Pra te amar eu reinvento a poesia...

para Marisa

Primeiro canto

Pra te amar faço guerra ao paraíso

1. Compro briga com Deus enfurecido,

Gente falsa com cara de aleijão,

Com polícia, meganha ou capitão,

Louco, marido frouxo e até traído;

Desafio traficante possuído,

Matador já drogado e sem razão,

Puxa-saco, covarde e valentão,

Levo todos na faca se preciso,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

2. “Caipora, saçi, bicho e visagem

Boitatá eu combato sem perdão,

Jacaré, boi-bumbá, cobra e abelhão,

Eu enfrento aqui mesmo e com coragem”;

Luto contra deserto e até miragem,

Sem vergonha eu combato viração,

Bala, flecha, boato e exibição,

No poema eu me imponho e barbarizo,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

3. Roubo banco, mercado e até cassino,

Sem temer do mais forte a ingratidão,

Faço guerra com tudo o que é malsão,

Deixo preso ao acaso o meu destino;

Vivo pleno a sonhar como um menino,

Sem desculpa conspiro contra o não,

Vendo a alma brincando como um cão,

Faço festa e alimento o meu sorriso,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

4. Canto música sacra pra doutor,

Sinfonia eu escrevo pro povão,

Boto fogo no templo de um Sultão,

Beijo a face de um Judas traidor;

Canto e deito no fogo a minha dor,

Cuspo até na mais louca tentação,

Imagino uma nova redenção,

Deixo aqui minha amada em sobreaviso,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

5. Desafio Páris, Ciro e Salomé,

Baudelaire, Dante, Homero e São João,

Bato boca com Hitler ou Salomão,

Grito ao ouvido do grande Maomé;

Ponho em teste e reafirmo a minha fé,

Não me deixo abater pelo Corão,

Se na bíblia me agarro com paixão

É porque não me canso e sempre friso:

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

6. Faço figa e protejo do olho gordo,

Madalena coberta de açafrão,

Grande Laura, perfeita floração,

Musas várias que agora não recordo;

Com ninguém faço aqui qualquer acordo,

Antes lanço no espaço a inspiração,

Cuspo versos e escrevo a distinção,

Meu poema parece com um guizo,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

7. Beijo a face do tempo mais moderno

Como um verme que aspira a imensidão,

Danço louco na boca de um vulcão,

Sem modéstia me assumo como eterno;

Tento ao Cristo sem ir para o inferno,

Guardo raio e me abrigo do trovão,

Entro em cena no palco da ilusão,

Meu teatro é o reflexo de Narciso,

Pra te amar faço guerra ao paraíso,

Lanço ao fogo o meu frágil coração...

Segundo canto

Eu enfrento um Dragão sem armadura

1. Viajo nu para um novo acampamento

Pra beber da mais lírica cultura;

Canto em verso e desenho uma escultura,

Como um louco contemplo o firmamento;

Durmo bêbado ou sóbrio ao relento,

Faço votos com fé na escritura,

Reinvento do nada a arquitetura,

Ensurdeço uma Esfinge com um grito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

2. Compro e vendo barato um novo abraço,

Levo tapa de amor com formosura,

Venço a morte sem medo ou sem censura,

Como pedra e vou longe pelo espaço;

Redefino o poema e o meu compasso,

Deixo calmo o meu gosto pela usura,

Juro amar-te pra sempre com ternura,

Transformar minha vida noutro mito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

3. Viro mesa no almoço do quartel,

Beijo a face de um anjo casca dura,

Durmo ao sol sem ter medo de assadura,

Limpo o espelho da Gôrgona cruel;

Bebo vinho estragado, sangue ou fel,

Luto contra o demônio da amargura,

Pinto o sete e reinvento uma clausura,

Faço plástica e fico mais bonito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

4. Desenvolvo o meu gosto e meu prazer

Pra por fim ao excesso de gordura,

Pago em dia qualquer literatura,

Compro máquina nova pra escrever;

Dou razão para o nada e pro não-ser,

Quebro metas com graça e com bravura,

No pretérito habito com postura,

Como carne de peixe ou de cabrito,

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

5. Faço verso de noite e boto banca,

Elegia, soneto, ode e mistura,

Verso branco, canção sem desmesura,

Verso livre, haikai e até retranca;

Da minh’alma componho uma alavanca,

Vou pra lua pagar minha fatura,

Guardo o medo e não faço travessura,

Deste amor que eu sinto faço um rito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

6. Dou porrada em moleque ou capelão

E me lanço ferroz contra a loucura,

Deixo você fazer sua ligadura,

Vou ao templo acalmar meu coração;

Rezo em paz para o meu querido irmão,

Reescrevo a história da aventura,

Roubo agora de Deus toda ventura,

Mudo a vida e me torno um erudito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

7. Danço xote, xaxado num abrigo,

Sem por isso ser só caricatura,

Nado firme pra ter musculatura,

Colho forças do olhar de um inimigo;

Brinco toda manhã com o perigo,

A mentira eu abato com lisura,

Abomino do almoço o que é fritura,

Colho paz pra evitar qualquer conflito;

Pra te amar para sempre no infinito

Eu enfrento um Dragão sem armadura...

