A viúva e o assanhado> Autor: Damião Metamorfose.

*

Com poucos dias de luto,

Ela ainda está reclusa.

Indignada com a perda,

Com a mente turva e confusa.

Lembrando as juras secretas,

Sonhos castrados sem metas,

Que até falar se recusa.

*

Não abre um botão da blusa,

Para não ser desejada.

Carrega as marcas do amor,

Que a morte como enteada.

Ceifou sem explicação,

Por isso o seu coração,

Não acredita em mais nada.

*

Recusa ir à calçada,

Papear com a vizinha.

Trancada em seu próprio mundo,

Deita e levanta sozinha.

Com a ressaca da morte,

Desdenha da sua sorte,

Fala que a vida é mesquinha.

*

Os sonhos de uma casinha,

Com varanda e um quintal.

Os dois juntos bem velhinhos,

Em sintonia total.

Já não faz nenhum sentido,

Pois tudo foi destruído,

De forma vil e brutal.

*

Tudo o que era vital,

Perdeu essência e sentido.

Pois aprendeu a enxergar,

Com os olhos do marido.

Sem ele tudo é vazio,

Só tem dor, tristeza e frio

E um presente interrompido.

*

O pouco tempo vivido,

Ao lado do seu amor.

As noites de puro êxtase,

Desejo ardente e furor.

Ficou somente a saudade...

Insônia e ansiedade

E o cheiro no cobertor.

*

Coração se esvai em dor,

Alma se sentindo morta.

Pesarosa com a tristeza,

Fecha ao mundo a sua porta.

Olhando a cama vazia,

Dia longo e noite fria,

Sem saber como suporta.

*

Mas eis que o tempo conforta,

Todo tipo de mazela.

Passa um ano e vem à missa,

Vai de negro pra capela.

Aí os olhos do mundo,

Flertam-na por um segundo,

E se apaixonam por ela.

*

Meu Deus! Que viúva bela,

Sussurra o mais assanhado.

Muda a fila, fura a fila...

Só pra ficar ao seu lado.

Com essa aproximação,

Ela entra em oração

E faz jura ao seu amado.

*

A presença do finado,

Ainda está muito viva.

Mas por se sentir carente,

Fica um pouco apreensiva.

O coração acelera,

Vaso a vaso dilacera,

Feito uma carga explosiva.

*

Mas o seu luto lhe priva,

De pensar em outro amor.

Oh meu Deus! Só faz um ano...

Diz em prece e com fervor.

O que vão pensar de mim

E por dentro o estopim,

Prestes ao detonador.

*

Mais um pouco de calor

E a bela não resistia.

Mas eis que é chegada à vez,

Da última ave Maria.

Vai pra casa pensativa

E a saudade que era ativa,

Não a faz mais companhia.

*

Ao ver a cama vazia,

Lembra um pouco do passado...

Olha pro criado mudo,

Guarda a foto do finado.

Toma um banho e se insinua,

Veste seda e sai pra rua,

Usando um bom importado.

*

E aquele mais assanhado,

Que ela viu lá na igreja.

Não demora e aparece,

Mais uma vez lhe corteja.

Com um sorriso se apresenta,

Faz um convite ou inventa,

Que é pra tomar uma cerveja.

*

Nisso os dois já se deseja,

Flertam com intimidade.

E o comentário se espalha,

Pelas ruas da cidade.

É a mulher do defunto!

O assanhado chegou junto!

Agora tem novidade...

*

Ficam tecendo maldade,

Ou outro assunto qualquer.

O esposo grita com raiva,

Pare com isso mulher!

Morreu, hoje um ano faz,

Deixe essa viúva em paz,

Que ela faça o que quiser...

*

Para o que der e vier,

Os dois pombinhos festejam.

Fazendo juras de amor,

Eles se abraçam e se beijam.

Quem os viu lá na igreja,

Não sabe o que faz a breja,

Com aqueles que se desejam.

*

Os dois já nem pestanejam,

Pedem a conta e vão embora.

Nem ligam pros comentários,

Nasce um novo mundo e agora.

Vão matar a ansiedade,

E aquela antiga saudade?

-ficou do lado de fora.

*

O desejo quando aflora,

É mais forte que um vulcão.

Desobedece aos critérios,

Assaltando o coração.

Assim foi com o assanhado

E a ex. mulher do finado,

Quando nasceu a paixão.

*

D*epois que vai pro caixão,

A*inda que exista amor.

M*ulher nem homem aguentam,

I*nsônia em seu cobertor.

A* não ser que seja santo(a)

O*u não seja um pecador.

*

Fim

11/10/2009

Damião Metamorfose
Enviado por Damião Metamorfose em 12/11/2009
Reeditado em 23/08/2016
Código do texto: T1918942
Classificação de conteúdo: seguro
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