Cegos surdos e ignorantes>Autor: Damião Metamorfose.
*
Peço um pouco de atenção
Pra contar uma historinha,
Passada num vilarejo,
De codinome Varjinha.
De dois sujeitos sem medo,
Um era o seu Toledo,
O outro era Zé galinha.
*
Dizem que galo de rinha,
Perde até a última pena.
E, que mesmo agonizando,
Não abandona a arena.
Imagine, um cego e mouco,
E o outro, enxergando pouco,
Como acabou essa cena...
*
Quando a visão não é plena,
E a audição atrapalha,
Cada palavra falada,
Tem uma interpretação falha.
Um golpe mal desferido,
Pode acertar no ouvido,
Ou num fio de navalha.
*
Se um tem, teto de palha,
E o outro, um passado feio,
Má fama de mentiroso,
Ou se apossava do alheio,
Pra não ficar complicado,
Vou contar em separado,
Explicar melhor; eu creio:
*
Toledo, não tem rodeios,
É rico em contar vantagem.
Sempre estufava o peito
Contando a sua bagagem.
E, quem não o conhecia
Na cidade, o promovia,
Dizendo: “Esse tem coragem!”
*
Falava em sua viagem,
Quando ele foi combatente...
Num raio de cem quilômetros,
Tinha fama de valente.
Mas, vou contar um segredo:
Meu vô diz que seu Toledo,
Não foi na linha de frente!
*
Pai diz que ele está demente,
Que não enxerga nadinha.
Que essa sua “farofa”,
Não tem carne, é só farinha.
Permitam agora eu falar,
Sobre o que ouvi contar,
Sobre esse tal Zé galinha:
*
O Zé era um morrinha,
Tinha fama de velhaco.
Vó disse que no passado,
Era pior que cassaco.
Longe ou na casa vizinha
Pato, peru e galinha,
Roubava tudo, o malaco!
*
Mãe diz que ele tinha um saco,
No cós da calça, escondido.
De tanto roubar penosa,
Ganhou esse apelido.
Mas, se quer o ver pirar;
Basta só alguém piar,
Que o homem fica varrido.
*
Pra cumprir meu prometido
Sobre Zé e seu Toledo,
Eu fiz um breve relato,
Pra enfeitar o enredo.
O que vem, daqui pra frente,
Eu confesso minha gente,
Muito correram com medo.
*
Em um domingo, bem cedo,
Muitos dizem: “Eu vou à feira!...”
Pra beber, tirando o gosto,
Com carne e com macaxeira.
Com amigos e colegas,
Olhando as quengas nos bregas,
Fazendo aquela zoeira!
*
É programa de primeira
Pra quem mora no sertão.
Feira parece uma festa,
É barato, é promoção.
Mas, pena que, no final
De feira, é muito normal
Uma briga, ou confusão.
*
Ficar em pé de balcão
Deus me livre! É perigoso!
Depois que se toma uma,
Só tem rico e corajoso.
Acho que tenho um defeito,
Não tem álcool que dê jeito,
Fico mais pobre e medroso.
*
Eis que chega o vantajoso
Tropeçando no batente.
Esbarrou em Zé galinha
Derramou sua aguardente.
Começou o bla, bla, blá,
Pra esquentar o fuá,
Não viam um palmo à frente.
*
Começou a chegar gente
Para tentar acalmar.
Toledo pediu desculpas,
O Zé não quis desculpar:
“Eu não corro nem à bala,
Minha arma é a bengala,
Mas, não vou me acovardar”
*
“Já que não quer relevar,
Que seja ao menos descente.
Seu velho surdo e cego,
De mão suja e saliente!
Sua fama é de morrinha,
E o seu nome é Zé galinha,
Porque roubou muita gente!”
*
Zé disse: “A sua patente,
É de velho mentiroso.
Diz que já lutou no fronte,
Gaba-se de corajoso.
Vamos ver quem nessa sala,
Luta melhor com bengala,
Seu cegueta vantajoso!”
*
Elogio de asqueroso,
Foi o menor no salão.
Os que antes, acalmavam,
Evitando a confusão,
Estavam gritando em coro:
Zé! Não leve desaforo!
Dê o primeiro empurrão!