Terceiro canto

Durmo em brasa e enfrento o linchamento

1. Vinte anos eu cumpro de prisão,

Gente doida carente de lamento,

Água-viva, pecado ou excremento,

Tudo encaro pra ter seu coração;

Virgulino de faca ou de facão,

Seca brava, chuvisco, fome e vento,

Luto contra maldade ou pensamento,

Visto a roupa sagrada de um soldado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

2. Dolar baixo, sarampo e até degredo,

Gente falsa com cara de acalento,

Coisa podre, sem gosto ou banimento,

Eu encaro na boa sem ter medo;

Faço guerra e combato desde cedo

Cada alma atolada no momento,

Chefe louco que cospe a contravento

Ponho à baixo o covarde disfarçado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

3. Mar aberto, corisco ou encruzilhada,

Chuva ácida, bomba ou adestramento,

Carnaval sem sentido ou encantamento,

Tudo enfrento com a alma abençoada;

Terremoto, controle ou trovoada,

Cara feia no sábado eu aguento,

Verão seco, ou inverno virulento,

Eu suporto até chato embriagado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

4. Cachorrada de amigo e indecisão,

Tiro cego, traição e abatimento,

Coiçe forte de mula ou de jumento,

Eu enfrento com paz e gratidão;

Cachoeira, buraco ou imprecisão,

Cadafalso, tortura ou afogamento,

Forca, sina, destino e ordenamento,

Nesta vida suporto o olhar malvado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

5. Falta d’água, prisão, febre ocular

Sacanagem, mentira e enquadramento,

Violência sem nome ou documento,

Faço frente sem medo de encarar;

Gavião, cobra cega ou carcará,

Bicho doido que causa avexamento,

Gente viva deitada no cimento,

Luto contra demônio encapusado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

6. Maldição, peste negra, homem valente,

Olho gordo, inveja e afogamento,

Covardia, malandragem ou urdimento,

Danço sobre o cadáver de quem mente;

Eu enfrento maluco e até demente,

Quem coloca veneno no alimento,

Quem conspira malícia ou investimento,

Faço guerra ao algoz mais depravado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

7. Canto glória pra quem não se render

E beijar minha face de lamento,

Dou meu corpo alquebrado e purulento

Ao herói que no verso me vencer;

Eu encaro de frente o anoitecer,

Luto contra fantasmas do advento,

Contra a raiva ferroz do agrilhoamento

Como um anjo ultrapasso o que é sagrado,

Pra te amar colho espinho envenenado,

Durmo em brasa e enfrento o linchamento...

Quarto canto

Pra te amar eu reinvento a poesia...

1. Vou ao Olimpo fazer uma fofoca,

Sem pensar na mais negra agonia,

Desafio cada Deus da fantasia,

Planto versos no céu da sua boca;

Bebo vinho na taça de uma louca,

Imagino seu rosto todo dia,

Levo à sério o segredo da magia,

Feito o sangue percorro um coração,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

2. Beijo Circe sem medo na sarjeta,

Deixo o Cíclope cego de alegria,

Grito alto e declamo uma elegia,

Danço sobre o calvário de um poeta;

Redefino meu norte e minha meta,

Salto vales, vou além da rebeldia,

Limpo o espelho do amor com simpatia,

E eu enfrento sem medo a maldição,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

3. De ninguém quero nada de divino,

Elogio, cara feia ou hipocrisia,

Vendo caro a melhor astronomia,

Não me canso de amar o meu destino;

Durmo cedo e me vejo num menino,

Bebo leito e reponho a energia,

Leio cartas de amor, filosofia,

Tudo faço com gosto e devoção,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

4. Eu trabalho e o sucesso então almejo,

Luto até contra a má fotografia,

Não permito que a vaga economia

Faça mal ao que sinto e ao que desejo;

Roubo versos sem nome, roubo um beijo,

De uma Musa sagrada e sem mania,

Volto os olhos pra boa mitologia,

Com bom senso eu combato a extorsão,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

5. Lanço ao lixo meu prato de torresmo,

Faço análise e nego a mais valia,

Um governo eu transformo em anarquia,

Na guerrilha me alisto agora mesmo;

Vivo livre vagando sempre a esmo,

Dou emprego na minha oligarquia,

Canto Ópera e tomo anestesia,

Faço um filme da mais pura ação,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

6. Compro briga com alma enlouquecida,

Tramo contra o poder da bulimia,

Acho a cura pra toda epidemia,

E mergulho de vez numa outra vida;

Luto contra saudade ou despedida

E reduzo o remédio para azia,

Deixo intacto o poder da academia,

Dou um sentido real para a eleição,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...

7. Sigo a pé pelo vale das culturas,

Ainda enfrento a mais dura tirania,

Rezo a Deus, faço até caligrafia,

Passo a limpo as sagradas escrituras;

Compro à prazo espadas e armaduras,

Travo guerra a favor da geografia,

Cumpro pena no céu com galhardia,

Abro o peito pra toda imensidão,

Sem temer desta vida a punição,

Pra te amar eu reinvento a poesia...