A VERDADEIRA HISTORIA DE FORTUNATO E MARIA
(e seus descendetes em 1º Grau)
No ano Noventa e Oito
Do mês nove, Vinte e Seis
Na extrema do Rio Grande
Com a Paraíba, tem vez
O nascimento, eu creio,
De alguém que à Terra veio
Só para amar. E o fez.
Seus pais lhe puseram um nome,
Talvez, sem a pretensão,
Que augurava fortuna.
Riqueza. Bens de montão!
Porém aquele coitado:
Fortunato, o afortunado,
Bens terrenos teve não.
No entanto, em compensação,
Era saudável! Bonito!
E tinha um coração
Que não estava escrito:
Bom filho! Bom camarada!
Topava qualquer parada
De trabalho. É o que é dito.
Da infância à adolescência
Dele, não posso falar.
Não o conheci nessa fase.
Nem quem pudesse me dar
Uma informação segura
Da querida criatura
De quem está-se a falar.
Já rapaz, como contava,
Com seu pai, na agricultura,
Ele sempre trabalhava.
E nunca teve a ventura
De se alfabetizar.
Seu pai não o deixa estudar.
Era, pois, uma vida dura.
Aos vinte e quatro de idade
De uma moça gostou,
Lá mesmo na sua terra.
E o namoro durou
Para além dos dez anos.
Mas, o que tinha nos planos:
Casar-se com ela, gorou.
É que a essas alturas
Ele alguém encontrou
Num lugarejo distante
De onde morava, e ficou
Como que hipnotizado
Vendo-se, pois, dominado
Pelo verdadeiro amor.
Foi um amor fulminante!
Que deu-se ao primeiro olhar
No qual viu-se, ele, tomado!
E esqueceu de lembrar
Do seu amor do passado.
Dez anos pra trás deixado
E alguém a se machucar.
Naquele tempo, o namoro
Era somente de olhar.
E se alguém queria algo
A mais, era se casar
Logo, pra satisfazer
O que lhe ansiava o ser
E para morrer de amar.
Assim é que Fortunato,
Quando viu sua Maria,
Sentiu-se logo tomado
De uma tremenda euforia
E pensou logo em casar-se,
O seu marido tornar-se.
Pois só assim a teria.
E, aqui, fale-se um pouco
De quem seria a donzela
Que conquistou Fortunato
Desde a primeira olhadela:
De quem seriam seus pais,
De que família. E mais:
De como vivia ela.
A moça que o conquistou,
E que se chama Maria,
Como eu disse lá atrás,
Morava na Travessia,
Como ainda é chamado
O Sítio aqui citado,
Com uns parentes vivia.
Era a “faz tudo” da casa
De um tio, que a recolheu,
Por carinho e piedade,
Quando sua mãe faleceu.
Não tão logo, porém só
Depois que a sua avó
Autorização lhe deu.
É que o pai da donzela
De quem está-se falando
Não era mui responsável
Pelos seus filhos, e quando
A mãe dela faleceu
Ele logo se meteu
A fazer mais um desmando.
É que oferecia a filha
A quem quisesse levá-la
De graça! Sem nenhum custo
P’ra quem quisesse domá-la!
Esses dizeres insanos
Com alguém de dezesseis anos,
Era mesmo para assustá-la.
A sua avó? “Mãe-de-Rita”,
Como era conhecida,
Vendo o sofrimento da neta
Fica dela condoída.
Leva-a pra morar consigo,
Dando-lhe amor e abrigo;
Roupa lavada e comida.
Seu pai casa novamente!
Formando um novo lar.
A irmã mais velha, Regina,
Vai c’uma tia morar:
Trabalhar como empregada
A troco de quase nada,
Até sair pra casar.
Os irmãos ficam com o pai
E com a nova mulher:
Imila. E, agora, a volta
É do jeito que ela quiser:
Quem for podre que rebente!
Pois com ela a volta é quente.
Não é mãe, madrasta é.
Mas, voltemos à Maria
Que, com a avó, vive bem
Até os seus vinte anos,
Mas que o destino vem
Trazer mais uma mudança
Em sua vida. E esperança
De que seja para o bem.
Vai residir com um tio,
Como antes eu já dizia,
Lá perto do Jerimum
No chamado Travessia.
E daí pra frente, lhes digo,
É que começa o castigo,
Sem que mereça, à Maria.
Pois, em sendo da famílio,
Maria vai trabalhar
Como empregada doméstica
Sem direito a ganhar
Nenhum salário. E, coitada!
Além de escravizada,
De agradecer, terá.
Pois o seu padrinho é bom
E muito bem a tratará,
Ao seu modo, como homem
Daquele tempo. Mas há,
Digo com todo o respeito,
Um pouco de preconceito
Que a discriminará.
Vejamos, pois, porque digo
Que há discriminação:
Seus filhos estudam em casa
“Particular”. Ela, não.
Ela é só uma “arrimada”!
Parenta!... semi-empregada.
Sem direito a educação.
Mas aquela adolescente
Ainda não percebeu.
O tratar discriminado!
Pois que o coração seu
Está muito agradecido
Ao seu Padrinho querido
Pelo arrimo que lhe deu.
E, disposta como é,
Levanta de madrugada
Põe um pote na cabeça
E, na mão, dependurada,
Uma lata de Jacaré
E desce ao rio, a pé,
Cantando. Bem humorada.
Carrega água p’ro gasto
Com a limpeza caseira
E para regar as plantas,
Sem mostrar qualquer canseira.
Em seguida, apronta o café
Com batata, cuscuz, e até
Com queijo e com macaxeira.
Quando a mulher do seu tio
Levanta já não tem mais
O que fazer, pois Maria
Já fez tudo! E, além do mais,
Quando chega do roçado
O seu tio, já está botado
Seu almoço e p’ros demais.
E ela o faz com prazer,
Sem qualquer reclamação,
Mas algo lhe deixa triste:
É a falta de afeição
Que ela, sensível que é,
Sente que vem da mulher
Do seu tio u’a rejeição
Como se fora desprezo
Por um ser inferior.
Um dia, sem perceber,
Isso bem claro deixou:
Nas festas de fim de ano
Quando, de presente, um pano
Para Maria comprou.
O seu marido lhe dera
Um dinheiro pra comprar
Roupas: pra, ela, pra filha,
Pra Maria, e, ao chegar
Em casa, ela trazia
Um chitão para Maria,
E, pra filha, Tafetá.
E Maria ao ver o pano,
Disse assim: É um colosso!!
Mande fazer de babados,
Bem enfeitado e com bolso!
Qual vestido de baiana.
Pois assim fica bacana.
Basta enfeitar o pescoço.
E faça um balaio de bolo
Pé-de-moleque, que eu,
Enquanto vocês passeiam,
Fico num cantinho, meu!
Até a festa acabar.
Vendendo pra faturar
O que foi gasto, entendeu!
A esposa do seu tio,
Quando aquilo escutou,
Desatou logo a chorar
Pois do que fez se tocou.
Porém nada mudaria
Com relação a Maria.
Por isso, aquilo ficou.
