VELHA RADIOLA
O chiado de um vinil
Na radiola a rodar
Oscilando empenado
Jogando notas no ar
Traz-me a recordação
De um tempo em que então
Vovô me contava histórias
Com o seu falar cantado
E seu timbre aveludado
Contando fatos e glórias
Pois n’antiga residência
Onde fez sua morada
Tinha para seus vinis
Uma área reservada
Er’um quarto recuado
Com seu nível rebaixado
Tendo ares de porão
De onde se escutava,
Sempre qu’ele ali estava,
O som de uma canção
Er’aquele seu porão
De paredes mal pintadas
Repleto de prateleiras
Com caixas de som queimadas
Tinha fios por tod’os lados;
Aparelhos desmontados,
Pra seus consertos exatos,
E gambiarras ousadas;
Já debaixo das escadas
Tinha caixas e sapatos!
E tardes corriam soltas
Naquele quarto abastado
De tranqueiras e vinis
Por tudo quanto era lado
Era ali o seu lugar
Onde se punha a escutar
De Vicente Celestino
Ao grande Noite Ilustrada
O sucesso da parada
Dos seus tempos de menino!
Porém a idade veio
E com ela uma senhora
Que responde por Alzheimer
Chegou sem nem marcar hora
E fez de vovô cliente
Sem este ser condizente
Afetando sua lembrança
Sem dar direito a defesa
Mas para sua surpresa
Encontrou uma relutância
Pois em meio aos exemplares
De vinis ultrapassados
Cantava-se às milhares
Recordações do passado
Que agora a memória,
de vovô, já tão simplória
Tornava embaraçadas
Mas que o som da radiola
Disparava qual pistola
Como lembranças cantadas
E assim vovô não cede
A esta doença inglória
Armado com seus vinis,
Ouvindo sua história
Na vitrola do viver
E não queiram me dizer
Que tudo aquilo é entulho
Pois já deixo o aviso
Que, quando assim for preciso,
Vou os herdar com orgulho!
Todavia hoje em dia
Sendo-lhes bastante franco
Raramente tenho visto
Aqueles cabelos brancos
Não tenho visto vovô
Então o que me restou
Foi esta recordação
Que do meu cerne decola
Ao ouvir da radiola
Uma saudosa canção...
João Pessoa, 03/08/2009.