A SAGA DO PAPUDIM

A SAGA DO PAPUDINHO

Autor: Heliodoro Morais

Em qualquer lugar do mundo

Tem um barzim de esquina

Onde se vende de tudo

O que ninguém imagina

Num vale pelo que vende

É pur tudo que se aprende

E tanto que se ensina

O caba passa aspirina

Pra quem tá passando mal

Nunca estudou medicina

Nem conhece um sonrisal

Coitado, num sabe nada

Fica de calça mijada

Quando vê um hospital

Um velho débil mental

Pensa que sabe piada

Num conta uma legal

E nem diz coisa engraçada

A gente ri ele nota

Que num foi as anedota

Que fez nós dá as risada

Só sai conversa fiada

Nos papo de economia

Moeda é pra ser cunhada

Cunhada pode sê tia

É besteira que só vendo

A gente fica sabendo

Menos do que nós sabia

O rei da sabedoria

Quer ser dono da razão

Diz que Jesus e Maria

Fugiram de caminhão

Pra evitar a chacina

Que ia ocorrer nas mina

Dum tal de Rei Salomão

Tem bêbado que é enrolão

Que dá risada e apronta

Esse adormece no chão

Só pra num pagar a conta

Ele tem sono pesado

Porque só vive cansado

De tanto que levou ponta

Tem umas véia má pronta

Pensando que é cocota

Enche a cara, fica tonta

Com jeito de idiota

Fica de perna cruzada

Mostrando as veias quebradas

E a lasca da marmota

Depois de umas meiota

O diabo do cachaceiro

Diz um monte de lorota

Quer mostrar que tem dinheiro

Faz de conta que é valente

Inda diz que é parente

Do rei D. Pedro primêro

O tira gosto é carneiro

C'uma banda de limão

E um tatu verdadeiro

Gorduroso feito o cão

Se junta cana e comida

Só pra dá uma cuspida

De inundar o salão

Um caba no violão

Cantando desafinado

Num sabe uma canção

Mesmo assim é enjoado

Outro que não ouve nada

Chora por qualquer zoada

Porque tá apaixonado

No outro dia, cansado

Nego chora de ressaca

Ninguém sabe o resultado

Daquela briga de faca

Nem do caba gente boa

Que apanhou da patroa

Porque lhe chamou de vaca

Amizade é coisa fraca

Na mesa do botequim

O nego desce a matraca

Em quem sai antes do fim

Só num existe malícia

Quando aparece a polícia

Ou morrendo um papudim

Um fuxiqueiro chinfrim

Curioso quer saber

Da morte do papudim

Onde ele tava e porque

Desconfia que a mulher

Botou veneno pro Zé

Pra ver o pobre morrer

Será que foi o comer?

Será que foi o fumar?

Ele queria morrer?

Alguém queria matar?

Quando se ouve dizer

Que ele morreu de beber

Tome papudim chorar

Vira a conversa do bar

Todo mundo lhe adora

Por ser um homem do lar

Nunca comeu nada fora

Mas se alguém fala mal

A negrada desce o pau

Enquanto a viúva chora

Bem ligeiro chega a hora

Do velório do finado

Os bêbados caindo fora

Nem lembram do condenado

Só vai o que tá sentido

Pois se tivesse morrido

O outro tava ao seu lado

Vendo o amigo estirado

Dento daquele caixão

Olha se o pé tá inchado

Fica com o rabo na mão

Mas deseja pro finado

Que tenha um bar arrumado

Na outra encarnação

Morrendo de emoção

Um bebo se desmantela

Quase derruba o caixão

Dá peitada numa vela

Chega perto da viúva

Diz que ela é uma uva

E dá um acocho nela

Bota o dedo na goela

Escarra no mêi da sala

Mexe com moça donzela

Ver o pai dela e se cala

Vai no caixão chega junto

Dá um beijo no defunto

E quer ouvir sua fala

O outro dento da mala

Tá pronto pra viajar

No fundo de uma vala

É onde êle vai morar

O bêbo arriba as calça

Pega o caixão pela alça

Segura e não quer soltar

Faz força pra levantar

E já leva um tropeção

Num consegue se aprumar

Sapeca o rabo no chão

Se levanta e cai de novo

Vomita no mêi do povo

Mas não larga do caixão

Vai seguindo em procissão

Faz o maior alarido

Bem no mêi da oração

Solta um choro bem gemido

Quando chega no portão

Joga o defunto no chão

Deixa o coitado caído

O canto foi escolhido

A cova já foi cavada

O bebo lasca o ouvido

Numa cruz abandonada

Quando enganchou o chinelo

No calcanhar de um bruguelo

Por causo de uma topada

Com a viúva aperriada

Sem saber o que fazia

O bebo pega a coitada

Foi a maior putaria

Sujou sua roupa nova

Empurrou dento da cova

A pobre quase morria

Os dois cheios de agonia

Presos no buraco embaixo

Um fraturou a bacia

Outro com cara de tacho

Levaram uma pá de terra

A viúva tanto berra

Como passa um esculacho

O bebo entrou por baixo

Jogou a velha na areia

Ele deu uma de macho

Mas depois entrou na peia

Foi tapa pra todo lado

Caiu num canto sentado

Inda quebrou duas veia

O finado volta e meia

Se mexia no lugar

A viúva num bobeia

E manda logo interrá

A família toda chora

O povo tá indo embora

O bebo corre pro bar

Sem querer acreditar

Que tudo chegou ao fim

Botou uma pra tomar

E rezou dizendo assim:

Jesus, Maria , José

É ruim saber como é

Enterro de papudim

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 14/07/2009
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