E agora retornemos
Ao ponto em que falamos
Do encontro de Maria
Com o jovem que nominamos
Pelo seu nome real:
O civil e o batismal,
Que Fortunato Ramos.
Como dissemos ali,
Quando Fortunato viu,
Diante de si, a jovem
Maria, algo sentiu!
Algo que o fez tremer
E sua voz emudecer
Pois nem falar conseguiu.
Sabia quem ela era.
Assim, procurou falar
Com Carmelita – a Caima,
Sua prima, pra mandar,
Ainda naquele dia,
Um recado pra Maria!
Pois não aguenta esperar.
No recado, sem rodeios,
Ele pergunta a Maria,
Pedindo pra responder,
Se a donzela queria
Casar com ele. E, se não,
O seu pobre coração
De tristeza morreria.
Maria ouve o recado
E responde para a prima:
- Diga a ele o que quiser.
Pois pode ser minha sina.
- Se eu nem conheço direito
a cara desse sujeito!
E quer casar cum eu, menina!
E a prima, por sua vez,
Volta, e diz que ela quer.
E aí, Fortunato diz:
- Sendo assim, se Deus quiser,
se Ele não mudá meus prano,
daqui p’ro finá do ano
ela é minha muié.
Assim ele disse, e foi
Do jeito que planejou:
O mais cedo que ele pode
O casamento justou.
Foi tão somente arrumar
Um lugar p’ros dois morar,
E as bodas, então, marcou.
Não sem antes se entender
Com o Padrinho de Maria
Que, ao seu modo, homem bom
Que era, bem lhe queria.
E este, padrinho e tio,
Como um pai, eu afiancio,
Fez tudo que carecia.
...
E uma casinha de taipa,
Com um alpendre na frente
Guarnecido por um banco
Comprido que, não somente
Serve para descansar
Mas p’ro visitante sentar
E papear tranqüilamente.
É o que vem na lembrança.
Porém, depois de casar(em-se),
Maria e Fortunato
Moraram noutro lugar.
E à Mamã – Bernadete,
Mais velha que eu, compete,
Dest’outro lugar falar.
.
.
.
Fortunato, muito pobre,
Trabalhador alugado,
Ou arrendado terra alheia
Para botar seu roçado,
Porém de um coração lindo!
Vai vivendo... e produzindo
Filho a mais que o desejado.
São treze “filhos de tempo”!
Como dizia Maria.
Fora um ou outro aborto
Que, vez por outra, ocorria.
Mas, dos treze, se criaram
Quatro apenas! Que escaparam.
Morrem, pois, a maioria.
Alguns morriam bem jovens.
Nenenzinhos, ao nascer.
Outros, o que mais machucava,
Saudavelmente a crescer.
Pois, de repente, o mal vinha,
Parecendo uma morrinha,
E levava o gordo bebê.
Maria ficava triste
Mas logo se conformava.
Era a “vontade de Deus!”
Por isso não reclamava.
- Menino é como biscoito:
Se morre um, vem dezeoito!
E pra frente, a vida levava.
Depois que parou de ter
Filhos, quando Deus bem quis!
A Bernadete, a mais velha
Das mulheres, ela diz:
- Assume a casa e os pratos.
Vou ajudar Fortunato
Como antes eu não fiz!
Até aquele momento
Só pra ter filhos, vivia.
Pois quando nascia um
O outro, com poucos dias,
Já estaria a caminho.
Quando um fazia um aninho
Logo um outro nascia.
E, aí, só tinha tempo
Para da casa cuidar
E dos garotos, pequenos,
Quase todos a mamar.
Pois o mais velho, José,
Com quatro anos, em pé
Queria ainda mamar.
E, agora, os que escaparam
Das “doenças de menino”,
Já estão bem crescidinhos.
Toma ela seu destino.
Daí pra frente dará
Um jeito de ajudar
Nas despesas. Tem no tino.
E aí, Moça – a Bernadete,
Incha o peito, orgulhosa!
Agora é ela quem manda!
“Eu quero ver Dona Rosa
fazer o que bem quiser,
danada como ela é,
e chegar aqui com prosa!”
Pois Maria, paciente
Que era, com um coração
De ouro, não batia.
E nem sequer beliscão
De Maria alguém jamais
Recebeu! E ainda mais:
Sem qualquer obrigação.
Ajudavam se quisessem!
Não eram a nada obrigados:
Nos afazeres domésticos
Ou nas lidas dos roçados.
Só Bernadete, a mais velha
Da mulheres, que se espelha
Na mãe, e assume os danados.
E assume de forma tal
Que se acha autorizada
A, se alguém desobedecer,
Dar-lhe uma boa palmada.
Mas, a do meio, bem viva,
Desse castigo se livra
Já que é muito calada.
Pois se tem raiva, resmunga
Baixinho, pra que ninguém
A ouça. E assim se livra
Dos castigos muito bem.
O que não se dá com Rosa,
A mais nova, que é teimosa
E malcriada também.
Esta, não para em casa.
Foge sempre pra brincar
Com as suas coleguinhas
Que moram ali no lugar.
E, às vezes, o dia inteiro,
Some! Sem deixar roteiro!
Até a noite chegar.
E aí, sua irmã mais velha,
Que em si a roupagem veste
De mãe das duas menores
Que ela, de Oeste a Leste
E de Sul a Norte a procura,
E ao achá-la uma dura
Dá-lhe. Chamando-a de “peste”.
E assim vão crescendo todos
Os quatro que escaparam
Daqueles males que, à época,
Os outros nove trucidaram
Quase que na mesma idade.
Parecia até maldade!
Conforme meus pais contaram.
As vezes o bebê estava
Bem alegre! Sorridente!
E sem mais essa ou aquela,
Assim... mais que de repente,
Entristecia e morria!
Deixando a pobre Maria,
De tão triste, até doente.
Recuperava-se logo!
Pois a vida continua!
Os filhos vivos precisam
Daquela mãe que atua,
Trabalhando de morrer
Para seus filhos manter
Naquela pobreza nua.
Eram pobres, mas viviam
Na Santa Paz do Senhor!
Fortunato com carinho
Maria sempre tratou.
A ela e também aos filhos.
E andava sempre nos trilhos!
Nunca os pés fora, pisou.
Confiavam um no outro!
Como deve confiar
Alguém que um dia pensa
Com outro alguém se casar.
Pois quem confia, respeita
E o erro do outro aceita
Sem dele desconfiar.
Tratavam-se muito bem.
E buscavam, sempre, fazer
Tudo de comum acordo,
Sem desavenças haver.
Maria era muito brava!
Porém ele respeitava
A maneira dela ser.
Os filhos foram crescendo
E José, o mais danado,
O único homem dos quatro,
Deixava se pai zangado
Sempre. Pois pôs-se a mexer
Nos roçados, sem dever,
Junto com outro danado.
É que José, que era o nome
Desse moleque, um frangote,
Juntava-se ao Manoel,
Que era um outro molecote,
Como “bons cabras de peia”,
Invadiam a roça alheia.
E isso merece um mote.
Os dois, dentro da tal roça,
Faziam e aconteciam:
Quebrando, ou só mordendo
Uma ou outra melancia,
Deixando, assim, irritado
O dono do tal roçado,
Que ao seu pai o entregaria.
