FOME DE SERTÃO
Mate minha fome, mas sem mandinga
Farinha vem da mandioca
Que misturo a tapioca
Com sabor da tua ginga
Hoje, nêgo não é mais escravo
E branco já não mais é rei
Açúcar não é mais mascavo
De comida fresca enjoei
Traga o milho, o côco e o mé
A farinha misture com café e faça um chibé
Cadê a pamonha, o cuscuz, a canjica e o quarenta?
Foram pro brejo, não sobrou nem a polenta
Mesa chique tem salmão, nada de ovo frito
Uns tar de caviá um troço bem esquisto
Tem picanha, leitão à pururuca
Nada de bejú feito com araruta
Feijão de corda não tem mais
Já foi comida de capataz
Pé de porco já enfeitou muita feijoada
Fez muito nêgo dançar
Fia de patrão se apaixonar
E muito branco fazer cagada
Ah! amargura...
Leite já foi coalhada, hoje é danoninho
Eita saudade danada
Do bode cozido com buchada
Do leite da teta da vaca
Saindo bem quentinho
O peixe tratado numa afiada pexêra
Ver no sol a carne salgar
Depois fazer o fogo e fritar
Pra mode comer com macaxêra
Jogar manteiga da terra
A chamada manteiga do sertão
Depois do armoço uma sobre-mesa
Um doce de côco com mamão
Saudade da goiabada, marmelada
Comer o Doce de leite deitado na rede
Um doce de banana depois a sede
Ah saudade do mocotó e da cocada
Por isso uma ruma de doença apareceu
De manha o café tem adoçante
De tarde o pão já adormeceu
De noite não tem mais sopa de feijão
O pão fresquinho da padaria
Só um miojo véi de macarrão
Só uma tar de sarsicha fria
Pirão de peixe à tarde já se foi
Tudo tá enlatado
Sarsicha, mortadela, afiambrado
Um dia vai se vingar o boi
Cadê o arroz de leite com paçoca
Ah, Saudade de meu sertão!
Da minha vaquinha e da minha porca
Do meu jumento e de minha cabrita
De chupar a cana de açúcar tirada na hora
Hoje queimada em artomóvel e em birita
Sendo criada a nojenta da cachaça
Caboclo beber e querer briga
Por culpa de uma manguaça
Hoje a cana virou desgraça
E o bar lugar de intriga
Coma seu bolo de padaria
Sua pizza e seu caviá
Vou pescar a minha alegria
E vou comer com mungunzá
Aguente essa furmaça na cara
Coma seu hambúrguer mal passado
Tô vortando pra meu sítio e minha casa
É dia de São João, vou comer milho assado
Coma seu inhoque, Milk shake, sorvete
Viva nas Carrêra, coma fast-food
Vou esquentar o meu café
Que é pra eu comer com grude
Me deitar na minha rede e comer doce de jaca
Comer caju do pé
E tirar leite de minha vaca
Arrotar esse mundo que vomita
Cuidar do meu rebanho
E tirar leite da minha cabrita
Vomitar essas comida norva
Não voltar pra cidade grande
E tirar leite de minha porca
Já to perto de fazer 70
Vou caçar bicho que voa
E tirar leite de jumenta
Voltar a correr atrás de ladrão
Pescar bicho do mar
E das moça tirar
Leite do coração
Nadar no meu riacho bão
Caçar bicho do mato
E tirar leite da solidão
Vou vomitar a cidade grande
Vou devorar minha emoção
Sentir o cheiro de minha terra
Vou comer o meu sertão
OBS: todos os erros de grafia foram propositais!