A fuga das galinhas (ou um espinho no pé)
Era uma vez um galinheiro
Que morava na cidade grande
Onde luzes e automóveis
Deixavam o ar triunfante
Embora cansado e sujo
Um ambiente aconchegante
No pedestal que morava
Só um galo cantava
Eu sou o rei do galinheiro
Não o chefe do puteiro
Devem todas me servir
Sou eu o dono daqui
Mas o que não esperava
O galo que cantava
Era a rebelião
Tremenda confusão
Um motim iniciava
Num galinheiro se contava
Numa noite de lua
Sai o galo a passear
Enquanto as galinhas
Estão a tricotar
O marido faz a farra
As galinhas nem pensar
Foi antes do sol raiar
Bem depois que ele se pôs
No abrigo da noturna
Comeram milho com arroz
Elas tavam decididas
Quem sabe fugir depois
Mas o grande rei chegou
Tinha outro na barriga
Com aquilo se espantou
Ao ver movimento assim
Todas bem obedientes
Desta vez foi um motim
Muito espantado disse
Parem já com a gritaria
Galinhagem no terreiro
Só com minha autoria
Venham todas se deitar
Amanhã é novo dia
Todos dormindo estavam
O galo até roncava
Mesmo quando cochilava
Na profunda ignorância
quase sempre na ganância
De tanta mulher assim
Pois a fuga era certa
Naquela noite deserta
Tudo isso ia assim
O país dorme pesado
Elas pedem liberdade
E direitos sem fim
Antes do dia raiar
Todas elas ordenadas
Sem fazer um movimento
Sem estar desesperadas
A primeira pula a cerca
Com outras acompanhadas
A mais saidinha delas
Foi quem deu o grande passo
Pra fuga da liberdade
Acabando com a maldade
O dia já espertando
O galo nem desconfiando
Ele acorda o terreiro
Com seu canto infernal
Seu poder imperial
Sem resposta lá ficou
Pois no dia mais dourado
Nenhuma galinha cantou
O chefe atordoado
Sem saber o que passou
Perguntou pelas galinhas
Mas ninguém lhes informou
Apenas ouviu resposta
Da única que ficou
Ela disse ao seu amor
Que todas fizeram fuga
Pois na terra tudo ajusta
E quem paga ao sofredor
Sem temer algum pudor
É o justo salvador
Foram todas eu fiquei
Pra contar o que o rei
Pode ganhar ou perder
Pois tudo que é de lei
Na lei pode se acabar
E o decreto desmanchar
Em busca do sossego
A favor da liberdade
Cansada de tormento
Sem direito à vaidade
Fugiram todas de casa
Por um prol de igualdade
Desse dia em diante
Todo grande brasileiro
Que possui um galinha
Ou mesmo um galinheiro
Antes que vire um puteiro
Trata logo de acalmar
Vem botar um galo forte
Que sabe comandar
Sem sufoco ou sofrimento
Sem direitos lhes tirar
Apenas organizando
O que se chama de lar
Cada um no seu contento
Todo mundo no agrado
Cada qual no seu redondo
Cada um no seu quadrado
Terminando a história
Desse cordel encantado