E Fortunato, que sempre
Foi honesto, não gostava
Das traquinagens do filho.
E, assim sendo, o pegava
Quase que todos os dias,
Pois José não o atendia,
E uma surra lhe dava.
Uma surra de cinturão!
Mas que o pai, por respeito
Ao corpo do moleque,
Batia de forma e jeito
Que doesse como intento,
Mas deixasse o moleque isento
De futuro mal ou defeito.
...
José, aos dezoito anos,
Arranja uma namorada
Bem mais velha que o mesmo
E engravida a coitada.
Naquele tempo em que o amor
Era um tabu, meu Senhor!
Vejam, pois, que enrascada!
E José que se achava
O coitado! O sofredor!
Não aceitando conselhos,
Uma decisão tomou,
Disse: - Meu erro eu assumo!
Agora, endoido ou aprumo!
E com Maria casou.
Tiveram o primeiro filho
Que logo, logo, morreu.
Porém, depois de um ano,
Um outro filho nasceu:
Uma filha – uma menina.
A única que, pequenina,
Aos seus avós conheceu.
Pois José, assim que pode
Um dinheirinho juntar,
Arribou! De mala e cuia!
Com um tio. Foi morar
No Maranhão com a família,
Sem dinheiro e sem mobília,
Uma nova vida, tentar.
Logo nos primeiros meses
Duas cartas enviou
Pra sua mãe que, coitada!
Quase maluca ficou
Com sua ausência. E não crê
Nas notícias que ali lê.
Foi alguém que inventou.
- Nego – como o chamava,
já tá morto e enterrado!
- A carta, quem escreveu
Foi aquele desgraçado
Que ao meu filho enganou,
O iludiu, e matou,
Sem dó, o pobre coitado!
E o acreditando morto,
As cartas não respondeu.
E José, sem qualquer resposta,
Também não mais escreveu.
E aquela mãe sofrida,
Passou a sentir a vida
Faltando um pedaço seu.
Mas deixemos José seguir
Sua triste ou feliz sina,
E cuidemos de falar
Algo de cada menina:
Bernadete, já mocinha;
A do meio, a Mariquinha;
E Rosa, a pequenina.
Bernadete, é conhecida
Como Moça, por apelido.
Agora, já moça feita,
Junto com o pai querido,
Monta, pra si, um roçado
Para juntar um trocado
E comprar um belo vestido.
Pois, como jovem que é,
E mulher, é vaidosa!
Mas não pensa só em si,
Pois não é mesmo maldosa.
Pensa também nas maninhas:
Na do meio: Mariquinha,
E na pequenina Rosa.
Mas, Mariquinha, bem cedo,
Sai de casa – vai morar
Em Mamanguape onde fica
Mais de um ano por lá,
Na casa de uma comadre
Da sua mãe que, em verdade,
A pediu para criar.
Puseram-na numa escola
Porém jamais “aprendeu”
A ler, pois a timidez
O aprendizado tolheu:
Sabia, mas não dizia!
A vergonha não permitia.
Por isso, muito sofreu.
Depois de algum tempo em casa,
Em Nova Cruz foi viver,
Em um colégio de freiras,
Para tentar aprender.
Porém o mesmo se deu:
Ela pouco desenvolveu.
Mas já começou a ler.
E, persistente que era,
Não desistiu no caminho.
Aos catorze anos consegue,
Com o seu jeito mansinho,
Um lugar para estudar,
Com um frade, ao se confessar,
Pedindo-lhe, com jeitinho:
- Frei Marcelino (que era
o nome do franciscano),
Venho pedir-lhe um favor,
E eu sei, não me engano,
Que o Senhor me atenderá:
Levando-me para estudar,
Se possível, ainda este ano.
O meu desejo é tornar-me
Uma serva do Senhor,
Pois sempre sonhei ser freira,
A Deus doar-me com amor.
E já que aqui por perto
Não há como, eu, por certo,
Vou aonde quer que for.
E o frade, comovido
Com o pedido de Maria,
Comprometeu-se com ela
Afirmando que viria
Ou a mandaria buscar
Para pô-la pra estudar.
E a promessa cumpriria.
Não muito tempo depois
A promessa era cumprida:
Maria foi pra Natal
Onde foi bem recebida
Pelas freiras do Juvino,
Com algum tempo seguindo
Para a sua nova vida.
Pois foi mesmo em Pernambuco
Que ela foi estudar:
No Medalha Milagrosa,
Onde irá se preparar,
Estudando sem canseira
Porque deseja ser freira.
E, se Deus quiser, será!
Mas,... transcorridos seis anos,
Um imprevisto fará
Que ela mude seus planos.
E sua vida mudará.
Será ação do destino?
Ou tentação do “mufino?
Quem a resposta dará?
Pois, certo dia, no centro
De Recife, ela encontrou
Alguém que a sua vida
Totalmente transformou:
Era um homem educado,
Mui bem vestido – arrumado!
E um belo “caô-caô”.
Com palavras envolventes,
Ele convence Maria
Que a vida que ela leva
Para a mesma não servia.
E, sorrindo, ainda lhe diz:
- Se você quer ser feliz,
Vem pra minha companhia!
E Mariquinha, ingênua,
Jovem inexperiente,
Nas palavras do “coroa”
Acredita, piamente!
E, se deixando levar,
Chega a engravidar
Porém não gera a semente.
Dá um tempo... e escreve
A um tio, no Paraná,
Pedindo-lhe, com cerimônia,
Que ele a mande buscar!
Pois ela mui gostaria
De conhecer-lhe a família
E, em Curitiba, estudar.
E o tio, prontamente,
O dinheiro lhe envia
Pelo Correios, o que deixa
Bastante feliz Maria.
E lá se foi, sonhadora
De, ao menos, professora,
Poder-se tornar um dia.
Mas não passou nem um ano!
Não se sabe o que ocorreu!
Se foi saudade do “amor”
Ou algum bicho a mordeu.
Só se sabe que Maria,
Em uma carta, pedia
Ajuda à mãe, que a deu.
Pois nossa mãe, sabedora
Das angústias da filhinha,
Vende a fonte de recursos,
A única que ainda tinha:
O Sítio do Jerimum.
E ficando com “algum”,
Manda o resto à Mariquinha.
Ela vem. E logo, logo,
Ao seu “coroa” procura.
Ele a recebe de braços
Abertos, com uma doçura
Que mais uma vez ilude
Aquela menina rude,
Que faz mais essa loucura.
E quatro anos, viveu
Com aquele homem que tinha
Idade de ser seu pai.
Coitada da Mariquinha!
Fez uma grande besteira!
Perdeu a vez de ser freira
E do estudo que advinha.
E aí, na Ferreira Nobre,
Com a irmã vem morar.
E com a mãe. Numa casa
Que ajudou a comprar
Com a grana que recebeu
D’um seguro que não valeu
A herança que amargará.
Uma herança de dor
Que jamais se apagará
Da nossa mente. E, onde for
Que formos, nos seguirá.
A herança que um doente,
Um bêbado inconseqüente,
Nos impingiu, sem pensar.
