BIU PACATUBA - UM HERÓI DO NOSSO TEMPO

BIU PACATUBA – UM HERÓI DO NOSSO TEMPO

Cordel de Fábio Mozart

Para Maria Helena Malheiros, filha de Biu Pacatuba, pelo depoimento que resultou neste cordel.

Para “Seu Nilton”, homenagem póstuma a um companheiro das lutas sindicais em Mari, morto em tocaia.

Para Assis Lemos, um herói brasileiro.

Para Nelson Coelho, inteligência a serviço da dignidade humana.

O cordel e a legalização do Partido Comunista

“Fazia-se comícios e promovia-se atos públicos por todos os recantos do estado da Paraíba, com distribuição de material de divulgação, inclusive folhetos de cordel. A poesia popular, através dos artistas autênticos, cantada nas feiras e comícios, levava ao povo a alegria pela conquista do direito de poder saudar a nova aurora que surgia no horizonte da pátria brasileira”.

“Santa Cruz e o Jornal do Povo: uma contribuição à história das lutas sociais na Paraíba” – JOÃO BATISTA BARBOSA – Gráfica Santa Marta – João Pessoa-PB – 1985 – Pág. 109

Fábio Mozart e o cordel das Ligas Camponesas

A poesia popular nordestina, publicada em folhetos e chamada de literatura de cordel é uma das manifestações mais autênticas e pujantes da nossa cultura popular. Conta histórias, relata costumes e práticas, informa eventos e acontecidos, faz rir e gargalhar, mas também faz pensar e refletir por emanar diretamente da alma do povo, sendo para esse mesmo povo construída e pensada.

É nessa última acepção que se enquadra o folheto de Fábio Mozart "Biu de Pacatuba - Um herói do nosso tempo", que recupera para o conhecimento do público a biografia de Severino Alves Barbosa, o Biu de Pacatuba, um dos fundadores das Ligas Camponesas na Paraíba.

Em sextilhas habilmente construídas, com métrica e rima apuradas, Fábio Mozart nos conta a história de Biu de Pacatuba, herói popular, agricultor que briga com os poderosos donos de latifúndios na região de Sapé-PB; seu trabalho ombro a ombro com o também herói João Pedro Teixeira, seu companheiro de lutas, e o papel que representou na conscientização daquela população submetida a tantos anos seguidos de exploração.

Ao longo das estrofes, o leitor vai conhecendo a saga de Biu de Pacatuba: a prisão, os sofrimentos e humilhações, a perda dos bens, a pobreza, a impossibilidade de se reerguer economicamente pela pecha de "comunista", que dele afastava os financiamentos e ajudas oficiais. O autor nos faz acompanhar a história desse homem e a sua inquebrantável coragem: vendo que não podia voltar a trabalhar na agricultura, como gostava, investiu o resto dos seus bens na educação dos filhos, provando mais uma vez que tinha visão de futuro e sabia o que era mais certo.

Ao mesmo tempo em que narra a história, o autor esclarece: “O sistema só tolera/ Dois tipos de componentes:/ Os tiranos que exploram/ E os subservientes./ Os que lutam por justiça/ Serão sempre dissidentes.”

Biu de Pacatuba faleceu em 1975 e em boa hora Fábio Mozart faz esse registro biográfico para que a saga de nossos heróis não caia no esquecimento, alimentando com sua poesia, no peito dos verdadeiros brasileiros, a chama da Liberdade.

Clotilde Tavares

Quando o feroz latifúndio

Matou João Pedro Teixeira

O grande Raimundo Asfora

Fez uma frase altaneira:

Disse que matar o homem

Foi uma grande besteira

Porque heróis do seu porte

Vivem de toda maneira,

São vidas imorredouras

Lutando pela bandeira

De justiça e pão na mesa

Nesta nação brasileira.

Eles baterão nas portas

Como uma assombração

De casa grande e engenho

Para sempre viverão

Exigindo mais respeito

Para o camponês irmão,

“Gritando na voz do vento

E clamando por vingança”.

