Nos cafundós do sertão>Autor: Damião Metamorfose.
Nos cafundós do sertão,
É comum se encontrar.
Uma vendinha simplória,
Dentro de um simplório lar.
Que vende seco e molhado,
Nacional e importado,
E o que mais se procurar.
*
Ali funciona o bar,
O açougue, a padaria,
Supermercado e quitanda,
Lanchonete e livraria,
Artigos de cama e mesa,
Se procurar com certeza,
Também tem a drogaria.
*
Parafuso, porca e pia,
Enxada, foice e xibanca.
Tijolo, cimento e cal,
Pé de cabra e alavanca.
Cangalha, gibão e sela,
Porta, portal e janela,
Cadeado, trinco e tranca.
*
Tem pomada preta e branca,
Pra qualquer tipo de dores.
Peça para bicicletas,
Pra moto, carro e tratores.
Matolão, bolsa e farnel,
Cd, DVD, cordel,
Dos melhores cantadores.
*
Jóias de poucos valores,
Lençol, cobertor e manta.
Leite, manteiga, óleo e nata,
Ki-suco, refresco e fanta.
Para quem é mais disposto,
Tem bebida e tira gosto,
Pra esquentar a garganta.
*
No café, almoço e janta,
Buchada, carne e galinha.
Chinelo, sapato e tênis,
Tecido, botão e linha.
E o que estiver faltando,
O dono diz: tá chegando...
Semana passada tinha.
*
Tudo que é santa meizinha,
Nos cafundós tem de sobra.
Casca de tudo que é pau,
Banha de tudo que é cobra.
E o dono por sua vez,
Pra não perder o freguês,
Dar um jeito e te desdobra.
*
Se não der certo, a manobra,
Ele diz: amanhã tem.
Ou: leve esse outro aqui,
Que é muito bom também.
E pra provar que é verdade,
Inda diz: só pra cidade,
Já vendi pra mais de cem.
*
Podem não atender bem,
Mas que são jeitosos são.
Trazem rapadura e água
Ou um ponche de limão.
Se notar que é um bacana,
Político ou só bom de grana,
Vende até a prestação.
*
Rodo, vassoura e sabão,
Fumo de Arapiraca.
Pasta de dente e gilete,
Punhal, canivete e faca.
Farinha, goma e sequilhos,
Só não vende esposa e filhos,
O resto é no quilo ou saca.
*
Queijo e carne de vaca,
Toicim para o rubacão.
Mel de abelha ou de cana,
Fava, arroz, milho e feijão.
Mulheres lindas também,
Essas e outras só têm,
Nos cafundós do sertão.
*
Lá eu ponho o pé no chão,
Entro em contato com a terra.
Relógio? É galo e jumento,
Ou um bezerro que berra.
Cedo vejo o sol nascer
E a tarde ele se esconder,
Devagar por traz da serra.
*
Lá ninguém fala em guerra,
Nem nessa esculhambação.
Que o tal do mundo moderno,
Mostra na televisão.
Não tem ladrão, não tem muro,
Tem água limpa e ar puro,
Rio, açude e cacimbão.
*
Só tem inverno ou verão,
Mais verão do que inverno.
Pai e mãe são de verdade,
O abraço é mais fraterno.
Não tem discriminação,
Nem essa poluição,
Que tem no mundo moderno.
*
Sei que um dia o pai eterno,
Vai ouvir minha oração.
Ai eu deixo essa vida,
De empregado e patrão.
E vou viver sem mobília,
Com minha linda família,
Nos cafundós do sertão.
*
Fim