*
Zé de bengala na mão,
Toledo, do mesmo jeito.
Os mesmos sem ver o alvo,
Mas, com sangria no peito.
Pareciam dois jumentos,
Só sei que por uns momentos,
Levaram tudo no eito!
*
O salão ficou estreito,
Pois, tava cheio de gente
Olhando a briga dos dois,
Que, não viam um palmo à frente.
Quando a bengala descia,
Era em garrafa vazia,
E em copos com aguardente!
*
Aquele mais exigente,
Gritava: Desce o cacete!
Hora, acertavam uma mesa,
Noutra, era um tamborete.
O pau comendo dobrado,
E os dois pra lá de varado,
Sem acertar o porrete.
*
Seu Toledo disse: “Aceite,
Sua galinha caduca!
Eu vou te dar um presente,
Que vai rachar sua cuca!”
Meteu-lhe a vara e errou,
E o golpe baixo acertou,
Na perna de uma sinuca.
*
Zé partiu feito mutuca,
Abelha de boca torta,
Dizendo: “Oh! Seu corcunda,
Dessa vez, tu “desentorta”!”
Mediu o alvo no meio
Errou, acertou em cheio,
Na fechadura da porta!
*
“Essa galinha ta morta!
Não agüenta um empurrão...”
Assim gritou seu Toledo,
E partiu sem direção.
Passou na porta do bar,
Em vez de em Zé acertar,
Acertou um orelhão.
*
Zé, nervoso, feito um cão
Venenoso, igual serpente.
Saiu xingando e batendo
Em quem tivesse na frente.
Mais uma vez deu azar,
Não conseguiu acertar
Toledo, o ex-combatente.
*
A rua cheia de gente,
Quase a cidade inteira,
Já assistia o duelo,
Bem a moda brasileira.
Assoviando e gritando,
Em vez de estarem apartando,
Botavam lenha em fogueira.
*
Os dois entraram na feira,
Batendo no que não via.
Zé deu uma bengalada,
Lascou uma melancia.
Quebrou pote, até gamela,
Amassou, também, tigela,
Pinico, lata e bacia.
*
Toledo não desistia
Disse: “Eu pego essa galinha.”
Deu uma, com tanta força,
Noutra barraca vizinha,
Que, antes de bater no chão,
Rasgou sacos de feijão,
De milho, arroz e farinha!
*
Uma senhora que vinha
Faceira, cheia de encanto,
Vender o seu cheiro verde,
Pra ganhar o seu pão santo,
Levou uma, bem no centro,
Que foi cebola e coentro,
Voando por todo canto!...
*
Zé disse:”Agora eu te janto!”
E naquele “pega-pega,”
Agarrou-se ao seu Toledo,
Num cai, levanta, escorrega.
Os dois saíram rolando,
E acabaram adentrando
Na sala vip do brega.
*
Uma quenga, quase cega,
Cafetina de respeito,
Gritou: “Parem seus caducos,
Bagunça aqui, não aceito!
A valente aqui sou eu!”
Foi só falar; recebeu,
Uma pancada no peito!
*
Saiu de um quarto, o prefeito,
Que estava numa “seção...”
Tentando cobrir o rosto,
Por zelo à reputação...
Toledo, o ex-combatente,
Acertou um bem na frente,
E o Zé deu-lhe um empurrão!
*
Nisso, vinha um camburão
Da policia militar.
Um dos soldados gritou:
“Parem logo de brigar!”
Toledo deu outro esbarro,
Caiu do lado do carro,
Não pode mais levantar.
*
O Zé tentou escapar...
Fez da porta uma avenida.
Foi de encontro a um soldado,
Pois, só tinha uma saída.
Na porta, enganchou o dedo,
Tropeçou em seu Toledo,
E caiu quase sem vida!
*
Tanta energia perdida,
Por cegueira ou vaidade...
Mas, rendeu uma historia
Com humor e sem maldade.
Com pai, avós e mãinha,
Seu Toledo e Zé galinha.
Prefeito e comunidade.
*
Dessa vez, não foi verdade,
A história que contei
Mesmo assim, deu um cordel,
Improvisando o criei
A quem leu; muito obrigado!
O meu recado eu já dei.
Fim