Se João Pedro não morreu

Ainda resta esperança

De se ter reforma agrária

Como bem-aventurança

Nesta terra castigada

Por séculos de injustiça

Se João Pedro não morreu

Não rezem pra ele missa

Mas empunhem sua bandeira

Dando garantia à liça.

Nas estradas de Sapé

Também outro herói passeia,

Sonhando o sonho bondoso

De ter janta, almoço e ceia

Para o seu povo querido

Que ainda hoje norteia

A vida de muita gente

Lutando contra o sistema

Assassino e impiedoso,

Exploração é seu lema.

Contra esse estado de coisa

A desavença é extrema.

Esse herói de quem falamos

Foi seu Biu de Pacatuba

Cujo sangue e o suor

Nossa terra ingrata aduba.

Foi um herói popular,

Seu nome ninguém derruba.

Para contar sua história

Fui ouvir o povaréu

Gente que viveu no tempo

Da ditadura cruel

Perseguidora do povo

Carrasco do tabaréu.

O povo que conheceu

Esse homem tão cordato

Morador de Pacatuba

Em sítio por comodato

Pertencente a Gentil Lins

Que dispensava bom trato

Ao seu morador honesto

De bondoso coração

Tanto que entregou a ele

Por confiar na gestão

O barracão da fazenda

Para administração.

O coronel Gentil Lins

Chegou ao fim de repente

E toda propriedade

Foi repassada pra frente

Passando seus moradores

A ter vida diferente.

Senhor Renato Ribeiro,

Novo dono da fazenda,

Grande latifundiário

Começou uma contenda

Com o Biu de Pacatuba

Que foi viver de moenda.

Saiu da propriedade

Mudou-se pra Borborema

Onde instalou alambique

Pra se livrar da algema

Que lhe impôs o patrão

Acabando com o problema.

Fabricava uma aguardente

Do melhor caldo de cana

Que vendia em Sapé,

Em Pilar e Itabaiana,

Resumindo: todo mundo

Tomava da carraspana.

Severino Alves Barbosa,

Era seu nome completo,

Batizou por “Vitalina”

Esse elixir predileto

Que deixava o cabra tonto,

Insolente e indiscreto.

Viveu assim por três anos

Moendo seu alambique

Até receber convite

Pedindo que abdique

Do seu engarrafamento

Em outro mistér aplique

A boa capacidade

Como administrador

Sendo preposto em fazenda

De um famoso senhor

Dono de terras e gado

Sendo mesmo abonador

De qualquer posto de mando

Na várzea do Paraíba.

Quem contrariasse o homem

Podia arrumar o quiba:

O rico perde o poder,

O pobre morre ou arriba.

Era João Úrsulo Ribeiro

Da família dos Coutinho,

Um sujeito poderoso

Porém não era mesquinho

Na sua fazenda “Una”

Seu Biu armou o seu ninho.

Depois de um ano instalado

Na fazenda do patrão,

Nosso Biu de Pacatuba

Arrumou uma paixão

Casando com dona Helena

Mulher de bom coração.

Nessa fazenda seu Biu

Tinha direito a plantar

A mandioca, o milho,

Lavoura familiar

Pra sua subsistência

Milho, feijão e cará,

Algodão, fava e arroz

Constava da produção

Do seu crescente roçado

Com grande dedicação

Ia aumentando a fartura

Melhorando a condição.

Com a vida progredindo

Ele arrendou uma terra

Na fazenda Miriri

Em um fértil pé de serra

Com um sucesso total

Daí começou a guerra.

Apareceu a inveja

Veio a desarmonia

Pois essa prosperidade

A muita gente ofendia

Sendo alvo de “olho grande”

E de muita antipatia.

Um Pedro Ramos Coutinho

Comprou a propriedade,

Logo seu Biu percebeu

A sua infelicidade

Pois o tal Pedro era um poço

De inveja e de maldade.

