A Marcha das 11 Léguas
HISTÓRIAS DE TROPEIRO
* * A Marcha das 11 Léguas * *
Quero contar uma história
e peço vossa atenção
pois foi um fato importante
que trago no coração,
dos tempos que fui tropeiro
em nossa grande nação.
Lá no Estado de Minas,
o mais belo da nação,
estava eu com a tropa
junto aos colega e irmão,
mas uma mula de carga,
vejam só a ingratidão,
resolveu fugir do ofício
e me deu um trabalhão.
Então no rastro da mula
fiquei prá trás na tocaia
e sem saber que a danada,
que qual o vento se espaia,
tomou foi chá de sumiço
ao dispensar a cangaia.
Vejam só o acontecido,
inda apenas no começo
da minha marcha mais longa
que conto pro vosso apreço,
invés de encontrar a mula,
q’eu tava com tanta gula,
eu tive foi um tropeço.
O tropeço que levei
não foi o pé contra o chão,
mas um apuro danado
quando me vi na amplidão
sem ter onde pernoitar
e nada pra alimentar
fiz das tripa coração.
No caminho q’eu estava
avistei uma moradia
resolvi me aproximar
pois o meu corpo pedia
um descanso e alimento
inda mais que no relento
pernoitar eu não podia.
Saí então da estrada
e me acheguei no terreiro
daquela casa modesta
para pedir ao rancheiro
que desse ali um abrigo
a este pobre tropeiro.
Chegando o dono da casa
na prosa falei ligeiro:
Amigo, venho no rastro,
lhe digo sou verdadeiro,
de uma mula fujona
do seu ofício mateiro.
A danada dessa mula
me deixô na contramão,
desgarrei da comitiva
e eu fiquei na ilusão
de no encalço da bandida
encontrá-la nesta vida
sem dor ou fadigação.
Depois de tudo explicado
o homem me deu guarita
convidou que eu entrasse,
foi rápido sem fazê fita,
e disse: “Fique a vontade,
o tempo que necessita”.
Então veja, meu amigo
a minha situação,
eu já estava instalado
acolhido qual cristão,
por Jesus, Nosso Senhor
na casa do Pai, então,
me veio uma fome atrevida
e pensei num tem saída
as tripa se comerão.
Naquela luta das tripas
avistei umas melancia,
mas com a fome aumentando
a Deus, clamei de agonia,
foi quando naquela hora
escutei uma sinfonia
de colher batendo em bule
que me encheu de alegria.
Logo após a sinfonia,
veio bem quente um café
passado naquela hora
veja ocê como é,
a gente hospitaleira
temente a Deus e com fé.
Tomei, então o café
e me pus na escutação
de umas panela batendo
e eu pensei: é feijão!
Foi quando me veio à boca
a tal da salivação,
pois o perfume que vinha
de lá daquela cozinha
foi torresmo em fritação.
E quando já num guentava,
pois minhas perna tremia,
fui convidado a sentar,
com toda diplomacia,
à mesa daquela casa
prá desfrutar da iguaria
e em fim a minha barriga
teria sua alforria.
Logo após aquela janta
passamos ao prosear
e veja como o destino
veio me abençoar
em casa dum seu Antonho
que disse a mim bem risonho:
“Do seu pai já ouvi falar”.
E foi aquela alegria
do fundo do coração,
parecendo q’eu estava
em casa de um irmão,
pois graça ao Nosso Senhor,
o Bom Jesus Redentor,
eu tive recepção.
Passei a noite num pisco
de olho duma donzela
e ainda de madrugada
me dirigi à cancela
e à Antônio, disse: Té logo,
venha fechar a tramela.
E naquela manhã tão linda
ainda madrugadinha,
fui no rastro dos amigo
igual o trem na sua linha
e lá pelas sete horas
eu avistei uma vendinha
que ficava bem na entrada
de uma cidadezinha.
Ali comprei um açúcar
e um pouco de requeijão
prá alimentar o meu corpo
e seguir minha missão:
encontrar a comitiva
que nessa hora exclusiva
bem longe já estava, então.
Voltando para a estrada
tomei minha direção
chegando em marcha ligeira
às margens dum ribeirão
e avistei uma paisagem
que me deu satisfação.
Aquela linda paisagem
era coisa de cinema,
uma água limpa e doce,
imagine só a cena,
com plantas bem verdejantes
e sem igual semelhantes
tal é a flor de açucena.
Fiquei ali contemplando
o Dom de Deus Criador,
as águas mais cristalinas
aqui no Estado de Minas
foi presente do Senhor.
Então, eu já descansado
botei o pé na Estrada
de nome certo Real,
pois a riqueza levava
ao reino de Portugal,
que o Brasil explorava.
Naquela estrada passei
no encalço da comitiva
que nessas horas já ia
na marcha da conclusiva
e eu atrás bem depressa
em caminhada exaustiva.
O dia já ia alto
quando uma vila avistei
e as pernas de tão cansada
quase que ali desmaiei
mas com o fôlego divino
igual Sultão Saladino
a marcha continuei.
Passei por tantos lugares,
sendo um por nome Ladeira,
caminhando em passo forte,
e às vezes numa carreira.
Cheguei também no Lajedo
e digo não é segredo,
eu tava só a poeira.
Passei em Vage da Pedra,
e como valeu a pena!
Avistei cada uma moça
de loira, ruiva a morena
e fiquei só na saudade
daquela linda cidade
que cito aqui no poema.
No pino do meio-dia
cheguei em Aracatú
e as perna de tanto andar
tremia que nem bambu,
e a barriga clamando:
“Eu já estou precisando
de pelo o meno um beiju”.
Na praça tinha uma venda
adonde fui informado
que a tropa q’eu procurava
ali tinha pernoitado,
mas ao saber donde eu vinha
o dono disse assustado:
“Minino você tá doido,
pois percorreste 11 légua,
de lá da Vage Queimada
até aqui sem dá trégua,
inda mais que veio andando
e vez em quando trotando
correndo como uma égua”.
Segui então adiante
e a comitiva avistei
já quase de tardezinha,
parece que inté sonhei
ao ver as mula apeada
e toda a cumpanheirada,
pois muito alegre fiquei.
Nas vilas onde passei
não tive nenhum perigo
e em toda necessidade
de pronto fui atendido,
por velho, jovem e criança
que guardo bem na lembrança
e a todos sou gradecido.
Faço agora ao leitor
a minha apresentação:
sou o sr. Seu Alcides,
à sua disposição,
de nome certo Ciorcídio
José Dias, seu irmão.
Peço agora sua licença
de terminar minha história
e deixo aqui um convite
para guardar na memória,
a marcha das 11 légua,
que numa manhã sem trégua
eu completei com vitória.
Uma homenagem a todos os tropeiros, na pessoa do Sr. Ciorcídio José Dias.
Autor: Silvio Souza Santana
Pseudônimo: Vidal
Local: Teixeira de Freitas, Bahia - Brasil
Mês e Ano: Junho de 2009