EMBOSCADO PELO BANDO DE LAMPIÃO - O Paladino e a Donzela
Ó Amada, eu em regresso,
A galope no Alazão.
Fui tomado em emboscada
Pelo bando de Lampião.
Já era alta a madrugada,
Da Lua, no céu, o brilho,
Quando em rápido relance
Vi ao chão, um andarilho.
Assoviei e o Alazão,
O galope arrefeceu.
Sabendo qual o comando,
A mim, ele obedeceu.
Em um salto, fui ao chão.
Junto ao homem me encontrei.
À bala estava ferido.
O seu sangue eu estanquei.
O semblante conhecido,
Depois do sangue limpado.
Era um cabra de Lampião,
Pela milícia, baleado.
Em perigo eu me encontrava,
Mas, fiz-me desentendido.
Percebi que no serrado,
Tinha mais trinta, escondido.
Assoviei e o Alazão
Saiu correndo à tropel,
Destino certo ele tinha,
Junto às portas do quartel.
Sob a cela se encontrava
As cartas da infantaria.
Se Lampião as encontrasse,
Morto, agora, eu estaria.
Coronhada na cabeça.
Fui ao chão e desmaiei.
No pescoço, a navalha.
Foi assim que eu acordei.
Vi os rostos maltratados,
Do bando de Lampião.
Se heróis ou se bandidos?
Cada um tem sua versão.
Mãos e pernas amarradas.
No cangaço não há lei.
Meu destino, já traçado.
Pensando em ti, suspirei.
Mi’a garganta estava seca,
O corpo todo doído,
No rosto, o sangue pisado;
Aos pés, um corpo caído.
Apanhei qual condenado.
Briamente, eu suportei:
Coronha, soco e navalha.
Era noite, eu desmaiei.
Pela manhã, Virgulino,
Chegou ao acampamento;
Com ele cinqüenta homens,
E um outro carregamento.
Três dias sem pão, sem água;
Oito quilos, definhei.
O meu rosto ainda em sangue.
Foi assim que eu o avistei.
Em sua mão, um punhal,
Só Deus estava comigo.
O ferro, no ombro, encravava.
Matava assim o inimigo.
No cangaço não há lei,
Mas cangaceiro tem honra.
Lampião qual um soldado.
Não aceitava desonra.
O ferro posto ao meu lado.
Chegou mi’a hora. Pensei.
- “Diz o nome, condenado,
Só depois te matarei.”
- Meu sobrenome Pereira.
Foi assim que eu lhe falei.
Depois, eu não vi mais nada.
Novamente eu desmaiei.
Na boca, a esponja molhada
Mi’a sede dessedentava.
Pensava já ser defunto,
Mas ainda, eu respirava.
Chamaram, então Virgulino,
Para saber toda história.
O sol mostrava-se a pino.
Preparei minha paródia.
Meu sobrenome é Pereira.
Manoel Leôncio Pereira,
Meu avô, de Pernambuco,
Do distrito em Gravatá -
Vila de Uruçu-Mirim,
Ele quem me deu o trabuco
Que comprou em Quipapá,
De um roceiro de Angelim,
Que diziam ser eunuco.
Meu avô assim falara:
Lampião por lá passara
Pediu pão, pediu guarida
Para o bando e sua amada.
O roceiro lhe negou
E por pão, deu formicida.
Lampião deu uma lufada.
O punhal, ele o pegou
Pensando em tirar-lhe a vida.
Lampião muito arretado
Com o tal atrevimento
“- Seu caça foice. Eu te mato.
Te faço esterco, jumento.”
A esposa desesperada
Põe-se aos pés de Lampião
Suplicando pela vida
Do seu esposo e do irmão.
Nessa hora, Lampião
Disparou em gargalhada.
Interrompeu-me a mi’a fala
Dando-me pão e coalhada.
“- Agora eu te reconheço
Pelas rimas do serrado
Peço que tu me perdoes
Fiz-te quase um condenado
Teu avô me deu um burro,
Farinha, charque e leitão.
Escondeu-me da volante
Até eu voltar pro sertão.
Essa família Pereira
Tem a minha gratidão
Se Rei eu sou do Cangaço.
Estendo-lhe a minha mão.”
- Logo vi, seu Virgulino.
Em tua mão, o meu destino.
Não te culpo pelo engano
Sei que tu és homem de honra
Por isso é o Rei do Cangaço
No sertão pernambucano.
Para mim não é desonra;
Se o teu engano eu desfaço.
Eu assumo e sofro o dano.
“- Tu és mesmo cabra macho
Neste solo do sertão
Mas com honra eu te despacho
Deste o sangue, dou-te a mão.
O meu bando vai partir.
Os teu olhos, vou vendar.
E para não nos seguir
Pés e mãos vou amarrar.”
- Siga em frente Lampião.
Nas entranhas do sertão.
Amarrado ao buriti,
Eu aqui não perco a vida.
Aos meus pés, tem pão, tem água.
Serei sempre grato, a ti.
Tens o adeus, na despedida,
E a chuva logo deságua
Sobre o bando, e sobre ti.
Custou-me tempo esse laço
Mas, por fim me libertei.
O corpo todo encharcado.
No chão, prostrado, eu orei.
Junto àquele buriti
Passei toda a madrugada.
E então ao amanhecer,
Eu parti em caminhada.
Eu ainda enfraquecido,
Do pão e água provei,
Com o pensamento em Deus
Novas forças eu ganhei.
Eu rumei pro Ceará
Uma tropa eu encontrei
Na Fazenda de Maniçoba
Naquela terra eu orei.
Dos ferimentos, tratado.
Em dois dias eu parti
Atravessei o serrado
Orando sempre por ti.
Em Santa Cruz do Deserto
Fico a me recuperar
E escrevo-te essa missiva
Para não te preocupar.
Amo-te, minha Donzela.
És-me oásis no sertão.
Em teu colo, o meu descanso;
Nas carícias de tua mão.
O Paladino
14 de dezembro de 1937,
Do ano de nosso Senhor,
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto – Crato.
Moses Adam
Ferraz de Vasconcelos,
1412/2008 - 21h07
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