Esse Pedro Ramos era

Um preposto e pistoleiro

De um homem poderoso:

Senhor Renato Ribeiro

Forte latifundiário

Do Nordeste brasileiro.

O capanga dos Ribeiro

Era carrasco temido

Por todo trabalhador

Tendo a fama adquirido

Conforme seus maus instintos

Contra o povo desvalido.

Já seu Biu era o contrário:

Homem de bom coração,

Ajudador dos mais pobres

Nunca fazia questão

De auxiliar o carente

E socorrer seu irmão.

Por conta do pensamento

Muitas vezes destemido

Foi seu Biu de Pacatuba

Ficando bem conhecido

Em toda aquela ribeira

Pelo seu jeito aguerrido.

Começou a apregoar

Um ideário atrevido

Sem medo do latifúndio

Ficando comprometido

Com altas aspirações

Causando forte alarido.

Foi seu Biu de Pacatuba

Um homem socialista

E ferrenho opositor

Do patrão capitalista

Apregoando sem medo

Seu discurso comunista:

“Só para vós, camponeses,

Não existe o direito

As bênçãos da liberdade

Nunca lhe dizem respeito,

Vivendo assim nesse mundo

No desespero do eito.

Com filhos desabrigados

Sem pão nem educação,

Mas agora todos sonham

Com uma revolução

Que venha nos libertar

Da cruel escravidão.

A terra bem repartida,

Com justiça e liberdade

É a tal reforma agrária

Pra nossa comunidade

Viver bem e ser feliz

Sem tanta barbaridade”.

Isso foi calando fundo

No camponês oprimido

E apesar do grande medo

O povo foi envolvido

Pelo discurso da fé

Foi sendo amadurecido.

Seu Biu era certamente

Adverso e muito hostil

Aos homens do “posso e mando”

Os quais mantinham servil

O povo daquela terra

Em cativeiro sutil.

Conversando com amigos

Seu Biu foi tendo contato

Com idéias progressistas

E sem muito espalhafato

Foi estudando a maneira

De formar um sindicato

Pra defender os direitos

Do trabalhador, sem medo,

Para isso ele contou

Com o Ivan Figueiredo

E o João Pedro Teixeira

Mudando então o enredo

Daquele povo sofrido

Vivendo em escravidão

Oprimido e dominado

Pelo senhor e patrão

Por isso que sua luta

Causava insatisfação

Aos coronéis usineiros

Que vieram a perseguir

Da forma mais arbitrária

Procurando até banir

Os pequenos fazendeiros

Aos quais passam a agredir.

Seu Biu era o mais visado

No coativo processo

Mas nem mesmo a intolerância

Impediu o seu progresso

Seguindo em frente na luta

Apresentando sucesso

Na colheita do arroz

Que era beneficiado

Por maquinário moderno

Com muito esforço comprado

Pelo Biu de Pacatuba

Um fazendeiro esforçado.

Isso aumentava a inveja

Da turma da reação

Com o Renato Ribeiro

Perfeita comparação

De um déspota malvado

Em plena conjuração

Para perseguir sem dó

Pessoas como seu Biu

Que ousavam discordar

Da prescrição senhoril

Recusando a condição

Da humilhação servil.

Ameaçado de morte,

Seu Biu deixou a fazenda

Comprando um naco de terra

Onde fez sua vivenda

No sítio de Sapucaia

Para evitar a contenda.

Nele plantava inhame,

Milho, mandioca, feijão,

Até um belo pomar

Plantou com grande afeição

Criando gado e suíno

Aumentando a produção

Como bom agricultor

Aumentou o seu roçado,

Para 50 hectares

Passando a ser cobiçado

Incomodando os hostis

Por ter ele encabeçado

Uma mobilização

Com o João Pedro Teixeira

Também Pedro Fazendeiro,

Pra levantar a bandeira

De organização do povo

Encarando essa barreira.

