VELÓRIO DE POBRE, VELÓRIO DE RICO.

A morte sempre nos causa

Um verdadeiro destroço

Quando se trata de pobre

É bem grande o alvoroço

Primeira preocupação

É café, merenda, almoço.

Que deverá ser servido

Pra quem vai velar defunto.

E passa a noite em claro

Tratando de todo assunto:

Do atestado de óbito

E do caixão do presunto.

Mas se o morto for um rico

Pai duma grande família

O velório já se torna

Em verdadeira quizília

Pois ali já se discute

`té divisão da mobília.

Mas se o pobre for casado

E deixar viúva e filhos,

E se não possuir bens

Não haverá empecilhos.

O que tem que dividir

Se muito um saco de milho.

Se morre uma pessoa rica

Anuncia-se no jornal.

Onde o corpo é velado

E a hora do funeral

E um livro de presença

É posto num pedestal.

Mas se o morto for um pobre

Não há qualquer anunciado

Comunica-se aos parentes

E aos vizinhos do lado.

E por falta de dinheiro

Nem o padre é chamado.

Em um velório de pobre

Só choro e lamentação.

Pois por pobre geralmente

Falta grana pro caixão.

E somente no cemitério

Tem um pedaço de chão.

O corpo posto na sala

Para poder ser velado.

O povo entrando e saindo,

Parente desesperado,

Lamentando o ocorrido

E exaltando o finado.

Já no velório de rico

Todo mundo bem calado.

A viúva fica em casa

Só sai no tempo marcado

Direto pro cemitério

Em carro bem equipado.

Um vestido bem discreto

Um véu cobrindo o rosto.

E com a ponta do lenço

Seca um pouco o desgosto,

Se uma furtiva lágrima

Lhe sai a contragosto.

Já a viúva de pobre

Chora de modo estridente.

Que é para todos verem

Como sofre aquele ente

Vez por outra dá chilique,

Desmaia permanentemente.

Em um cortejo de rico

Se vai em belo carrão

No de pobre só bicicleta,

Burro, moto, caminhão

E o povo no meio da rua

Puxando a sua oração.

Quando se vai enterrar pobre

Sai em procissão o cortejo.

Os homens levam o caixão

Para o local do despejo.

Com parada na igreja

Pra encomenda do pejo.

O choro ali se repete.

Ao chegar ao cemitério

É um novo desespero

Verdadeiro despautério.

E o povo consternado

Reza o último mistério.

Na frente as carpideiras

Cantando seu repertório.

Quando se trata de rico

Só se reza no velório.

Ou quando vai enterrado

Ou queimado no crematório.

Depois de feito o enterro

Ricos vão tratar da herança.

Os pobres preocupados

Com suas pequenas finanças.

O que aumenta mais ainda

Sua total desesperança.

Missa de sétimo dia

Vai ser logo contratada

Para o rico bela igreja

Que será bem decorada.

No dia da missa estará

Repleta, muito lotada.

Hinos sacros são cantados

Por coral muito afinado.

Numa acústica perfeita

Por um piano acompanhado.

Um livro contando loas

Com retrato do finado.

Missa pro pobre talvez

Nem mesmo seja rezada.

Se for será numa igreja

Daquelas bem acanhada.

Uma missa bem ligeira

Em que não se ouve uma toada.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, NOVEMBRO/2009

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