Herança que, eu, mil vezes,
Preferiria não ter.
E que nosso pai nos deixou
Quando um insensato ser,
Alcoolizado, o pegou
Com um carro – o atropelou,
Fazendo-o fenecer.
Mas, voltemos à Maria,
Ou Mariquinha, que, enfim,
Ajudou comprar a casa
Mas deixou-a para mim,
Dizendo que: eu ficaria
Com a nossa mãe e faria
O melhor por ela, sim.
E lá se foi novamente
Por esse mundão de Deus!
Em uma nova aventura
E, outra vez, conheceu
Alguém com quem se entrosou
E, finalmente, casou.
Cumprindo o destino seu.
E, de Recife a São Paulo,
E nesta última, bem mais,
Muito tempo ela viveu,
E um dia um bom venta a traz
De São Paulo pra Natal.
E nesta bela Capital,
Fica. E não volta mais.
Seu marido vem depois!
Quando consegue fisgar
Uma aposentadoria
Pela qual vive a lutar.
E assim, “as três cajazeiras”,
Depois de tanta canseira,
Voltam a juntas ficar.
...
Mas... voltemos ao início
Da história das três irmãs:
A mais velha, a Bernadete,
A quem chamamos Mamã,
É a próxima a ser falada,
No bom sentido! Coitada!
Por essa língua malsã.
Foi-se embora Mariquinha,
Ficam Rosa e Bernadete.
Esta, ajudando o pai
Mais do que o que compete
A si, sendo uma menina
Não muito forte. Franzina.
Mas que nada medo lhe mete.
Trabalha, pois, na lavoura
Com o seu pai, lado a lado.
E pra ganhar “algum” mais,
Põe, para si, um roçado
De feijão e macaxeira,
Que colhe e vende na feira,
Faturando um bom trocado.
E ainda ajuda em casa:
Na limpeza, na cozinha;
Na raspagem da mandioca
No fabrico da farinha.
E na lavagem de roupa,
Que não lá coisa pouca.
E na criação de galinha(s).
Ajuda a carregar água
Para o gasto com a família,
Num pote, equilibrado
Na cabeça com rodilha.
Diligente. Trabalhadeira.
E ainda ajuda na feira!
É, pois, uma ótima filha.
Das festas de fim-de-ano
Gosta de participar:
Em Jacaraú, em Montanhas,
Com o seu pai que, sempre, está
Disposto a com ela ir.
E se a mesma desistir
No caminho, a voltar.
Aos vinte anos, se casa
Com um moço que conheceu
Numa pequena viagem
De trem, que empreendeu
De Montanhas à Nova Cruz:
Um casamento – uma cruz!
Pois nele muito sofreu.
Um marido muito pobre,
Mas muito trabalhador:
Machante de porco e bode.
É muito namorador.
Nas festas mais concorridas,
Num carrosel ganha a vida,
Com o pai, como empurrador.
Cantava todas as moças
Que conhecia, e mais:
Sem mais essa ou aquela,
Passava a mulher pra trás.
E numa das vadiagens,
Fez ele uma sacanagem
Que não se esquece jamais.
Mamã, que tentou três anos
Engravidar, conseguiu
No quarto, mas o bebê,
Normalmente, não pariu.
Quase morta foi trazida
Para Natal. E sua vida
Foi tudo o que conseguiu!
Pois que, nas mãos da parteira
Sofreu a mais não poder:
Onde a estupidez daquela
Causa a morte do bebê!
Espremendo, machucando,
E à minha irmã incitando
A mais força sempre fazer.
Mamã escapou por pouco!
Pois ao chegar em Natal
O médico que a examinou
E que tirou-lhe, afinal,
O bebê, a ferro, afirmou:
- Mais uma hora, Senhor,
E lhe seria fatal!
Porém não ficou só nisso,
Pois seu marido que era
Um doente, insaciável
Por sexo – como uma fera,
Não consegue controlar
Seus instintos, e fará
Seu sofrer maior! Deveras!
E antes de acabar o tempo
Que era considerado,
Por todos daquela época,
Como sendo o de “resguardo”!
Antes dos quarenta dias,
Do marido, ela teria
Um presente malfadado.
Uma “doença do mundo”
O marido lhe ofertou.
Sem saber o que era aquilo,
A nossa mãe procurou
Uma farmácia que havia
Ali, onde encontraria,
Talvez, alívio pra dor.
Mas foi Seu Manoel Domingos,
Enfermeiro por paixão,
Quem lhe indicou o remédio
Naquela ocasião:
Uma injeção, que aplicou
Ele mesmo, e que a tirou
Daquela situação.
Mas, por quebrar o resguardo
Com aquela “mula” maldita,
Bernadete, coitadinha!
Quase que maluca fica.
Por um mês perdeu o tino.
Seria isso destino?
Não se sabe! Freud esplica?!
Perdeu seu primeiro filho
E, quase, a vida também!
E agora, essa doença
Que o seu juízo retém.
E ainda assim, numa boa!
Ao seu marido perdoa.
Só pode lhe querer bem.
Porém ele, que é doente
Por sexo, não deixará
De transar com as tais mulheres.
E logo, logo, trará,
Para os filhos e pra ela
Doenças, das quais, seqüelas
Para todos sobrará.
Filhos, têm uma novena!
Doenças, pra lá de dez.
Daquelas bem “fuderosas”!
Que deixa o cabra à revés,
Pedindo a Deus uma ajuda.
Rogando que o acuda.
Andando de quatro pés.
Mas o cabra é trabalhador!
Consegue de “levantar”:
De machante a construtor,
Além de, também, passar
Por vendedor de bananas,
Numa pobreza insana
Que não é nem bom lembrar.
Agora, já em Natal,
Sete filhos pra criar,
Pois o primeiro nasceu
Morto e, o Tatá o quarto,
Aos três meses faleceu
Com mal de pulmão que foi
Provocado por um boi
Que uma chifrada lhe deu.
Era um menino bonito:
Branco! Corado! Afilado
Que, ainda na barriga
Da mãe, aquele malvado
Touro que vivia solto,
Não o fez nascer de aborto
Mas com o pulmão afetado
Naquele tempo, Mamã
Morava de aluguel
Numa vila, no Carrasco,
Onde só havia um “miguel”.
Era um verdadeiro inferno!
Principalmente no Inverno:
Na chuva – e sem papel.
Mas, o marido, esperto
Que era, logo encontrou
Um meio para viver.
E foi como construtor!
Construiu, para um amigo,
Uma casa. E um abrigo
Para si, daí, ganhou.
Vendeu-o logo em seguida!
E outro terreno comprou,
Ali mesmo, no Carrasco.
E, então, como construtor
Que se fez, o seu futuro
Já estaria seguro!
Como ele mesmo afirmou.
Mas, construindo e vendendo,
Nunca ficava aparado
Numa mesma residência.
Era um sufoco danado!
Além disso, pra investir,
Tinha, às vezes, que pedir
Ao agiota, emprestado.
Mesmo assim, ele consegue,
Trabalhando duramente,
.
.
.
