NO TEMPO DA MINHA INFÂNCIA
(para minhas sobrinhas Maria Luiza, Tamires, Jade e Vitória)
No tempo da minha infância
Nossa vida era normal,
Nunca me foi proibido
Comer muito açúcar ou sal.
Hoje tudo é diferente
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal.
Bebi leite ao natural
Da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama
Com uma doença séria.
As crianças de hoje em dia
Não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria.
A barriga da miséria
Tirei com tranquilidade.
Do pão com manteiga e queijo
Hoje só resta a saudade.
A vida ficou sem graça!
Não se pode comer massa
Por causa da obesidade.
Eu comi ovo à vontade
Sem ter contra indicação,
Pois o tal colesterol
Pra mim nunca foi vilão.
Hoje a vida é uma loucura!
Dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração.
Com a modernização
Quase tudo é proibido,
Pois sempre tem uma Lei
Que nos deixa reprimido.
Fazendo tudo que eu fiz
Hoje me sinto feliz
Só por ter sobrevivido.
Eu nunca fui impedido
De poder me divertir
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir.
Não se temia a galera,
Pois naquele tempo era
Proibido proibir.
Vi o meu pai dirigir
Numa total confiança,
Sem apoio, sem air-bag
Sem cinto de segurança.
E eu no banco de trás
Solto, igualzinho aos demais
Fazia a maior festança!
No meu tempo de criança,
Por ter sido reprovado,
Ninguém ia ao psicólogo
Nem se ficava frustrado.
Quando isso acontecia
A gente só repetia
Até que fosse aprovado.
Não tinha superdotado,
Nem a tal dislexia
E a hiperatividade
É coisa que não se via.
Falta de concentração
Se curava com carão
E disso ninguém morria.
Nesse tempo se bebia
Água vinda da torneira,
De uma fonte natural
Ou até de uma mangueira
E essa água engarrafada,
Que diz-se esterilizada,
Nunca entrou na nossa feira.
Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado.
Ter alguns dentes partidos
Ou um joelho arranhado.
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado.
Nunca fui envenenado
Com as tintas dos brinquedos.
Remédios e detergentes
Se guardavam, sem segredos.
E descalço, na areia
Eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos.
Aboli todos os medos
Apostando umas carreiras,
Em carros de rolimã
Sem usar cotoveleiras.
Pra correr de bicicleta
Nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras.
Entre outras brincadeiras
Brinquei de Carrinho de Mão,
Estátua, Jogo da Velha,
Bola de Gude e Pião.
De mocinhos e Cawboys
E até de super-heróis
Que vi na televisão.
Eu cantei Cai, Cai Balão,
Palma é palma, Pé é pé,
Gata Pintada, Esta Rua,
Pai Francisco e De Marré.
Também cantei Tororó,
Brinquei de Escravos de Jó
E o Sapo não lava o pé.
Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar.
Peixe nenhum eu pagava,
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar!
Tomava banho de mar
Na estação do verão,
Quando papai nos levava
Em cima de um caminhão.
Não voltava bronzeado,
Mas com o corpo queimado
Parecendo um camarão.
Sem ter tanta evolução
O Playstation não havia
E nenhum jogo de vídeo
Naquele tempo existia.
Não tinha vídeo cassete,
Muito menos internet,
Como se tem hoje em dia.
O meu cachorro comia
O resto do nosso almoço.
Não existia ração,
Nem brinquedo feito osso.
E para as pulgas matar
Nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço.
E ele achava um colosso
Tomar banho de mangueira
Ou numa água bem fria
Debaixo duma torneira.
E a gente fazia farra
Usando sabão em barra
Pra tirar sua sujeira.
Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular.
De manhã ia pra aula,
Mas voltava pra almoçar.
Mamãe não se preocupava,
Pois sabia que eu chegava,
Sem precisar avisar.
Comecei a trabalhar
Com oito anos de idade,
Pois o meu pai me mostrava
Que pra ter dignidade,
O trabalho era importante
Pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade.
Mas hoje a sociedade
Essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai
Dar trabalho a uma criança.
Prefere ver nossos filhos
Vivendo fora dos trilhos
Num mundo sem esperança.
A vida era bem mais mansa,
Com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes
De tudo que a gente fez.
Por isso tenho saudade
E hoje sinto vontade
De ser criança outra vez.
Recife, 11 de dezembro de 2009