No ano 58

Foi fundada a entidade

Que era a Liga Camponesa

Tendo aceitabilidade

De todos trabalhadores:

Os do campo e da cidade.

Seu Biu foi logo escolhido

Seu primeiro presidente

Quando forte represália

Ele sofreu torpemente

Por forças reacionárias

Que vinham em grande torrente.

61 foi o ano

Da primeira invasão

Pelas forças regulares

Carregando a ambição

De deter aquela marcha

Rumo à libertação.

Seu Biu logrou escapar

Pela cerca do curral

Ferindo as costas no arame

Mas evitando esse mal

De ser preso injustamente

Como um cruel marginal.

Aquele sítio, contudo,

Era indicado no mapa

Da repressão militar

Que na segunda etapa

Consegue prender seu Biu

Com ardileza e socapa.

Foi preciso um batalhão

De soldados bem armados

Para prender esse homem,

Tropa de alienados

Obedecendo as ordens

De homens equivocados.

Reviraram toda casa

Do honesto agricultor

Em busca de alguma prova

De que era agitador

Para incriminar o homem

Que lhes causava pavor.

Com fama de guerilheiro

E também subversivo,

Biu foi levado ao quartel

De modo bem agressivo

Submetido a um termo

De jeito interrogativo.

Com ele Ivan Figueiredo

Junto a João Pedro Teixeira

Formavam um trio de proa

Abrindo grande clareira

No poder do latifúndio

Da forma mais sobranceira.

Os três igualmente presos

Ficaram só oito dias

Em um quartel no Recife

Com muitas descortesias,

Ameaçados de morte

Entre outras vilanias.

De lá ele foi a pé

Pra casa de uma prima

No lugar Jaboatão

Pra refazer-se do clima

De tirania e opressão

Que a qualquer um desanima.

No outro dia voltou

De trem para o seu Sapé

E com grande aclamação

Foi recebido com fé

Pelos correligionários

Remando contra a maré

Porque a perseguição

Continuou com energia;

Tentavam deter o homem

Por meio da asfixia

Econômica e social

Castigando a ousadia.

Teve que se desfazer

Dos seus bens materiais,

Foi alvo de zombarias,

Discriminação e mais:

A família maltratada,

Dor que não passa jamais.

Seu Biu se viu na pobreza,

Humilhado e decadente,

Por querer o bem do povo

Em uma trama indecente

Ele foi sendo envolvido

Vendo-se então impotente.

Família aterrorizada

Sem entender o motivo

De tanta perseguição

E chavão pejorativo

Se ele queria o bem

Daquele povo passivo.

Os filhos do velho Biu

Foram expulsos da escola,

Por vil discriminação

Queriam sua degola

Ele sofria calado

Feito tizio na gaiola.

E assim foram levando

A vida de amargura

Somente sobrevivendo

Por causa da alma pura

Da cunhada que ajudava

Sem se importar com censura.

Os filhos foram crescendo

Na mais cruel tirania

Ninguém dava emprego a Biu

Devido a essa porfia

Nem compravam seus produtos

A família então sofria.

Os bancos não emprestavam

Dinheiro para o plantio

Só de falarem seu nome

Já causava um arrepio

Como se fosse um bandido,

Um terrorista ou vadio.

Sapé então deu as costas

Àquele homem de bem

Que ficou desmotivado

Sem crédito no armazém

Mergulhando em depressão

Diante desse desdém.

O sistema social

Era forte e poderoso

A ditadura feroz

Armava o contencioso,

Socialista era visto

Como um mal contagioso.

Com uma forte depressão

Nosso herói foi internado

Tendo o Dr. Gutemberg

Do seu espírito cuidado

Ficando uns vinte dias

No hospital sendo tratado.

O Dr. Vicente Rocco,

Outro esculápio direito,

Tratou também de seu Biu

Que viu seu mundo desfeito

Diante do grande trauma

Pelo injusto desrespeito.

Um filósofo romeno

Do qual esqueci o nome

Disse: “quer ser homem livre?