(parte do cordel A VERDADEIRA HISTORIA DE FORTUNATO E MARIA
que está em fase de conclusão para uma pretensa edição)
(e seus descendetes em 1º Grau)
No ano Noventa e Oito
Do mês nove, Vinte e Seis
Na extrema do Rio Grande
Com a Paraíba, tem vez
O nascimento, eu creio,
De alguém que à Terra veio
Só para amar. E o fez.
Seus pais lhe puseram um nome,
Talvez, sem a pretensão,
Que augurava fortuna.
Riqueza. Bens de montão!
Porém aquele coitado:
Fortunato, o afortunado,
Bens terrenos teve não.
No entanto, em compensação,
Era saudável! Bonito!
E tinha um coração
Que não estava escrito:
Bom filho! Bom camarada!
Topava qualquer parada
De trabalho. É o que é dito.
Da infância à adolescência
Dele, não posso falar.
Não o conheci nessa fase.
Nem quem pudesse me dar
Uma informação segura
Da querida criatura
De quem está-se a falar.
Já rapaz, como contava,
Com seu pai, na agricultura,
Ele sempre trabalhava.
E nunca teve a ventura
De se alfabetizar.
Seu pai não o deixa estudar.
Era, pois, uma vida dura.
Aos vinte e quatro de idade
De uma moça gostou,
Lá mesmo na sua terra.
E o namoro durou
Para além dos dez anos.
Mas, o que tinha nos planos:
Casar-se com ela, gorou.
É que a essas alturas
Ele alguém encontrou
Num lugarejo distante
De onde morava, e ficou
Como que hipnotizado
Vendo-se, pois, dominado
Pelo verdadeiro amor.
Foi um amor fulminante!
Que deu-se ao primeiro olhar
No qual viu-se, ele, tomado!
E esqueceu de lembrar
Do seu amor do passado.
Dez anos pra trás deixado
E alguém a se machucar.
Naquele tempo, o namoro
Era somente de olhar.
E se alguém queria algo
A mais, era se casar
Logo, pra satisfazer
O que lhe ansiava o ser
E para morrer de amar.
Assim é que Fortunato,
Quando viu sua Maria,
Sentiu-se logo tomado
De uma tremenda euforia
E pensou logo em casar-se,
O seu marido tornar-se.
Pois só assim a teria.
E, aqui, fale-se um pouco
De quem seria a donzela
Que conquistou Fortunato
Desde a primeira olhadela:
De quem seriam seus pais,
De que família. E mais:
De como vivia ela.
A moça que o conquistou,
E que se chama Maria,
Como eu disse lá atrás,
Morava na Travessia,
Como ainda é chamado
O Sítio aqui citado,
Com uns parentes vivia.
Era a “faz tudo” da casa
De um tio, que a recolheu,
Por carinho e piedade,
Quando sua mãe faleceu.
Não tão logo, porém só
Depois que a sua avó
Autorização lhe deu.
É que o pai da donzela
De quem está-se falando
Não era mui responsável
Pelos seus filhos, e quando
A mãe dela faleceu
Ele logo se meteu
A fazer mais um desmando.
É que oferecia a filha
A quem quisesse levá-la
De graça! Sem nenhum custo
P’ra quem quisesse domá-la!
Esses dizeres insanos
Com alguém de dezesseis anos,
Era mesmo para assustá-la.
A sua avó? “Mãe-de-Rita”,
Como era conhecida,
Vendo o sofrimento da neta
Fica dela condoída.
Leva-a pra morar consigo,
Dando-lhe amor e abrigo;
Roupa lavada e comida.
Seu pai casa novamente!
Formando um novo lar.
A irmã mais velha, Regina,
Vai c’uma tia morar:
Trabalhar como empregada
A troco de quase nada,
Até sair pra casar.
Os irmãos ficam com o pai
E com a nova mulher:
Imila. E, agora, a volta
É do jeito que ela quiser:
Quem for podre que rebente!
Pois com ela a volta é quente.
Não é mãe, madrasta é.
Mas, voltemos à Maria
Que, com a avó, vive bem
Até os seus vinte anos,
Mas que o destino vem
Trazer mais uma mudança
Em sua vida. E esperança
De que seja para o bem.
Vai residir com um tio,
Como antes eu já dizia,
Lá perto do Jerimum
No chamado Travessia.
E daí pra frente, lhes digo,
É que começa o castigo,
Sem que mereça, à Maria.
Pois, em sendo da famílio,
Maria vai trabalhar
Como empregada doméstica
Sem direito a ganhar
Nenhum salário. E, coitada!
Além de escravizada,
De agradecer, terá.
Pois o seu padrinho é bom
E muito bem a tratará,
Ao seu modo, como homem
Daquele tempo. Mas há,
Digo com todo o respeito,
Um pouco de preconceito
Que a discriminará.
Vejamos, pois, porque digo
Que há discriminação:
Seus filhos estudam em casa
“Particular”. Ela, não.
Ela é só uma “arrimada”!
Parenta!... semi-empregada.
Sem direito a educação.
Mas aquela adolescente
Ainda não percebeu.
O tratar discriminado!
Pois que o coração seu
Está muito agradecido
Ao seu Padrinho querido
Pelo arrimo que lhe deu.
E, disposta como é,
Levanta de madrugada
Põe um pote na cabeça
E, na mão, dependurada,
Uma lata de Jacaré
E desce ao rio, a pé,
Cantando. Bem humorada.
Carrega água p’ro gasto
Com a limpeza caseira
E para regar as plantas,
Sem mostrar qualquer canseira.
Em seguida, apronta o café
Com batata, cuscuz, e até
Com queijo e com macaxeira.
Quando a mulher do seu tio
Levanta já não tem mais
O que fazer, pois Maria
Já fez tudo! E, além do mais,
Quando chega do roçado
O seu tio, já está botado
Seu almoço e p’ros demais.
E ela o faz com prazer,
Sem qualquer reclamação,
Mas algo lhe deixa triste:
É a falta de afeição
Que ela, sensível que é,
Sente que vem da mulher
Do seu tio u’a rejeição
Como se fora desprezo
Por um ser inferior.
Um dia, sem perceber,
Isso bem claro deixou:
Nas festas de fim de ano
Quando, de presente, um pano
Para Maria comprou.
O seu marido lhe dera
Um dinheiro pra comprar
Roupas: pra, ela, pra filha,
Pra Maria, e, ao chegar
Em casa, ela trazia
Um chitão para Maria,
E, pra filha, Tafetá.
E Maria ao ver o pano,
Disse assim: É um colosso!!
Mande fazer de babados,
Bem enfeitado e com bolso!
Qual vestido de baiana.
Pois assim fica bacana.
Basta enfeitar o pescoço.
E faça um balaio de bolo
Pé-de-moleque, que eu,
Enquanto vocês passeiam,
Fico num cantinho, meu!
Até a festa acabar.
Vendendo pra faturar
O que foi gasto, entendeu!
A esposa do seu tio,
Quando aquilo escutou,
Desatou logo a chorar
Pois do que fez se tocou.
Porém nada mudaria
Com relação a Maria.
Por isso, aquilo ficou.
E agora retornemos
Ao ponto em que falamos
Do encontro de Maria
Com o jovem que nominamos
Pelo seu nome real:
O civil e o batismal,
Que Fortunato Ramos.
