ZUZA LACERDA - O PRESIDENTE CANGACEIRO

A memória é a história

Que serve de alimento

Ao passado e ao futuro

Mas, que esse provimento

Sirva pra libertação

E não para servidão

De um acontecimento.

Arquivos em documento

Nem sempre foi eficaz

Em mostrar as diferenças

Entre grupos sociais.

É a memória coletiva

Que faz permanecer viva

Coisas que não voltam mais.

A muitos anos atrás

Brasileiros descontentes

Com os regimes da República

Se tornavam independentes

E o Brasil se dividia

Mas a armada quando agia

Retomava novamente.

Também entre nossa gente

Houve desavenças fortes:

A República de Princesa

Provocou diversas mortes,

E a República da Estrela

Que eu pretendo descrevê-la

Na Paraiba do Norte.

Tempo de briga e de morte,

De volante e de coiteiro,

De coronel assassino

Protetor de cangaceiro,

Pobreza era desaforo

Autoridade era o ouro

E a justiça era o dinheiro.

Na casa de um fazendeiro

De posse e de posição

Sítio Malhada da Cobra

Nasce-lhe um filho varão

No meio de um cafundó

Do Vale do Piancó

Onde hoje é Conceição.

Esse garoto em questão

Que na política se impôs

No século mil e oitocentos

No ano de trinta e dois

Nasceu pra ser um mandão,

Bom plantador de algodão

Milho feijão e arroz.

E poucos anos depois

Já um moleque potente

Dominava a escravaria

Do mais forte ao mais carente

Comandava a jagunçada

Não demorou quase nada

Da fazenda era gerente.

Homem muito inteligente,

Lavrador, comerciante,

Coronel Zuza Lacerda

Nome, José Cavalcante,

Casou-se quase menino

E do seu próprio destino

Passou a ser comandante.

À frente de uma volante

No combate a cangaceiro

Na Guarda Nacional

Ele era sempre o primeiro

Alguns ele combatia

Mas a outros protegia

Porque também foi coiteiro.

Protetor de cangaceiro

Todos o obedecia

Qualquer jagunço ou escravo

Do coronel se valia

E todos lhe respeitava

Pois tudo que ele ganhava

Com os outros dividia.

Seus domínios se estendia

No interior do Estado

Ano mil e novecentos

Foi eleito deputado

Também o governador

Do seu partido ganhou,

Ficou tudo acomodado.

Houve um fato inusitado

Depois dessa eleição

O Governo em exercício

Era da oposição,

Inconformado em perder

Recusou-se a devolver

O Palácio da Redenção.

Devido essa decisão

O coronel irritado

Regressa pro interior

Reúne seus comandados

E segue pra Capital

Pra garantir afinal

Que o homem fosse empossado.

Com seu batalhão formado

Fizeram a travessia

Chegando nas redondezas

Deixa sua infantaria

E vai primeiro falar

Com quem não quis entregar

O cargo que exercia.

O povo que lhe servia

Não eram policiais

Eram jagunços, escravos,

Cangaceiros, capataz,

Só capanga e pau-mandado,

Mas garantiam o «chamado»

Como a polícia não faz.

Sem poder resistir mais

A oposição desistiu

O outro foi empossado

Zuza a promessa cumpriu

Engajou sua milícia

Aos quadros da polícia

E para o sertão partiu.

Mas o governo traiu

O coronel deputado

Nomeando o próprio genro

No interior do Estado

Prefeito em Misericórdia

Gerando assim a discórdia

E desonrando o tratado.

O coronel revoltado

Resolveu se desmembrar

Da política brasileira

E alí mesmo proclamar

Seu domínio independente

E ele mesmo, presidente,

Passaria a governar.

Começou a nomear

Os seus Ministros de Estado

Todos eram confiantes

Filhos, netos, agregado,

No fim do primeiro dia

Na casa grande se via

Ministros pra todo lado.

Depois de tudo acabado

Como manda a tradição,

Mesmo sendo nepotismo

Havia diminuição

De haver infidelidade,

Irresponsabilidade

E chance de traição.

Organiza o pelotão

Da Guarda Nacional

Cidade de Curral Velho

Foi seu Quartel General

E completando a loucura

Instalou em Boa Ventura

A Capital Federal.

Da cidade de Pombal

Chega uma armada potente

Para acabar com os desmandos

Do coronel presidente

Que desmanchou seu comando

E quando escondeu seu bando

Se entregou finalmente.

Considerado inocente

Um juri o absolveu

Restabelecida a ordem

Governo reconheceu

Que errou contra o coronel,

Que tinha sido infiel

Com quem tanto o defendeu.

O coronel resolveu

Zelar do que possuía

Deixou a Guarda Volante

Que com orgulho servia

E passou a ser coiteiro

Ajudando aos cangaceiros

Que outrora combatia.

Terminada em harmonia

Nada mais foi como antes

Mil novecentos e onze

Ainda era comandante

Mas as notícias calaram

Depois nunca mais falaram

No Coronel Cavalcante.

Mas sempre foi triunfante

Vivendo honradamente

Sua numerosa família

Repleta de boa gente

Na fé, nas letras, na arte,

Se espalhou por toda parte

Deste meu Nordeste quente.

A sua família sente

Orgulho do nome seu

Dentro e fora do Nordeste

Muita gente conviveu

Com mentiras deslavadas

Sobre coisas infundadas

Que ele não cometeu.

O cangaço aconteceu

Devido as impunidades

O coronel provou isso

Proclamando a liberdade

Se fosse algum desvalido

Também tinha sucumbido

Vítima de atrocidade.

Cangaço virou saudade

Não voltará novamente

A República da Estrela

Tá na lembrança da gente

Zuza é nome predileto

Entre seus netos, bisnetos

E todos seus descendentes.

Eu também sou seu parente

Do seu nome sou herdeiro

Tenho os mesmos ideais

Desse lendário guerreiro,

Me orgulho ser descendente

De um tio-avô presidente,

De um tio-avô cangaceiro.

Série Cangaceiros - Volume XXIV

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 20/05/2009
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T1604196
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