Dois Sertões
Mainha diz que Deus
Por amar demais os filhos seus
Nunca manda um peso maior
Que nóis nun pode carregar
Nesse mundo, é tanto atrito
Que a vida se desvencilha.
Sabe seu doutor, deixe que eu lhe diga:
A vida esta que caminha está a nós por um fio.
Tem criança aqui no sertão
Que vai pro canavial todo dia
Ou pras casas de carvoarias
Pra enganar a desilusão.
Pai de família bóia-fria
Acorda cedo, a fome aperta.
Os dias se espaçam e vagam na espera:
-Morte e vida Severina.
Mainha, devota de Nossa Senhora
Mãe de Nosso Senhor
Foi quem me ensinou
Ir pra roça, viver da lavoura
Mainha, que desde moça
Nem tem mais as mãos finas
Mas leva em si
A sombra dessa heroína: Coisa de mães, né doutor?
Mas a vida é um nó pra todo mundo
Escura e turva seu doutor, mas
Sem sonhar, como se levanta voo?
A vida é doce,
Mas derrete que nem
Rapadura no tacho.
E pro senhor vou dizer o que acho:
A vida vai e vem qua nem
Farinha de macaxeira
Ao vento:
Porque a sabedoria é filha única do tempo.
E é como diz mainha:
"Deus,
Por amar demais os filhos seus
Nunca manda um peso maior
Que nóis nun pode carregar'...