Como dissemos ali,
Quando Fortunato viu,
Diante de si, a jovem
Maria, algo sentiu!
Algo que o fez tremer
E sua voz emudecer
Pois nem falar conseguiu.
Sabia quem ela era.
Assim, procurou falar
Com Carmelita – a Caima,
Sua prima, pra mandar,
Ainda naquele dia,
Um recado pra Maria!
Pois não aguenta esperar.
No recado, sem rodeios,
Ele pergunta a Maria,
Pedindo pra responder,
Se a donzela queria
Casar com ele. E, se não,
O seu pobre coração
De tristeza morreria.
Maria ouve o recado
E responde para a prima:
- Diga a ele o que quiser.
Pois pode ser minha sina.
- Se eu nem conheço direito
a cara desse sujeito!
E quer casar cum eu, menina!
E a prima, por sua vez,
Volta, e diz que ela quer.
E aí, Fortunato diz:
- Sendo assim, se Deus quiser,
se Ele não mudá meus prano,
daqui p’ro finá do ano
ela é minha muié.
Assim ele disse, e foi
Do jeito que planejou:
O mais cedo que ele pode
O casamento justou.
Foi tão somente arrumar
Um lugar p’ros dois morar,
E as bodas, então, marcou.
Não sem antes se entender
Com o Padrinho de Maria
Que, ao seu modo, homem bom
Que era, bem lhe queria.
E este, padrinho e tio,
Como um pai, eu afiancio,
Fez tudo que carecia.
...
E uma casinha de taipa,
Com um alpendre na frente
Guarnecido por um banco
Comprido que, não somente
Serve para descansar
Mas p’ro visitante sentar
E papear tranqüilamente.
É o que vem na lembrança.
Porém, depois de casar(em-se),
Maria e Fortunato
Moraram noutro lugar.
E à Mamã – Bernadete,
Mais velha que eu, compete,
Dest’outro lugar falar.
.
.
.
Fortunato, muito pobre,
Trabalhador alugado,
Ou arrendado terra alheia
Para botar seu roçado,
Porém de um coração lindo!
Vai vivendo... e produzindo
Filho a mais que o desejado.
São treze “filhos de tempo”!
Como dizia Maria.
Fora um ou outro aborto
Que, vez por outra, ocorria.
Mas, dos treze, se criaram
Quatro apenas! Que escaparam.
Morrem, pois, a maioria.
Alguns morriam bem jovens.
Nenenzinhos, ao nascer.
Outros, o que mais machucava,
Saudavelmente a crescer.
Pois, de repente, o mal vinha,
Parecendo uma morrinha,
E levava o gordo bebê.
Maria ficava triste
Mas logo se conformava.
Era a “vontade de Deus!”
Por isso não reclamava.
- Menino é como biscoito:
Se morre um, vem dezeoito!
E pra frente, a vida levava.
Depois que parou de ter
Filhos, quando Deus bem quis!
A Bernadete, a mais velha
Das mulheres, ela diz:
- Assume a casa e os pratos.
Vou ajudar Fortunato
Como antes eu não fiz!
Até aquele momento
Só pra ter filhos, vivia.
Pois quando nascia um
O outro, com poucos dias,
Já estaria a caminho.
Quando um fazia um aninho
Logo um outro nascia.
E, aí, só tinha tempo
Para da casa cuidar
E dos garotos, pequenos,
Quase todos a mamar.
Pois o mais velho, José,
Com quatro anos, em pé
Queria ainda mamar.
E, agora, os que escaparam
Das “doenças de menino”,
Já estão bem crescidinhos.
Toma ela seu destino.
Daí pra frente dará
Um jeito de ajudar
Nas despesas. Tem no tino.
E aí, Moça – a Bernadete,
Incha o peito, orgulhosa!
Agora é ela quem manda!
“Eu quero ver Dona Rosa
fazer o que bem quiser,
danada como ela é,
e chegar aqui com prosa!”
Pois Maria, paciente
Que era, com um coração
De ouro, não batia.
E nem sequer beliscão
De Maria alguém jamais
Recebeu! E ainda mais:
Sem qualquer obrigação.
Ajudavam se quisessem!
Não eram a nada obrigados:
Nos afazeres domésticos
Ou nas lidas dos roçados.
Só Bernadete, a mais velha
Da mulheres, que se espelha
Na mãe, e assume os danados.
E assume de forma tal
Que se acha autorizada
A, se alguém desobedecer,
Dar-lhe uma boa palmada.
Mas, a do meio, bem viva,
Desse castigo se livra
Já que é muito calada.
Pois se tem raiva, resmunga
Baixinho, pra que ninguém
A ouça. E assim se livra
Dos castigos muito bem.
O que não se dá com Rosa,
A mais nova, que é teimosa
E malcriada também.
Esta, não para em casa.
Foge sempre pra brincar
Com as suas coleguinhas
Que moram ali no lugar.
E, às vezes, o dia inteiro,
Some! Sem deixar roteiro!
Até a noite chegar.
E aí, sua irmã mais velha,
Que em si a roupagem veste
De mãe das duas menores
Que ela, de Oeste a Leste
E de Sul a Norte a procura,
E ao achá-la uma dura
Dá-lhe. Chamando-a de “peste”.
E assim vão crescendo todos
Os quatro que escaparam
Daqueles males que, à época,
Os outros nove trucidaram
Quase que na mesma idade.
Parecia até maldade!
Conforme meus pais contaram.
As vezes o bebê estava
Bem alegre! Sorridente!
E sem mais essa ou aquela,
Assim... mais que de repente,
Entristecia e morria!
Deixando a pobre Maria,
De tão triste, até doente.
Recuperava-se logo!
Pois a vida continua!
Os filhos vivos precisam
Daquela mãe que atua,
Trabalhando de morrer
Para seus filhos manter
Naquela pobreza nua.
Eram pobres, mas viviam
Na Santa Paz do Senhor!
Fortunato com carinho
Maria sempre tratou.
A ela e também aos filhos.
E andava sempre nos trilhos!
Nunca os pés fora, pisou.
Confiavam um no outro!
Como deve confiar
Alguém que um dia pensa
Com outro alguém se casar.
Pois quem confia, respeita
E o erro do outro aceita
Sem dele desconfiar.
Tratavam-se muito bem.
E buscavam, sempre, fazer
Tudo de comum acordo,
Sem desavenças haver.
Maria era muito brava!
Porém ele respeitava
A maneira dela ser.
Os filhos foram crescendo
E José, o mais danado,
O único homem dos quatro,
Deixava se pai zangado
Sempre. Pois pôs-se a mexer
Nos roçados, sem dever,
Junto com outro danado.
É que José, que era o nome
Desse moleque, um frangote,
Juntava-se ao Manoel,
Que era um outro molecote,
Como “bons cabras de peia”,
Invadiam a roça alheia.
E isso merece um mote.
Os dois, dentro da tal roça,
Faziam e aconteciam:
Quebrando, ou só mordendo
Uma ou outra melancia,
Deixando, assim, irritado
O dono do tal roçado,
Que ao seu pai o entregaria.
