escola estudar

Não era bem comportado

Mas era um aluno exemplar,

Com três meses e alguns dias

Virgulino já sabia

Ler, escrever e contar.

Só gostava de brincar

De cangaço e tiroteio

Imaginando guerrilhas

Com a meninada no meio

Se o pai saía a cavalo

Teria de acompanhá-lo

Sem de nada ter receio.

Cresceu assim nesse meio

Com vaqueiro e tangerino

Certa vez ao encontrar-se

Com um cigano peregrino

Esse ao ler a sua sorte

Só previu rastros de morte

Nas trilhas do seu destino

Sanfoneiro e dançarino

Bom poeta e repentista

Nos bailes a moçarada

Disputava sua conquista

Se uma o conquistava

As outras acompanhava

Prá não perdê-lo de vista

Tinha um defeito na vista

Na visão do olho direito

Lhe facilitando a mira

Impondo aos outros respeito

Coragem não lhe faltava

E quando alguém fracassava

Sorria bem satisfeito.

Topava onça no peito

Por dentro do matagal

Com dezessete de idade

Como era natural

Sem mudar o pensamento

Comprou seu equipamento

Pistola, alforje e bornal..

Com dezenove, afinal

Sentiu a seta do amor

Ferindo o seu coração

Por uma morena flor

No ano de dezesseis

Viu Rosa a primeira vez

E logo se apaixonou.

Era Rosa, seu amor,

A mais linda da ribeira

Em maio no encerramento

Da festa da padroeira

Em Nazaré festejada

O encontro da namorada

Com Virgulino Ferreira.

Essa fase alviçareira

Teve pouca duração

Raras vezes se encontrava

Com a flor de tanta paixão

Destino cruel serpente

Por caminho diferente

Magoou seu coração.

Deixando à parte a paixão

A família dos Ferreira

Teve um desentendimento

Com um coronel da ribeira

A briga de virgulino

Com seu José saturnino

Passou-se desta maneira:

O vizinho dos Ferreira,

Saturníno o fazendeiro

Patente de coronel

Dono de terra e dinheiro

Por causa de um morador

Nascera o grande rancor

Do futuro cangaceiro.

O morador presepeiro

Furtara sem precisão

Uns bodes de Zé Ferreira

Sendo agarrado o ladrão

Manoel Lopes sozinho

De Vírgulíno o padrinho

O levou para a prisão.

Zé Saturníno, o patrão

Ficou muito aborrecido

Ao ver o seu morador

Trancafiado, oprimido.

Por um simples inspetor

De quarteirão sem valor

Humilhado e perseguido

Rancoroso e decidido

Vingou-se nos animais

Da fazenda dos Ferreira

Com seus instintos brutais

Ante essa situação

De baixa perseguição

Surgiram golpes brutais

Entre as famílias rivais

Cada qual mais soberana

Campeava a ignorância

Infernal e desumana

Naqueles termos tão feios

Emboscadas, tiroteios

Havia toda semana.

Prevendo a sorte tirana

Com os filhos dessa maneira

Para evitar novas lutas

Mudou-se prá outra ribeira

Poço do Negro escolhido

Foi o canto preferido

Do senhor José Ferreira

Passou-se uma semana inteira

Sem agressões e sem nada

Até que Zé Saturníno

Chegou perto da morada

Dos seus rivais inimigos

Sem respeitar os perigos

E caiu numa emboscada.

Ferido Antônio a facada

Cresceu do ódio o efeito

Adolfo de Vila Bela

Doutor Juiz de Direito

Junto a Cornélio Soares

Cada qual em seus lugares

Fazem um acordo perfeito.

Mas aí não teve jeito

Porque os Ferreira um dia

Foram fazer uma visita

A Joaninha, sua tia

Saturníno sabedor

Manda um negro morador

Emboscar na travessia

O negro que emboscaria

Malvado como serpente

Comia carne de cobra

Bebia sangue de gente.

As feras não se encontraram

Os meninos regressaram

Por caminho diferente

Com um ano mais prá frente

Regressava Saturníno

Da feira de Nazaré

Desconfiado e ladino

No meio da caminhada

Caira numa emboscada

Dos irmãos de Vírgulíno.

Porém José Saturníno

Não temia prejuízo

Já deixou o velho Ferreira

A noite de sobreaviso

Respondendo ao tiroteio

No dia seguinte veio

Foi um dia de juízo..

Saturníno foi preciso

E atacou a moradia

De Vírgulíno e a avó

Naquele dantesco dia

José Guedes foi ferido

Companheiro destemido

Que aos Ferreira defendia

As baixas acontecia

Com freqüência e profusão

Balas cortavam o ar

Corpos rolavam no chão

Por dentro da mata bruta

Só abandonaram a luta

Por falta de munição.

Segunda acomodação

Nova palavra empenhada

Com pouco tempo depois

Toda jura foi quebrada

Ninguém cumpriu o dever

O termo do bom viver

Não estava influindo nada.

Difícil prá Ferreirada

Desse jeito continuar

Morando perto de alguém

Sem nunca a paz encontrar

Já cansada de vigília

Mudou-se a dita família

Para um distante lugar.

As chances de trabalhar

Não estavam nada boas

José Ferreira e Maria

Os filhos e outras pessoas

Encontraram vida franca

Em Matinha de Água Branca

No Estado de Alagoas.

