UM BEIJO EM MARIA BONITA

Conheço quem presta e quem não presta

Cabra macho e cabra frouxo

Tem muié que é boa de dança

E muié que é boa de arrocho

Conheço homem valente

Bandido, sordado e tenente

Sou fi de mãe macambira

Conheço o olhar do homem covarde

E olhar do homem com ira

Sou pai e fi de terra salgada

Piso em chão móiado de ói preto

Sou um branco azedo adoçado com sal

Fi adotivo de uma terra chamada Macau

Sou um galego que vive no gueto

Conheço pangaré valente

Puro sangue que trinca dente

Cavalo gordo preguiçoso

E cavalo mago que derruba gente

Quenga que na cama é uma cabra velha

E moça recatada que na cama é uma serpente

Filho de rico ladrão

E filho de pobre decente

Conheço jogador ruim de barai que tem sorte

Jogador honesto e ladrão

Jogador de sinuca por esporte

Jogador bom que joga sem tesão

Já comi muié de cafetão

Dama de copas e dama de espada

Dos reis de gravata, só levo lapada

E do valete de ouro, lamentação

Já beijei Dalila

Já venci sanção

Dei surra em Golias

Bebi cana com David

Que é meu irmão

Arranquei o bigode de Hitler

E tomei o punhal de lampião

Derrubei muitos castelos

Já fui herói e vilão

Vi leão dando o rabo

E Já entrei em boca de tubarão

Já fui valente e covarde

Já corri de briga

Também já fiz muito alarde

Só não deixei moça bonita

Me esperar sozinha no fim da tarde

Já masquei pé de urtiga

Apanhei em muita briga

Mas nunca de caboclo covarde

Sou um fogo que gela

Sou um gelo que arde

Se Lampião e jararaca vivos inda vivesse

Enfrentava os dois numa briga grande

Fazia Lampião chorar que nem menino

E Jararaca ficar sem sangue

Dava uma pêia nos dois

E massacrava o resto da gangue

Agora, em mulher eu nunca dei

Nem darei

Carinho e amor disso sabem que sei

Mas alisar coro de homem

Inda mais mal encarado e fêi

Ficou pra fi de puta

Que é sempre fi alhêi

Pra me vencer numa confusão

Não precisa revorve, espada ou facão

Basta uma linda donzela

Com um nobre coração

Pois pra matar a minha ira

Deixe longe de mim a mentira

Traga perto deu a emoção

Sou brabo e sem vergonha

Sou pobre e sou rico

Nem sou filho de cegonha

Nem toda muié é pra meu bico

Já sorri de trizteza

Já chorei de alegria

Comi peba, fussura e buchada

Comi sapo pensando que era gia

Só não vi até hoje

Gato latir

Nem cachorro que mia

Preá pular feito macaco

Ou calango que assobia

Já dormir em balcão de bar

Já trepei de riba da pia

Já tomei revorve de sordado

E faca de açogueiro

Estilingue de menino

E peixeira de peixeiro

Mas nunca tomei pra mim

Coração de moça ruim

Que me deixou apaixonado

Pra todo tipo de homem sou perigoso

E pra muita muié mais pareço um veado

Mas se Maria bonita viva ainda fosse

Dava-lhe um beijo roubado

Virgulino seria corno

Eu, homem honrado

Todo mundo me temeria

Ah danada valentia!

Minha donzela pros meus braços corria

E viveria ao meu lado

Eu ficava logo mofino

Pois apesar de ter roubado a muié de virgulino

E ser um homem apaixonado

O povo agora me chamaria de acovardado

Vez que o amor da moça eu teria

Mas por uma triste ironia

Minha brabeza morreria

Me deixando um homem ababacado

Outro caboclo ela de mim roubaria

Eu ficaria fracassado

Pois sina de mulher

É deixar coração de homem amargurado