E Fortunato, que sempre
Foi honesto, não gostava
Das traquinagens do filho.
E, assim sendo, o pegava
Quase que todos os dias,
Pois José não o atendia,
E uma surra lhe dava.
Uma surra de cinturão!
Mas que o pai, por respeito
Ao corpo do moleque,
Batia de forma e jeito
Que doesse como intento,
Mas deixasse o moleque isento
De futuro mal ou defeito.
...
José, aos dezoito anos,
Arranja uma namorada
Bem mais velha que o mesmo
E engravida a coitada.
Naquele tempo em que o amor
Era um tabu, meu Senhor!
Vejam, pois, que enrascada!
E José que se achava
O coitado! O sofredor!
Não aceitando conselhos,
Uma decisão tomou,
Disse: - Meu erro eu assumo!
Agora, endoido ou aprumo!
E com Maria casou.
Tiveram o primeiro filho
Que logo, logo, morreu.
Porém, depois de um ano,
Um outro filho nasceu:
Uma filha – uma menina.
A única que, pequenina,
Aos seus avós conheceu.
Pois José, assim que pode
Um dinheirinho juntar,
Arribou! De mala e cuia!
Com um tio. Foi morar
No Maranhão com a família,
Sem dinheiro e sem mobília,
Uma nova vida, tentar.
Logo nos primeiros meses
Duas cartas enviou
Pra sua mãe que, coitada!
Quase maluca ficou
Com sua ausência. E não crê
Nas notícias que ali lê.
Foi alguém que inventou.
- Nego – como o chamava,
já tá morto e enterrado!
- A carta, quem escreveu
Foi aquele desgraçado
Que ao meu filho enganou,
O iludiu, e matou,
Sem dó, o pobre coitado!
E o acreditando morto,
As cartas não respondeu.
E José, sem qualquer resposta,
Também não mais escreveu.
E aquela mãe sofrida,
Passou a sentir a vida
Faltando um pedaço seu.
Mas deixemos José seguir
Sua triste ou feliz sina,
E cuidemos de falar
Algo de cada menina:
Bernadete, já mocinha;
A do meio, a Mariquinha;
E Rosa, a pequenina.
Bernadete, é conhecida
Como Moça, por apelido.
Agora, já moça feita,
Junto com o pai querido,
Monta, pra si, um roçado
Para juntar um trocado
E comprar um belo vestido.
Pois, como jovem que é,
E mulher, é vaidosa!
Mas não pensa só em si,
Pois não é mesmo maldosa.
Pensa também nas maninhas:
Na do meio: Mariquinha,
E na pequenina Rosa.
Mas, Mariquinha, bem cedo,
Sai de casa – vai morar
Em Mamanguape onde fica
Mais de um ano por lá,
Na casa de uma comadre
Da sua mãe que, em verdade,
A pediu para criar.
Puseram-na numa escola
Porém jamais “aprendeu”
A ler, pois a timidez
O aprendizado tolheu:
Sabia, mas não dizia!
A vergonha não permitia.
Por isso, muito sofreu.
Depois de algum tempo em casa,
Em Nova Cruz foi viver,
Em um colégio de freiras,
Para tentar aprender.
Porém o mesmo se deu:
Ela pouco desenvolveu.
Mas já começou a ler.
E, persistente que era,
Não desistiu no caminho.
Aos catorze anos consegue,
Com o seu jeito mansinho,
Um lugar para estudar,
Com um frade, ao se confessar,
Pedindo-lhe, com jeitinho:
- Frei Marcelino (que era
o nome do franciscano),
Venho pedir-lhe um favor,
E eu sei, não me engano,
Que o Senhor me atenderá:
Levando-me para estudar,
Se possível, ainda este ano.
O meu desejo é tornar-me
Uma serva do Senhor,
Pois sempre sonhei ser freira,
A Deus doar-me com amor.
E já que aqui por perto
Não há como, eu, por certo,
Vou aonde quer que for.
E o frade, comovido
Com o pedido de Maria,
Comprometeu-se com ela
Afirmando que viria
Ou a mandaria buscar
Para pô-la pra estudar.
E a promessa cumpriria.
Não muito tempo depois
A promessa era cumprida:
Maria foi pra Natal
Onde foi bem recebida
Pelas freiras do Juvino,
Com algum tempo seguindo
Para a sua nova vida.
Pois foi mesmo em Pernambuco
Que ela foi estudar:
No Medalha Milagrosa,
Onde irá se preparar,
Estudando sem canseira
Porque deseja ser freira.
E, se Deus quiser, será!
Mas,... transcorridos seis anos,
Um imprevisto fará
Que ela mude seus planos.
E sua vida mudará.
Será ação do destino?
Ou tentação do “mufino?
Quem a resposta dará?
Pois, certo dia, no centro
De Recife, ela encontrou
Alguém que a sua vida
Totalmente transformou:
Era um homem educado,
Mui bem vestido – arrumado!
E um belo “caô-caô”.
Com palavras envolventes,
Ele convence Maria
Que a vida que ela leva
Para a mesma não servia.
E, sorrindo, ainda lhe diz:
- Se você quer ser feliz,
Vem pra minha companhia!
E Mariquinha, ingênua,
Jovem inexperiente,
Nas palavras do “coroa”
Acredita, piamente!
E, se deixando levar,
Chega a engravidar
Porém não gera a semente.
Dá um tempo... e escreve
A um tio, no Paraná,
Pedindo-lhe, com cerimônia,
Que ele a mande buscar!
Pois ela mui gostaria
De conhecer-lhe a família
E, em Curitiba, estudar.
E o tio, prontamente,
O dinheiro lhe envia
Pelo Correios, o que deixa
Bastante feliz Maria.
E lá se foi, sonhadora
De, ao menos, professora,
Poder-se tornar um dia.
Mas não passou nem um ano!
Não se sabe o que ocorreu!
Se foi saudade do “amor”
Ou algum bicho a mordeu.
Só se sabe que Maria,
Em uma carta, pedia
Ajuda à mãe, que a deu.
Pois nossa mãe, sabedora
Das angústias da filhinha,
Vende a fonte de recursos,
A única que ainda tinha:
O Sítio do Jerimum.
E ficando com “algum”,
Manda o resto à Mariquinha.
Ela vem. E logo, logo,
Ao seu “coroa” procura.
Ele a recebe de braços
Abertos, com uma doçura
Que mais uma vez ilude
Aquela menina rude,
Que faz mais essa loucura.
E quatro anos, viveu
Com aquele homem que tinha
Idade de ser seu pai.
Coitada da Mariquinha!
Fez uma grande besteira!
Perdeu a vez de ser freira
E do estudo que advinha.
E aí, na Ferreira Nobre,
Com a irmã vem morar.
E com a mãe. Numa casa
Que ajudou a comprar
Com a grana que recebeu
D’um seguro que não valeu
A herança que amargará.
Uma herança de dor
Que jamais se apagará
Da nossa mente. E, onde for
Que formos, nos seguirá.
A herança que um doente,
Um bêbado inconseqüente,
Nos impingiu, sem pensar.
Herança que, eu, mil vezes,
Preferiria não ter.
