SOU DO TEMPO

I

Carlos Alberto Andrade,

Jornalista, advogado,

Vou passar para cordel

Seu texto bem inspirado.

Espero ao terminar

Eu poder ter agradado.

II

Também de tempo distante,

Chamado tempo da onça.

Tempo que em toda esquina

Havia uma geringonça.

Menina em respeito aos pais

Se passava por sonsa.

III

Do tempo que se amarrava

Os cachorros com lingüiça,

Aos domingos obrigados

A assistir a uma missa,

Sem demonstrar que estava

Sentindo qualquer preguiça.

IV

Trago lembranças da Fama,

Das Casas Pernambucanas.

Tempo que fazer piquenique

Era uma coisa bacana.

Artista fazia sucesso

No rádio e tinha fama.

V

Tempo em que o adultério

foi considerado crime.

Tempo que o Vasco da Gama

Formava um grande time.

Tempo que a Revolução

Era dona do regime.

VI

Do tempo do buscapé

E do xarope São João,

Mulher gostava de homem

Pois não era sapatão.

Tempo sem violência, roubo

Nem mesmo o tal mensalão.

VII

Do tempo que o futebol

Era um esporte de macho.

Nos bailes de formatura

Ninguém segurava o facho.

Do tempo que água limpa

Ainda corria em todo riacho.

VII

Tempo em que os playboy

Só viviam botando banca.

O telefone era preto

E a geladeira era branca.

Time jogava pra frente

Não havia ainda a retranca

IX

Tempo que confiávamos

Até companhias aéreas.

E também na penicilina

Para as doenças venéreas.

Violência sempre deixava

As pessoas muito funéreas.

X

Do confete e serpentina

Na festa de carnaval.

Do Sírio, Monte Líbano

Também do Municipal.

Bicarbonato de sódio,

Do tempo do Sonrisal.

XI

Que música boa tocava

Só na Rádio Nacional.

E o mundo ainda não era

Essa louca aldeia global.

Pó era somente poeira

E não fazia tanto mal.

XII

Terno de risca de giz

Da calça boca apertada.

Menina namoradeira

Era toda mal falada.

E que não havia gente

Se dizendo estressada.

XIII

E na Lapa que mandava

Era madame Satã.

Ainda se podia assistir

Jogos no Maracanã.

Os filmes mais violentos

Era faroeste, Tarzan.

XIV

Sou do tempo do velho

E do temido “Dói Codi”.

Do tempo que se falava:

Ah! Comigo ninguém pode.

Do tempo que pra bandido

Não se fazia uma Ode.

XV

Que ficar era não ir.

Da brilhantina Glostora.

Quando não havia sedex,

Velhos tempos de outrora

Ficava-se na calçada,

Jogando conversa fora.

XVI

Que a polícia perseguia

todo sambista de fama.

A “secretária” de hoje

Era conhecida por ama.

Do tempo que Dinamite

Jogava Vasco da Gama.

XVII

Do tempo que a mulher

Era quem usava brinco.

Que a segurança das portas

Era só um velho trinco.

E todas calças de homem

Tinham um bonito vinco.

XVIII

Sou também do tempo que

Picada era só na bunda,

Não tivesse melhorado

Aquela febre profunda.

Coca era refrigerante

E não essa coisa imunda.

XIX

Do tempo do tergal,

Do bolon, do terilene

E das cantoras de rádio:

Emilinha e Marlene.

Polícia se respeitava

Até pela sua sirene.

XX

Sou do tempo do mocinho,

Vilão com cara de mau.

Do biotônico Fontoura,

Do fígado de bacalhau.

Automóvel era Sinca,

Jeep, Aero Willis, Rural.

XXI

Do tempo que disputava

A famosa Copa Roca.

Tempo que sobre o Congresso

Não tinha tanta fofoca.

Que ainda não se conhecia

A bela Praia de Jijoca.

XXII

Sou do tempo do coreto,

Onde ia tocar a banda

Em toda esquina vendia

O velho cigarro Iolanda.

E ainda não se lutava

Para salvar o urso panda.

XXIII

Do tempo da estricnina

Veneno bem poderoso.

Do leite de magnésio,

Sagu e fubá Mimoso.

Tempo que dançar colado

era bastante gostoso.

XXIV

Sou do tempo que Benjor

Chamava-se Jorge Bem.

Tempo que carne de bife

Conhecia-se por acém.

Bofe só cachorro comia

E não valia um vintém.

XXV

Não havia estrogonofe.

Das zonas e seus bordéis.

Tempo que nosso dinheiro

Era chamado de réis.

Políticos aos partidos

Sempre eram bem fiéis.

XXVI

Do tempo da Cibalena

E também do Veramon.

E acompanhei também

O lançamento da Avon.

Tempo do talco famoso

Conhecido por Pom-Pom.

XXVII

Dos filmes de Rin-tin-tin

Das estampas Eucalol.

E da revista Fon Fon,

E do bom Calcigenol,

Não se tinha tanto medo

Do tal do colesterol.

XXVIII

Do remédio anunciado:

“Veja ilustre passageiro

O você tem do seu lado

Um belo tipo faceiro,

Creosotado pra bronquite

Tomou, se curou ligeiro.”

XXIX

Do Biotônico Fontoura,

Também da Cafiaspirina

Do bálsamo de benguê

Ainda da antiflugestina,

E para se jogar bola

Não se tomava efedrina.

XXX

Do tempo que ainda se lia

O almanaque Tico-Tico

Tempo que o trabalhador

Ainda podia ficar rico.

E dupla sertaneja era

Só Tinoco e Tonico.

XXXI

Do tempo que ainda existia

A velha Maria Fumaça.

E como remédio se usava

O bom óleo de linhaça.

No Inter tinha o Falcão

Se gostava do Fogaça.

XXXII

Do tempo em que se lia

A revista O Cruzeiro.

Para escrever se usava

Uma caneta tinteiro.

Cabelo de homem era

Só cortado por barbeiro.

XXXIII

Casa Cavé não conheci,

Mas a cera Parquetina.

Não ouvi Getúlio Vargas,

Nem do tempo da Erondina.

Mais novo que a Santa Ceia,

Tempo do Clube da Esquina.

XXXIV

Tempo que ainda se podia

Viver de bem com a vida.

Porque não se conhecia ainda

O que era bala perdida.

As cadeias não viviam cheias

Com um monte de homicida.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

FORTALEZA, JUNHO/2009