menino poeta

MENINO POETA

Esta saga é minha vida

Bem discreta e sem remoque

Eu nasci em Não Me Toque

Dessa terra sul querida

donde saí aos doze anos

Ao tropel dos desenganos

Por não ter outra saída.

Fui guri bem simplesinho

De pai pobre e muito antigo

Foi meu pai e meu amigo

Minha mãe foi um carinho

Conto em dedos das duas mãos

Nono eu fui dos dez irmãos

De pais rijos um cadinho

No meu tempo tinha caça

Pomba, gralha e saracura

E outros bichos em fartura

Com mondéu que tudo laça

Eu pegava até jacu.

Mas também tinha urutu

Causadora de desgraça

O trabalho, a agricultura,

terra fértil mas sem sorte

foi de peste e de morte

nossa lida sem fartura.

Gado morre e se extermina

e porco há com peste suína

debulha então a estrutura.

Em cinquenta foi a gota

que entornou o copo d’água.

Morre o irmão. Oh! quanta mágoa!

O acidente em plena rota.

Pouco antes do acidente

como narro logo à frente

mais um pau de digna nota

Quarenta e oito os voadores:

fazem nuvens gafanhotos;

morrem aves; roubam potros;

mil desgraças; muitas dores.

Em angústia muito forte

co’a cigana viu a sorte

que lhe disse entre horrores:

passe sobre grandes águas,

nos azares do destino

passa a sorte o pente fino,

destrói todas suas mágoas.

Veio à terra catarina,

não achou mapa da mina,

só viveu de rendas magras.

Eu voltei para o Rio Grande,

foi na década cinqüenta

quem não tem, um sonho inventa;

quem não sonha não se expande.

Quis ser padre ou vigário

"entrarei num seminário,

mesmo que tudo desande".

De Pinheiro a Aparecida

foi um ano mais ou menos;

tinha grandes e pequenos

médios tinha nesta lida.

Mais seis anos se passaram;

novo sonho deflagraram

firmei pé em minha vida.

Escrevi coisa pequena;

quando jovem sopram ventos;

realizam-se os intentos;

"enxuguei" mais meu poema.

Fiz os bolos sem farinhas;

das mulheres fiz rainhas

e incluí-me neste esquema.

Hoje, absurdo, já sou velho,

velho nada; a mente afia;

produz arte e recria

velhos temas põe no espelho.

Ainda sou o bom menino;

vejo o mundo com mais tino,

tudo e nada se assemelha.

Tanto absurdo há na terra

quantos vi ao ser criança

mas há sempre uma esperança

que ressurge após a guerra.

Quantas vezes já fui grosso

Vendo nisso o ser moço

Brinde à luz da primavera

Hoje sei que o bom senso

com a idade se esmera.

O ser jovem é ser fera

à procura do intenso

do tumulto e da vida

e com nada se intimida

nem co’o suor que molha o lenço.

Trabalhei, provi família;

bebi todas; fui boêmio.

Hoje sou homem abstêmio

o beber não mais me encilha.

Venci o imenso apetite

mas na sede sem limite

Gastei quase toda a pilha.

Hoje escrevo, a mente é o silo.

Penso que o social lirismo

são os temas do sofisma

que provocam meu estilo.

Faço crônicas de alento;

o romance também tento

pois me nego ir pro asilo

Este é o menino poeta

que nasceu lá na colônia.

Outra coisa que me enfronha,

por não ser muito discreto

e ao estudo estou devendo,

que escrevendo e aprendendo

alcancei a minha meta.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 15/12/2009
Reeditado em 15/12/2009
Código do texto: T1979433
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