E que nosso pai nos deixou
Quando um insensato ser,
Alcoolizado, o pegou
Com um carro – o atropelou,
Fazendo-o fenecer.
Mas, voltemos à Maria,
Ou Mariquinha, que, enfim,
Ajudou comprar a casa
Mas deixou-a para mim,
Dizendo que: eu ficaria
Com a nossa mãe e faria
O melhor por ela, sim.
E lá se foi novamente
Por esse mundão de Deus!
Em uma nova aventura
E, outra vez, conheceu
Alguém com quem se entrosou
E, finalmente, casou.
Cumprindo o destino seu.
E, de Recife a São Paulo,
E nesta última, bem mais,
Muito tempo ela viveu,
E um dia um bom venta a traz
De São Paulo pra Natal.
E nesta bela Capital,
Fica. E não volta mais.
Seu marido vem depois!
Quando consegue fisgar
Uma aposentadoria
Pela qual vive a lutar.
E assim, “as três cajazeiras”,
Depois de tanta canseira,
Voltam a juntas ficar.
...
Mas... voltemos ao início
Da história das três irmãs:
A mais velha, a Bernadete,
A quem chamamos Mamã,
É a próxima a ser falada,
No bom sentido! Coitada!
Por essa língua malsã.
Foi-se embora Mariquinha,
Ficam Rosa e Bernadete.
Esta, ajudando o pai
Mais do que o que compete
A si, sendo uma menina
Não muito forte. Franzina.
Mas que nada medo lhe mete.
Trabalha, pois, na lavoura
Com o seu pai, lado a lado.
E pra ganhar “algum” mais,
Põe, para si, um roçado
De feijão e macaxeira,
Que colhe e vende na feira,
Faturando um bom trocado.
E ainda ajuda em casa:
Na limpeza, na cozinha;
Na raspagem da mandioca
No fabrico da farinha.
E na lavagem de roupa,
Que não lá coisa pouca.
E na criação de galinha(s).
Ajuda a carregar água
Para o gasto com a família,
Num pote, equilibrado
Na cabeça com rodilha.
Diligente. Trabalhadeira.
E ainda ajuda na feira!
É, pois, uma ótima filha.
Das festas de fim-de-ano
Gosta de participar:
Em Jacaraú, em Montanhas,
Com o seu pai que, sempre, está
Disposto a com ela ir.
E se a mesma desistir
No caminho, a voltar.
Aos vinte anos, se casa
Com um moço que conheceu
Numa pequena viagem
De trem, que empreendeu
De Montanhas à Nova Cruz:
Um casamento – uma cruz!
Pois nele muito sofreu.
Um marido muito pobre,
Mas muito trabalhador:
Machante de porco e bode.
É muito namorador.
Nas festas mais concorridas,
Num carrosel ganha a vida,
Com o pai, como empurrador.
Cantava todas as moças
Que conhecia, e mais:
Sem mais essa ou aquela,
Passava a mulher pra trás.
E numa das vadiagens,
Fez ele uma sacanagem
Que não se esquece jamais.
Mamã, que tentou três anos
Engravidar, conseguiu
No quarto, mas o bebê,
Normalmente, não pariu.
Quase morta foi trazida
Para Natal. E sua vida
Foi tudo o que conseguiu!
Pois que, nas mãos da parteira
Sofreu a mais não poder:
Onde a estupidez daquela
Causa a morte do bebê!
Espremendo, machucando,
E à minha irmã incitando
A mais força sempre fazer.
Mamã escapou por pouco!
Pois ao chegar em Natal
O médico que a examinou
E que tirou-lhe, afinal,
O bebê, a ferro, afirmou:
- Mais uma hora, Senhor,
E lhe seria fatal!
Porém não ficou só nisso,
Pois seu marido que era
Um doente, insaciável
Por sexo – como uma fera,
Não consegue controlar
Seus instintos, e fará
Seu sofrer maior! Deveras!
E antes de acabar o tempo
Que era considerado,
Por todos daquela época,
Como sendo o de “resguardo”!
Antes dos quarenta dias,
Do marido, ela teria
Um presente malfadado.
Uma “doença do mundo”
O marido lhe ofertou.
Sem saber o que era aquilo,
A nossa mãe procurou
Uma farmácia que havia
Ali, onde encontraria,
Talvez, alívio pra dor.
Mas foi Seu Manoel Domingos,
Enfermeiro por paixão,
Quem lhe indicou o remédio
Naquela ocasião:
Uma injeção, que aplicou
Ele mesmo, e que a tirou
Daquela situação.
Mas, por quebrar o resguardo
Com aquela “mula” maldita,
Bernadete, coitadinha!
Quase que maluca fica.
Por um mês perdeu o tino.
Seria isso destino?
Não se sabe! Freud esplica?!
Perdeu seu primeiro filho
E, quase, a vida também!
E agora, essa doença
Que o seu juízo retém.
E ainda assim, numa boa!
Ao seu marido perdoa.
Só pode lhe querer bem.
Porém ele, que é doente
Por sexo, não deixará
De transar com as tais mulheres.
E logo, logo, trará,
Para os filhos e pra ela
Doenças, das quais, seqüelas
Para todos sobrará.
Filhos, têm uma novena!
Doenças, pra lá de dez.
Daquelas bem “fuderosas”!
Que deixa o cabra à revés,
Pedindo a Deus uma ajuda.
Rogando que o acuda.
Andando de quatro pés.
Mas o cabra é trabalhador!
Consegue de “levantar”:
De machante a construtor,
Além de, também, passar
Por vendedor de bananas,
Numa pobreza insana
Que não é nem bom lembrar.
Agora, já em Natal,
Sete filhos pra criar,
Pois o primeiro nasceu
Morto e, o Tatá o quarto,
Aos três meses faleceu
Com mal de pulmão que foi
Provocado por um boi
Que uma chifrada lhe deu.
Era um menino bonito:
Branco! Corado! Afilado
Que, ainda na barriga
Da mãe, aquele malvado
Touro que vivia solto,
Não o fez nascer de aborto
Mas com o pulmão afetado
Naquele tempo, Mamã
Morava de aluguel
Numa vila, no Carrasco,
Onde só havia um “miguel”.
Era um verdadeiro inferno!
Principalmente no Inverno:
Na chuva – e sem papel.
Mas, o marido, esperto
Que era, logo encontrou
Um meio para viver.
E foi como construtor!
Construiu, para um amigo,
Uma casa. E um abrigo
Para si, daí, ganhou.
Vendeu-o logo em seguida!
E outro terreno comprou,
Ali mesmo, no Carrasco.
E, então, como construtor
Que se fez, o seu futuro
Já estaria seguro!
Como ele mesmo afirmou.
Mas, construindo e vendendo,
Nunca ficava aparado
Numa mesma residência.
Era um sufoco danado!
Além disso, pra investir,
Tinha, às vezes, que pedir
Ao agiota, emprestado.
Mesmo assim, ele consegue,
Trabalhando duramente,
.
.
.
(parte do cordel A VERDADEIRA HISTORIA DE FORTUNATO E MARIA
que está em fase de conclusão para uma pretensa edição)