Antes morrerás de fome”.

Melhor ser homem servil

Mas encher o abdome.

O sistema só tolera

Dois tipos de componentes:

Os tiranos que exploram

E os subservientes.

Os que lutam por justiça

Serão sempre dissidentes.

A nossa sociedade

É uma prisão sem vigia,

Se é que vocês entendem

Essa minha alegoria.

Mesmo sem guardas nas portas

O jugo não renuncia.

É uma prisão fatal

Da qual ninguém nunca foge.

Somos sempre transigentes

Por mais que alguém nos despoje

Mesmo que toda essa farsa

Nos irrite e nos enoje.

Portanto, Biu Pacatuba

Teve que se desfazer

Do que havia construído

Para ter o que comer

Junto com sua família,

Sofrendo sem compreender

A lógica dos coronéis,

A perversa indução:

Trabalhar quase de graça

Com o famoso “cambão”

Ou ser marginalizado

Se fizesse oposição.

O campônio analfabeto

Pensava que era o destino

Que o trazia cativo

Desde quando pequenino

Passando de pai pra filho

Esse cruel desatino.

Foram heróis como Biu

Que fizeram a diferença,

Demonstrando ao camponês

Que sua luta compensa,

Abrindo novos caminhos,

Mudando sua sentença.

Os anos da ditadura

Fizeram amarga e sombria

A convivência dos homens

Lutando nessa porfia

De ter mais dignidade

E uma vida sadia.

O grande Biu Pacatuba

Deixou dois terços do seu

Coração de guerrilheiro

Para esse povo plebeu,

Comunidade ingrata

Que não o reconheceu.

Biu vendeu os cata-ventos

Gado e casa de farinha,

Desfez-se da fazendola

E de tudo quanto tinha

Indo morar na cidade

Perdendo o prumo e a linha.

Final dos anos 60,

O banco abriu orçamento

Para emprestar dinheiro

Destinado a investimento

Na compra de território

Como aliciamento

De agricultores pobres

Desejosos de investir

Em uma propriedade

Para melhor produzir.

Biu então viu uma chance

De voltar a possuir

Um pedacinho de terra,

Retornando à atividade

De cultivar um terreno,

Sentindo muita saudade

Da sua vida de campo

Nos tempos da mocidade.

Encontrou em Mamanguape

A fazenda Jaguarema,

Terra boa, muita água,

Localização suprema,

Era a oportunidade

De se livrar da algema

Humilhante e tormentosa

De sua ociosidade.

Até mesmo rapadura,

Pra sua felicidade

Era muito produzida

Naquela propiedade.

Qual não foi sua tristeza

E sua decepção

Ao saber que o gerente

Negou sem apelação:

Não validou seu cadastro

Com forte conotação

De censura ideológica

Por ser o Biu comunista

E constar como elemento

Perigoso em muita lista

Do Exército e da Polícia:

Dedução militarista.

Foi assim que Pacatuba

Ficou fora do “Proterra”.

Sem ponto de referência

Estava perdida a guerra.

Mais uma vez o sistema

O seu caminho soterra.

Passou assim a viver

Como Deus foi bem servido,

Um senhor acabrunhado,

Amargo e desiludido

Por ser um homem de esquerda

Ficou pobre e desvalido.

Mas tinha visão incrível

Do mundo que o rodeava;

Para resistir ao cerco

Que cada vez apertava

Apostou na educação

Da família que criava.

Gastou tudo o que restava

Na educação dos filhos

Resistindo desta forma

À opressão dos caudilhos

Dando estudo à família

Para vencer empecilhos.

Vitória dos derrotados:

Jamais se entregam ao hostil

Sob qualquer condição

Inventam qualquer ardil

E dão a volta por cima

Enganando o senhoril.

Como semi-analfabeto,

Só lhe restou apostar

Na formação dos seus filhos

De uma maneira exemplar

Para, de fronte erguida,

O sistema defrontar.

