Dois Sertões

Mainha diz que Deus

Por amar demais os filhos seus

Nunca manda um peso maior

Que nóis nun pode carregar

Nesse mundo, é tanto atrito

Que a vida se desvencilha.

Sabe seu doutor, deixe que eu lhe diga:

A vida esta que caminha está a nós por um fio.

Tem criança aqui no sertão

Que vai pro canavial todo dia

Ou pras casas de carvoarias

Pra enganar a desilusão.

Pai de família bóia-fria

Acorda cedo, a fome aperta.

Os dias se espaçam e vagam na espera:

-Morte e vida Severina.

Mainha, devota de Nossa Senhora

Mãe de Nosso Senhor

Foi quem me ensinou

Ir pra roça, viver da lavoura

Mainha, que desde moça

Nem tem mais as mãos finas

Mas leva em si

A sombra dessa heroína: Coisa de mães, né doutor?

Mas a vida é um nó pra todo mundo

Escura e turva seu doutor, mas

Sem sonhar, como se levanta voo?

A vida é doce,

Mas derrete que nem

Rapadura no tacho.

E pro senhor vou dizer o que acho:

A vida vai e vem qua nem

Farinha de macaxeira

Ao vento:

Porque a sabedoria é filha única do tempo.

E é como diz mainha:

"Deus,

Por amar demais os filhos seus

Nunca manda um peso maior

Que nóis nun pode carregar'...

Lucas Feat
Enviado por Lucas Feat em 14/05/2009
Código do texto: T1594021
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