Retrato de um rio morto
Airam Ribeiro
Vê aquela areia quente
Que o jegue está espojado
Ali nos tempos passados
Ainda lembro na mente
Passava a água corrente
Que chegava com fartura
Era grande a espessura
No fundo tinha cascudo
Mas acabou aquilo tudo.
Como era uma formosura!
Descia pura e cristalina
A água lá do riacho
Quando chegava cá em baixo
Trazia peixe lá de cima
Comia velho e meninas
O que o rio oferecia
Tantas vezes ele trazia
Junto com a correnteza
A fartura que a natureza
Dava-lhes todos os dias.
A casinha nas margens
Ao lado do leito vazio
Onde passava aquele rio
Descreve outra imagem.
Com os tempos de estiagem
Ela também ficou vazia
Findou aquela alegria
Da festança no quintal
Foi embora o pessoal
Ao ver que o rio morria.
Quando olho no retrato
Inda da pra perceber
Que a água para beber
Vinha do meio do mato
Onde nascia o regato
Embaixo da capoeira
Correu a vida inteira
Sem cansar nunca parou
Tanta gente nele pescou
Na sombra da ingazeira.
A ingazeira coitada
Essa foi igual ao rio
Não agüentou o desafio
Com o tempo foi tombada
Da árvore não restou nada
Acabou tal qual a água
Que foi levando a mágua
Da quentura que evaporou
Só mesmo areia alí ficou
Não restou um pingo d'água.