ZÉ PEITICA, O CANGACEIRO VINGADOR

Trechos do Cordel:

Essa história do cangaço

Já faz parte do passado

Mas o tema é tão intenso

Que continua estudado

Quando algo é descoberto

Vou conhecê-lo de perto

Pra deixá-lo registrado.

Desde o tempo do reinado

Tem cangaço e confusão

Tem coronel que oprime

Tem vítima de humilhação

Não se conhece o começo

Mas terminou com o tropeço

Do bando de Lampião.

Também no nosso sertão

Tinha muitos malfeitores

Bem antes de Lampião

Desde os colonizadores,

Acabou a escravidão

Mas surgiu a corrupção

E os coronéis opressores.

Lá no Pajeú de Flores

Foi grande o foco tirano

Mas Rio Grande do Norte

Sergipe, solo baiano

E deste que vou falar

Situou-se entre o Ceará

E o chão paraibano.

Um coronel soberano

Fundou o seu povoado

Pra acoitar cangaceiros

Provindos de outros Estados.

Lá na Serra da Guariba

Divisa da Paraiba

Ficava o seu arruado.

Tudo era combinado

Do jeito que ele queria,

Ao som de um búzio de chifre

De todo canto saía

Cangaceiro bem armado

Para atender o chamado

Quando confusão havia.

No Ceará existia

Outro grupo desordeiro

Chefiado por Zé Calango

Facínora, carniceiro,

Um cangaceiro infiel

Rival do tal coronel

Aqui citado primeiro.

Se encontraram os cangaceiros

Na divisa dos Estados

De Calango a Coronel

Foi morte pra todo lado,

Dentre os que ali perecera

Coronel também perdera

Seu principal «pau mandado».

Por ser um seu agregado

O coronel protegeu

A viuva e a filharada

Do capataz que morreu

Porque o mais taludinho

Só contava treze aninhos

Quando tudo aconteceu.

Mas esse não esqueceu

Aquela desventurança

Jurou que quando crescesse

Ao pai fazia vingança.

O tempo foi se passando

E ele se preparando

Com a promessa na lembrança.

Não tardou nada a criança

Foi se tornando um rapaz

Mesmo baixinho e raquítico

Tinha instintos animais

Com a mãe no desengano

Decidiu que o seu plano

Não podia esperar mais.

Despediu-se dos demais

Na casa da mãe querida

Alegando ir trabalhar

Para melhorar de vida

Mas foi falar com o patrão

Pois queria proteção

Na vingança prometida.

Com a ajuda prometida,

Já empreendendo o traslado...

Mas só agora me lembro:

Seu nome não foi citado.

José Martim Concebido,

«Zé Peitica» o apelido,

Tá o dito apresentado.

Tava o estopim queimado,

O coronel que acendeu

Lhe dando as coordenadas,

Ele se fortaleceu

Preparou seu matulão

Se despediu do patrão

E na noite se perdeu.

Quando o dia amanheceu

Já estava no Cariri

Sabia que os Calangos

Aprontavam por ali.

Com sua obstinação

Caminhou na direção

Das terras de Mauriti.

Veio logo a descobrir

O paradeiro do bando

Debaixo das oiticicas

Em redes se balançando

E antes de um plano traçado

Já viu-se todo cercado

E os cabras lhe interrogando.

Foram pra o chefe levando

O menino amedrontado

Mas não tremeu nem correu

Respondendo com cuidado,

Se dizendo sem ninguém

Que a ele fizesse um bem,

Era um abandonado.

«Eu sou aqui deste Estado,

(Zé Peitica respondeu)

Só como quando me dão

Não tenho nada de meu.

Preciso é de trabalhar

Mas ninguém quer empregar

Um sambudo como eu.

- Como é o nome seu?

- O povo me chama João.

- Você não tem sobrenome?

Respondeu: - Acho que não.

- Seu pai também é daqui?

Responde: - Não conheci,

Diz que era um tá de Pedão.

Calango responde: - Então

Vá ficando por aí

Cuidando dos animais.»

Peitica começa a rir.

«Prá cuidar de animais

Garanto que ninguém faz

Como eu no Cariri!

- Você vai ficar aqui

Mas tá sendo vigiado

Qualquer besteira que faça

Será logo degolado,

Se fizer tudo direito

Ganhará nosso respeito

E viverá sossegado.

- Patrão fique descansado

Porque eu não vou morrer,

Se depender de serviço

Muita coisa sei fazer

Me dê comida e dormida

Pois o que eu tenho é a vida

E isso não quero perder.

E começou a viver

No meio dos cangaceiros

Bajulando Zé Calango

Se tornando um cavaleiro

Tratava com devoção

O cavalo do patrão

Um puro sangue ligeiro.

E passou-se um mês inteiro

O bando se acostumando

Com o garoto franzino

A um ou outro ajudando

Mas ao chefe dedicado

Dormindo sempre ao seu lado

Os seus passos vigiando.

Zé Calango conversando

Com Peitica um certo dia

Deu de presente um punhal

Coisa de grande valia

Pois este punhal ferino

Matou o pai do menino,

Mas Peitica não sabia.

Calango com soberbia

Contava o acontecido

Sem suspeitar que Peitica

Quase cai desfalecido.

Com aquele punhal na mão

Ficou o seu coração

Muito mais enfurecido.

Certa noite, decidido,

Com seu plano arquitetado

Quando todo acampamento

Dormia despreocupado

Peitica se levantou

Saiu e logo voltou

Com o cavalo arreado.

Calango em sono ferrado

Sem qualquer perturbação

Peitica mete-lhe o aço

Com tanta obstinação

Saciando sua sede

Varou-lhe o corpo e a rede

E quase furava o chão.

Repetindo sua ação

Crava o punhal novamente

Só o urro do engasgo

Sonoriza o ambiente,

Se embrenha na serrania

Por volta de meio dia

Se encontra com sua gente.

Sua mãe muito contente

Com seu filho retornado

Que lhe disse satisfeito:

«Seu marido tá vingado

O nosso pai já descansa

Eu cumpri minha vingança

E o matador é finado.»

Com o coronel do seu lado

Muitas lutas enfrentou

Noutra refrega que teve

Outro Calango matou

Sem fanatismo, sem glória

E eu concluo a história

De Peitica, o vingador.

Série Cangaceiros, Vol. XXIII

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/12/2009
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T1981081
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