Mas tiveram vidas boas

Por alguns meses somente

José Ferreira vivia

Perturbado seriamente

Pela mudança forçada.

A família injustiçada

Pensava bem diferente.

Os Ferreira renitentes

Falavam sempre em vingança

A venda dos seus pertences

O prejuízo, a mudança

Pelos demais perseguidos

Quase trinta anos perdidos

Vendo já morta a esperança.

E ficaram na estância

Sem da roça se afastar

Deixando Zé Saturníno

Uns dias acreditar

Na impossibilidade

De algum tempo na verdade

A família se vingar

Em casa a se acumular

Rifles, bornais, munição

O ódio, o rancor, a mágoa

Consultaram o coração

Matilde junto a Marinho

Com os Ferreira bem cedinho

Atacaram o valentão.

Marinho era homenzarrão

E Matilde homem valente

De Vírgulíno Ferreira

Eram amigos e parentes

Peritos na carabina

Doidos por carnificina

Ferozes como serpentes

Acordaram finalmente

Sob intenso tiroteio

O coronel Saturníno

Cinco horas de aperreio

Queimaram fazenda e gado

Vendo o velho baleado

Fugiram daquele meio.

Porém Saturníno veio

Vingar-se da grosseria

José Ferreira imitava

Um judeu sem moradia

Surge outro abalo febril:

Em vinte, a quatro de abril,

Faleceu Dona Maria.

O velho então voltaria

Pra o solo pernambucano

Foi morar em Pariconhas

Coberto de desengano

Pra aumentar a confusão

Prenderam seu filho João

Num gesto bem desumano.

Chegando a notícia aos manos

De tão grande covardia

A casa do delegado

Invadiram no outro dia

Da sala até o poleiro

Não deixaram nada inteiro

Lá em sua moradia.

Depois da pancadaria

Da casa do delegado

Zé Lucena com a volante

Atacou de lado a lado

Dos Ferreira a residência

E o velho sem resistência

Perde a vida fuzilado.

Os meninos no roçado

Escutaram a quebradeira

Correram, encontraram o corpo

Do velho José Ferreira

Juraram naquele dia

Que o seu luto seria

Rifle, bala e cartucheira.

Surge a vida cangaceira

Dos filhos de Vila Bela

João Ferreira ficou

Com o encargo da tutela

Num compromisso fiel

Cuidando de Ezequiel,

Das manas com a parentela.

João saiu de Vila Bela

Vivendo igual forasteiro

No ano de vinte e sete

Fôra preso em Juazeiro

Pelo sargento Firmino

Famoso como assassino

Que o levou até Salgueiro.

As irmãs do cangaceiro

Nenhuma ficou solteira

Uma casou com Virgínio

Sendo fiel companheira

E ainda mais quatro havia

Amália, Angélica, Maria

E Virtuosa Ferreira.

Nas batalhas cangaceiras

O Valente Virgulino

Tinha ao seu lado três manos

Cada qual o mais ladino

Brigavam até com o demônio

Ezequiel e Antônio

Ferreira junto a Levíno.

Dos irmãos de Virgulino

Era o Levíno Ferreira

Afoito e muito valente

Dentre toda cabroeira

O primeiro assassinado

Num tiroteio cerrado

Pelo tenente Oliveira.

Na zona caririzeira

Do estado paraibano

No ano de vinte e cinco

O bravo pernambucano

Perde a vida de repente

Lampião profundamente

Sente esse golpe tirano.

Antônio Ferreira, o mano

Mais velho da irmandade

Sisudo, de olhar sombrio,

Sua maior qualidade

Era atacar de surpresa

Deixando a volante presa

A sua própria vontade.

Uma simples fatalidade

Fulminou o bandoleiro

Lá na Fazenda Pipocas

De Ermíno do Umbuzeiro

Uma arma escorregou

E ao cair detonou.

Acertando o cangaceiro.

Ezequiel, o derradeiro

Dos irmãos de Virgulino

Entrou para o banditismo

Ainda quase menino

Era um grande atirador

Recebendo sem favor

O apelido Ponto Fino.

Em trinta e um veio a pino

Na Fazenda Capoeira

No Estado da Bahia

Num dia de quinta-feira

Tinha cercado o tenente

Arsênio, homem valente

Que odiava os Ferreira

Por uma bala certeira

Atrás de uma cerca forte

Foi Ponto Fino alvejado

Ferido não teve sorte

Lampião não se consola

Sacou de uma pistola

Antecipando-lhe a morte.

Mesmo sendo um homem forte

Sentiu um abalo profundo

Um irmão preso e três mortos

Se viu sozinho no mundo

Mas sua fiel cabroeira

Ergueu a sua bandeira

Sem desprezá-lo um segundo.

Criou fama e todo mundo

Quis conhecer Lampião

Mas esse mesmo bandido

Queria ser capitão

Resolvendo o cangaceiro

Visitar o Juazeiro

Do Padre Cícero Romão.

Mas em outra ocasião

Eu conto tudo depois

Conheça logo essa história

Que minha rima propôs,

Seguindo o mesmo roteiro

A morte do cangaceiro

Virá no volume dois.

Série Cangaceiros, Vol. II

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Reeditado em 15/02/2017
Código do texto: T1981105
Classificação de conteúdo: seguro
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