No meu passado era assim > Autores: Damião metamorfose & Welton Melo.

Damião Metamorfose

Vamos ao segundo plano,

Vinte septilhas pra gente.

Mostrar para os leitores,

Desse país continente.

Que o poeta antenado,

Sabe cantar o passado,

Improvisando repente.

Welton Melo.

Eu relembro no presente

Como foi o meu passado

Eu moleque de bermuda

Correndo pelo roçado

Com um badoque na mão

Papai cortando ração

E eu pastorando o gado

D,MetAMORfose

-

Usei calção remendado,

Às vezes faltando o cós.

Passava os dias no mato,

Com meu cachorro feroz.

Caçando o que encontrava,

Muitas vezes me arranhava,

Nos garranchos de avelós.

W. Melo

*

Quando eu escutava a voz

De mamãe perto do poço

Com uma lata na cabeça

E uma mão no pescoço

Dizendo: Menino venha!

Seu pai findou a ordenha

E já é hora do almoço

D,M

Meu pai ainda era moço,

A minha mãe também era.

A nossa casa era feita

De taipa, uma tapera.

Mas sempre que eu saia,

Ao voltar de longe eu via,

Um dos dois a minha espera.

W,M

Relembro da primavera

Mudando os galhos de pau,

Uma novilha holandesa

Lambendo um coxo com sal,

Lembro um bode de barbicha

E eu matando lagartixa

Nas “faxinas” do curral

D,M

Lembro o tênis Montreal,

A conga, kixuti e bamba.

As longas bocas de noites,

Depois que o sol descamba.

E os irmãos todos vestidos,

Igualmente e parecidos,

Com uma escola de samba.

W,M

Eu enchendo uma caçamba

Carregada de areia

Mamãe que rezava um credo

Na hora da santa ceia

E eu com o arrebol

Brincava de futebol

Com minha bola de meia

D,M

Vizinho com cara feia,

Com muita zanga me olhava.

Por causa das peripécias,

Que às vezes eu aprontava.

Como roubar melancia

Ou mijar na água fria,

Que pra roça ele levava.

W,M

As vezes que eu aboiava

Dando uma de vaqueiro

Papai botando lavagem

Pra o barrão no chiqueiro

Eu moleque e andarilho

E mamãe debulhando um milho

Pras as galhinhas no terreiro

D,M

Dos frutos de um pereiro,

Fazia galinha e galo.

Com talo de carnaúba

Eu fabricava um cavalo.

Montava nele e corria

E às vezes quando caia,

A pança virava um ralo.

W,M

Minhas mãos cheias de calo

Mostrava a vida na roça

Mamãe com uma vassoura

“barrendo” nossa palhoça

Eu num jumento amuntado

Pai com um burro espaduado

Colocando na carroça

D,M

Sem ter banheiro nem fossa,

Sem papel pra se limpar.

Sabugo de milho ou folhas,

Todos tinham que usar.

No meio dos carrascais,

Rodeado de animais,

Todos querendo lanchar.

W,M

Meu banheiro era o pomar

Depois em um chafariz

Eu me lavava todinho

Desde a canela ao nariz

Saia naquele clima

E sem querer pisava em cima

Dos troços que eu mesmo fiz

D,M

Chá de folhas ou raiz,

Pra curar gripe e catarro.

A geladeira era um pote,

A panela era de barro.

O fogão era a lenha,

Engravidar, ficar prenha,

Namorar, encostar carro.

W,M

Negocio de tirar “sarro”

Ninguém se ouvia falar

Mas eu moleque enxerido

Começava a “xunbregar”,

A moça dizia assim:

Se quiser triscar em mim

Primeiro tem que casar

D,M

Não tinha como evitar,

Pois não tinha camisinha.

Mas como eu era assanhado,

Igual um frango de rinha.

E por ser muito enxerido,

O golpe era desferido,

Na pobre da cabritinha

W,M

Já eu tinha uma jumentinha

Que falando hoje eu me gabo

“veiaca” que só o cão

Ligeira que nem um nabo

Depois deu lhe acostumar

Bastava me ouvir falar

Chega levantava o rabo

D,M

Mãe disse-é coisa do diabo,

Meu filho que coisa feia.

Contou tudo pro meu pai,

Que me olhou com cara alheia.

Cumprindo o que prometeu,

Levantou a mão e deu,

Pense! Como eu levei peia.

W, M

Papai com o sangue na veia

Quando chegou do roçado

Mamãe disse logo a ele

O que eu tinha praticado

papai disse : e lá se vai

só tendo puxado ao pai

pra ser assim tão tarado

D,M

Relembrar o meu passado,

É lembrar que já fui moço.

É andar de pés descalços,

Com baladeira ao pescoço.

Pular corda e amarelinha,

Passar anel e casinha,

Brincar de cair no poço.

W,M

Eu lembro até do almoço

que era de brincadeira

as brincadeiras de bola

De pião, barra-bandeira

eu moleque chei de grude

Tomando banho em açude

Me balançando em porteira

D,M

A comida era grosseira,

Mistura, às vezes faltava.

Trabalhando alugado,

Pouco dinheiro sobrava.

O resto dava-se um jeito,

O orçamento era estreito,

Mas nós se remediava...

W,M

Eu no passado sonhava

Que aquele tempo passasse

Mas hoje digo tristonho

Como pranto banhando a face

Com a voz bem alta e doce

A se o presente se fosse

E meu passado voltasse

D,M

Se o tempo me levasse,

De volta pro meu roçado.

Eu queria a mesma vida,

Que eu vivi no passado.

Voltaria a andar nu,

Caçar abelha e teiú

E comer preá assado.

W,M

Ou comer nambu torrado

com um prato de farinha

tomar cana com limão

e com asa de galinha

ou no tempo de lisura

um feijão com rapadura

quando outra ciosa não tinha

D,M

Acordar de manhãzinha,

Tomar um café coado.

Comer manzapo de milho,

Depois seguir pro roçado.

Fazer fojo e arapuca,

Doar sangue pra mutuca,

Brincar de correr no prado.

W,M

Eu que pastorava o gado

E papai cortando ração

Minha irmã fazendo queijo

E mamãe catando feijão

Parece que ainda vejo

Meu casarão sertanejo

Gravado no coração

D,M

Nas catas de algodão,

Seja por dia ou por quilo.

A gente cantarolava

Igual a cigarra ou grilo.

Na arrobaçao eu perdia,

Mas no pega em cantoria,

Eu ganhava em todo estilo.

W,M

Eu sempre fui tão tranqüilo

Nunca tive tempo ruim

Passava a tarde dormindo

Numa moita de capim

Papai cortando ração

Mamãe com um cipó na mão

Quase doida atrás de mim

Fim

Damião Metamorfose e Welton Melo
Enviado por Damião Metamorfose em 05/09/2009
Reeditado em 23/08/2016
Código do texto: T1793389
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