Morando em casa alheia,

Precisando de favores,

Mesmo assim o grande Biu

Não descuidou dos rigores

Para educar a família,

Seus verdadeiros amores.

Nisso, o Banco do Brasil

Abriu primeiro edital

Admitindo mulheres

No quadro de pessoal

Dando oportunidade

Pra juventude em geral.

Maria Helena Malheiros,

Sua filhinha dileta,

Foi aprovada em concurso,

A sua principal meta,

Porque proporcionaria

Uma vida mais concreta

E com mais dignidade

Para a família guerreira

Que soube enfrentar unida

A mais difícil barreira

Para a sobrevivência

Com a crise financeira.

Um outro filho de Biu

Também teve aprovação

Em concorrido concurso

Pra outra repartição,

De modo que a família

Foi saindo da aflição.

Deu-se mais uma tragédia

Isso no ano setenta:

Um dos filhos de seu Biu

Logo se desorienta,

Adoece da cabeça

Em emoção violenta.

Gentil era o nome dele,

Com quinze anos de idade,

Tamanha foi a pressão

Pela animosidade

Que essa pobre criança

Perdeu sua sanidade.

Foi internado em asilo

Para doentes mentais,

Provocando imensa dor

Nos irmãos e nos seus pais,

E daquele manicômio

Ele não saiu jamais.

Perdido o filho caçula

Para a terrível loucura,

O velho Biu só culpava

A injusta conjuntura

Que o perseguia tanto

Causando tal amargura.

Foi no dia 28

De um tristonho agosto

Que o Biu de Pacatuba,

Não aguentando o desgosto,

Deixou enfim esse mundo

Sem as armas ter deposto.

Isso em 75,

Sem pompa foi sepultado,

Esse grande herói do povo

Que tanto foi humilhado

Por lutar pela justiça

Em lugar tão atrasado.

Brigou com todas as forças,

Nunca negou seu pensar,

Quebrando o silêncio agrário,

Buscando concretizar

A organização do povo,

Impelindo o caminhar

Em busca da redenção,

Com fé para questionar

O poder do latifúndio

E seu peso secular,

Peitando as oligarquias;

O marisco contra o mar!

Morreu Biu de Pacatuba,

Morreram também as Ligas

Camponesas do Estado,

Restando apenas lombrigas

De pelegos descarados

E suas baixas intrigas.

Como reconhecimento,

Um grupo foi batizado

Na cidade de Sapé,

Com o seu nome honrado,

Gratidão que atenua

Seu viver atormentado

Depois de 64,

Explodiram o monumento

Para João Pedro Teixeira

Perto de Café do Vento,

Uma violência inútil

Do latifúndio cruento.

A saga daquele mártir

Por justiça social

Ficará sempre indelével

Na memória mundial.

Assim o nome de Biu

Será eterno afinal.

Pois não se pode apagar

Da memória da Nação

Quem se bateu por direitos

De toda população,

Apesar do preconceito

Injusto da reação.

No bairro “Nova Brasília”,

Uma escola cultua

O nome do bravo Biu,

Seu combate perpetua,

Para as novas gerações

Sua saga conceitua.

O Governo do Brasil

Reconheceu afinal

Todo o desregramento

Da ditadura fatal,

Concedendo a anistia,

Reduzindo então o mal

Feito a Biu de Pacatuba

Com uma indenização

Destinada à família,

Espécie de reparação,

Como se tamanha ofensa

Tivesse retratação.

Por sua dignidade,

Ficou notabilizado

Pela imensa bravura

De combater o Estado

E a turma reacionista,

Como um autêntico soldado

Lutando por transformar

A cruel realidade

Da várzea do Paraíba

E toda sociedade,

Sofrendo com a família

Severa barbaridade.

Termino aqui o folheto

Para a memória das Ligas

Com seus bravos ativistas

E as ambições antigas

Que ainda hoje fornecem

Matéria pra muitas brigas.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 28/09/2009
Código do texto: T1835613